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Baianidade na pele: tatuagens homenageiam Salvador em reproduções de Carybé

Desenhos e esculturas do artista plástico argentino ganham a forma de tattoos 70 anos depois de ele ter chegado à Bahia,

  • Foto do(a) author(a) Alexandre Lyrio
  • Alexandre Lyrio

Publicado em 3 de janeiro de 2021 às 06:21

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO

Neto de Carybé, Gabriel tatuou ferramentas dos orixás no braço esquerdo (Foto: Marina Silva / CORREIO) Leonardo da Vinci, o gênio dos gênios, dizia que a simplicidade é o último grau da sofisticação. Fosse baiano, quem sabe o autor da Monalisa mandasse tatuar em algum canto do seu corpo um Carybé. Sim, porque o argentino radicado em Salvador talvez seja o artista visual que melhor e de forma mais sofisticada – sempre com poucos e simples traços – retratou a Bahia.

Duas décadas após sua morte, baianos e amantes da baianidade têm utilizado a arte de Carybé na pele, seja para homenagear, marcar território ou matar saudade. O Carnaval, as festas de largo, o Candomblé, os pescadores, as baianas, a capoeira, os monumentos, o cotidiano da velha Bahia, vai parar em braços, antebraços, panturrilhas, costas e peitos.

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O produtor cultural Mateus Damasceno mandou tatuar um Oxóssi de Carybé no braço. O desenho é a representação de uma lenda iorubá. “Tatuagem para mim é uma marca de vida, o marco simbólico de um novo ciclo, um aditivo para elevação espiritual. E Carybé traz a espiritualidade no seu traço”, diz Mateus, que é filho de Oxóssi e fez a tattoo para marcar o nascimento da filha. “Carybé pinta a rua, o cotidiano, a religiosidade afro-baiana. É o modo de vida que eu fui criado”, diz Mateus, que fez a tatuagem com a tatuadora Mandah Gotsfritz.

“Carybé pinta a rua, o cotidiano, a religiosidade afro-baiana. É o modo de vida que eu fui criado”, diz Mateus, que fez a tatuagem com a tatuadora Mandah Gotsfritz. Mateus: Oxóssi aponta sua flecha para o grande pássaro. Tattoo de lenda iorubá (Foto: Marina Silva / CORREIO) A publicitária Janine Guedes, 36, queria uma tatuagem que tivesse a ver com liberdade, com leveza e com a Bahia. Encontrou pesquisando Carybé. Neste caso, houve uma adaptação. Um desenho original (sem título) de dois pescadores, um deles empinando uma pipa, tirou um dos pescadores da cena.

A linha da pipa também ganhou uma curva para contornar o ombro desde o braço. “Lembrança da infância, de ver meu pai empinando pipa. Embora Carybé não seja baiano, ninguém desenhou esse povo como ele”, acredita Janine, encantada com o estúdio onde Carybé trabalhava e com a sua própria tatuagem, também feita por Mandah.

Janine e o menino empinando pipa: o cotidiano na obra de Carybé (Foto: Marina Silva / CORREIO) Recomendação

Tatuar Carybé não é uma arte que qualquer tatuador domine, diz o próprio neto do artista, o designer gráfico e gestor de conteúdo da obra de Carybé, Gabriel Bernabó, 48 anos. Ele nos recebeu no Instituto Carybé, em Brotas, onde o artista argentino dava seus rabiscos e pinceladas. Convocou a tatuadora Mandah, que, segundo ele, reproduz Carybé “com uma qualidade absurda”. “O Instituto Carybé recomenda”, avisou Gabriel, que, mesmo preocupado com direitos autorais das obras do avô, diz que não há restrição nas reproduções em tatuagens.  

Tatuar Carybé não é uma arte que qualquer tatuador domine, diz o próprio neto do artista, o design gráfico e gestor de conteúdo da obra de Carybé, Gabriel Bernabó, 48 anos. Ele nos recebeu no Instituto Carybé, em Brotas, onde o artista argentino dava seus rabiscos e pinceladas. Convocou a tatuadora Mandah, que, segundo ele, reproduz Carybé “com uma qualidade absurda”. “O Instituto Carybé recomenda”, avisou Gabriel, que, mesmo preocupado com direitos autorais das obras do avô, diz que não há restrição nas reproduções em tatuagens.  

“Eu sinto como se a Bahia fosse a casa que eu nunca tive. A Bahia sempre foi sinônimo de arte e eu vim pra cá para viver só da tatuagem. Existe algo no ar aqui que cativa a gente”, conta. Da mesma forma, confirma Gabriel, Carybé só conseguiu se dedicar exclusivamente à sua arte depois de, aos 39 anos, desembarcar na Bahia, em 1950. Mandah: tatuadora veio para a Bahia e se encantou pela obra de Carybé (Foto: Marina Silva / CORREIO) Nos primeiros meses morando aqui, Mandah tatuou seu primeiro Carybé. Até então, não conhecia o trabalho dele. “Comecei a pesquisar e fiquei apaixonada, bestificada”, lembra Mandah, que lidera o Mandah Gotsfritz Art & Tattoo, um estúdio que funciona em Brotas e tem apenas tatuadoras mulheres. 

Impressionada com o traço de Mandah, a família de Carybé entrou em contato ela. Gabriel, então, fez uma tatuagem com reprodução do desenho do avô. Tatuou ferramentas dos orixás da coleção As Sete Portas da Bahia. O grande desafio de tatuar Carybé, diz Mandah, é manter a intenção de movimento. 

“Tem que buscar o gestual. Parece simples, mas a gente sabe o quanto é difícil chegar até aquilo”, observa. “Mais do que a simplicidade, a arte de meu avô buscava movimento. Se tem alguém dançando, você enxerga o próximo passo”, exemplifica. Mandah diz que costuma demorar muito para reproduzir um Carybé. “Você precisa entender a ‘vibe’. Aliás, quando estou demorando em qualquer tatuagem, as pessoas dizem que eu entrei no ‘modo Carybé’”, brinca.

Gestos

 A tatuadora Manuela Leite tem a mesma impressão de Mandah. Baiana, tem um estúdio em São Paulo e também faz Carybés muito bem riscados. “Vejo o traço dele como certeiro! Isso é muito difícil e me faz babar pelo trabalho dele. Imaginar a mão compondo uma cena complexa em poucos gestos”, diz Manuela, que antes de virar tatuadora fez um trabalho de design para o espaço Carybé de Artes, no Forte São Diogo, na Barra.

“Ali eu vi a imensidão da obra, como ele trabalhava! A Bahia virou um tema infinito pra ele”, acredita a tatuadora, que ultimamente passa dois meses em São Paulo para cada mês na Bahia. “Ver a Bahia de longe me fez apaixonar ainda mais por ela”, admite Manuela. Sentimentos como esse leva a crer que a obra de Carybé é imortal. “Aquela Bahia, de uma forma ou de outra, continua viva. Agora também em tatuagens”, acredita Gabriel. 

‘Ele botava o afeto pela Bahia nos desenhos’

Não é à toa que baianos e amantes da baianidade enxergam em Carybé o artista ideal para buscar os melhores rabiscos para suas tatuagens. A artista visual Lanussi Pasquali, que coordenou a criação do Espaço Carybé de Artes, instalado no Forte São Diogo, na Barra, não tem dúvida do que atrai as pessoas, inclusive tatuadores e tatuados, no trabalho de Carybé.“Levar o Carybé para a tatuagem é escolher um sentimento que envolve essa paisagem social, que é a grande magia da Bahia. A magia da Bahia está nas diferenças cotidianas tão bem retratadas por Carybé”, afirma Lanussi.De acordo com Lanussi, para além da qualidade artística de Carybé, há afeto em sua obra.“Quem escolhe tatuar Carybé tem um sentimento de afeto pela Bahia que ele traz. Claro, tem qualidades artisticas no trabalho dele que atrai as pessoas, mesmo para quem não conhece o contexto baiano e a importância dele no cenário. Mas, o fato de ele retratar figuras do nosso cotidiano com altivez e delicadeza transforma ele em um ícone”, observa.

O fato de Carybé ter sido um forasteiro radicado aqui, diz Lanussi, pode ter constribuído. “Talvez, inclusive, por ele ser estrangeiro, por ele não ser baiano e ter escolhido a Bahia, ele teve um olhar mais afetuoso sobre o nosso povo. Ele tinha um olhar romântico. O mais forte no trabalho do Carybé é o afeto que ele tem pela Bahia e seus personagens”.

Vivacidade

Neto de Carybé, Gabriel Bernabó concorda que o olhar estrangeiro enxergou nosso cotidiano de forma diferenciada.  “Enquanto a elite baiana vivia como se estivesse em Paris, ele se encantou com a vivacidade das ruas, com a luz da cidade, com os subterrâneos, com o cotidiano. Houve uma geração de pessoas de fora que enxergou isso. Carybé era um deles. A gente que é daqui perde a capacidade de prestar atenção nas coisas”.

'Tatuar a Bahia é um grito de pertencimento', diz estudiosa da baianidade

Autora do livro A Invenção da Baianidade, a jornalista Agnes Mariano tenta desvendar por que tantos Carybés estão virando tatuagem. Veja na rápida entrevista o quanto ela considera a tatuagem de símbolos da baianidade não só um gesto identidade, mas um grito de pertencimento e até um ato de nostalgia sobre uma Bahia que ficou no passado, mas de alguma forma ainda existe no presente. 

O que as referências do modo de ser e sentir do baiano pode ter a ver com eternizar a Bahia na pele?

A tatuagem é um gesto de pertencimento. Comunico ao mundo um pouco de mim, meus afetos. São formas de demarcar o pertencimento a um povo. Curioso porque vivemos todos em crise com nossas identidades. Carybé, como sabemos, nem era baiano. Mas isso não importa. Ele, sem dúvida, foi um dos artistas que traduziu em imagens eloquentes aspectos de um modo de viver que tornou a Bahia famosa no Brasil e no mundo. Ele é uma figura simbólica, assim como outros artistas, personagens da literatura, canções.

Qual a importância da invenção da baianidade para a cultura baiana e porque você acha que ela perdura ainda hoje, inclusive em forma de tatuagens?

Não existe identidade sem memória. Assim como a memória interfere na identidade. São indissociáveis. Por isso repetir, relembrar, ajuda na coesão de um grupo, no reforço de ideias e valores. A cultura baiana é sábia nesse sentido, pois é cheia de hábitos e ritos públicos que se repetem. Ritos que contam histórias, que reforçam valores. Tatuar Carybé é um gesto nostálgico. Uma certa saudade de algo que deixou de ser, mas ainda nos comove.

Que tipo de valores os desenhos de Carybé reforçam ao retratar o cotidiano?

 A cultura baiana agrega, não segrega. Claro que existe muita exclusão econômica, racismo e outros horrores. Mas estou me referindo aqui ao fato de que as pessoas de outras cidades, outros estados, países e culturas são bem-vindas, aceitas nas festas, no convívio, nas casas, na intimidade. Carybé não era baiano, mas se tornou baiano. Tatuar na própria pele uma homenagem à cultura baiana, nesse momento, é um grito em defesa da nossa capacidade de conviver com o diferente.

Estúdios de tatuagem voltaram com protocolos rigorosos

Foram, pelo menos, cerca de três meses com os estúdios de tatuagem fechados. O tatuador do Família Rangel Tattoo, Nill Ojuara, conta que quase todos os seus colegas de profissão pararam de trabalhar em março, com o aumento dos casos de coronavírus em Salvador e a imposição de restrições de circulação por parte da Prefeitura. Segundo a Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Urbanismo (Sedur), os tatuadores se encaixam nos protocolos de funcionamento das Clínicas de Estética, que puderam retomar as atividades a partir de 3 de junho.

O horário de funcionamento varia de acordo com o local em que o estúdio  está instalado. No geral, os tatuadores podem atender de segunda a sábado, das 9h às 19h, a exceção é para os estúdios que estão dentro dos shoppings, que podem funcionar das 11h às 21h durante toda a semana. Para funcionarem, os tatuadores devem seguir protocolos gerais e específicos. Dentre as regras generalizadas estão o uso obrigatório de máscara, a distância mínima de 1,5m entre as pessoas e a utilização de EPIs pelos funcionários.

Já o protocolo voltado para as clínicas de estética e que se aplicam aos tatuadores determina, entre outras normas, a higienização de superfícies com produtos regularizados pela Anvisa; a limpeza e desinfecção com álcool 70% de todos os utensílios não-críticos; os utensílios perfurocortantes devem ser descartáveis ou de uso pessoal de cada cliente e, caso sejam reutilizáveis, estes deverão ser lavados com água e sabão e esterilizados em autoclaves após cada cliente. Ainda não são permitidos acompanhantes durante os atendimentos.