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Começo: Prisão de Ravengar foi a origem do crime (des)organizado

O surgimento de novas quadrilhas culminou como terror da semana

  • D
  • Da Redação

Publicado em 13 de setembro de 2009 às 09:17

 - Atualizado há 2 anos

Doze ônibus incendiados, nove módulos policiais atacados, seis policiais feridos e o pânico instalado entre a população de Salvador em apenas seis dias.Na semana da Independência, o grito foi dado pelo tráfico. A ordem vinda de dentro do cárcere era aterrorizar, espalhar o caos, revelando o quanto a máquina estatal ainda patina para resolver o maior problema de segurança pública da capital.

Com a cidade quase subjugada pelo poderio da bandidagem, a pergunta saía da garganta dos que assistiam pelas TVs e jornais ao mais recente capítulo da trajetória da criminalidade baiana: como chegamos a tal ponto? Para achar a resposta, é preciso rebobinar a fita da história.

Ravengar é apresentado dias depois de sua prisão, em 2004. A polícia desequilibrava ali as forças que comandavam o tráfico em Salvador

Distrito de Monte Gordo, litoral norte do estado, 16 de fevereiro de 2004. Naquele dia, terminava a caçada iniciada um mês antes. A polícia baiana havia prendido Raimundo Alves de Souza, mais conhecido como “Raimundão” ou “Ravengar”, apontado como maior traficante de cocaína da Bahia. Sem querer, a ação deflagraria nos anos seguintes uma ruptura no aparente ordenamento do comércio de drogas na capital, culminando no terror iniciado em pleno feriado de Sete de Setembro.

Contudo, a história do tráfico pesado na capital baiana começa no Porto da Barra no início dos anos 80. Era o período da abertura do regime militar. Com duas décadas de atraso, os ventos da liberdade enfim sopravam do lado de cá do Atlântico Sul. Mas eles trouxeram não só os ideais do sexo livre praticado ao som do nascente rock brasileiro. A reboque, alguns garotões de classe média alta estavam mais interessados na coqueluche da época em matéria de curtição aditivada.

E foi assim que o Porto, àquela altura transformado em epicentro do jet-set internacional e tupiniquim, se rendeu à cocaína. No começo, ela chegava através dos turistas estrangeiros que se apinhavam nos hotéis da Avenida Oceânica. O público-alvo era a high society baiana, artistas e intelectuais, que mergulharam de nariz e cabeça no pó branco.Atento aos movimentos da classe A da cidade, um homem resolveu lucrar em cima dos usuários de coca, que não paravam de crescer.

‘ZEQUINHA DO PÓ’ Milton Morais de Almeida Lima, o “Zequinha do Pó”, atleta de remo e professor de natação, já experiente no ramo depois de uma estadia no Rio de Janeiro, foi o antecessor de“Ravengar” na linha do tempo do tráfico soteropolitano. O quartel-general e central de distribuição da droga era o restaurante Vermelho e Preto, situado na Avenida Sabino Silva, no coração de Ondina.

“Muita gente chegava, sentava e pedia uma água. Era a senha. O engraçado é que praticamente ninguém ia lá para comer. Os pratos ficavam lá, mofando. Era só pó”, conta, entre risadas, uma produtora de moda e assídua cliente de Zequinha, que por motivos mais que óbvios pediu para não ter o nome citado.

“Zequinha só se metia com a alta roda. Na verdade, só cheirava cocaína quem tinha dinheiro. E não havia um alto grau de violência relacionado ao tráfico nessa época”,explica o jornalista Erival Guimarães, veterano repórter policial, hoje assessor de imprensa da Secretaria de Segurança Pública (SSP).

Durante a meia década em que comandou a venda de drogas na cidade, Zequinha contou com o suporte de grande parte da Polícia Civil baiana. “Cansei de ver jantares só para delegados e policiais, que iam lá‘receber’em produto ou em envelopes de dinheiro”, relembra a produtora de moda.

A ligação estreita do traficante com os homens de distintivo era tanta que, para capturá-lo, a Polícia Federal teve que entrar no jogo. Em 1989, o então maior traficante da Bahia foi preso. Hoje, vive praticamente na miséria, em uma casa em Piatã.

'NOVO ‘BARÃO’ Com a queda de Zequinha, começa a trajetória ascendente de Raimundão no mundo da droga. Apontador do jogo do bicho, taxista e traficante de maconha desde que morava no Pelourinho, ele já era acostumado também a fazer aviões de coca em seu táxi. Com a prisão do “barão da coca”, enxergou uma oportunidade de ouro.

No início dos anos 90, devido ao seu grau de intimidade com a clientela, Ravengar já havia montado um esquema de venda de cocaína no varejo tão grande a ponto de deslocar o eixo do comércio do pó da Barra para o Campo do Águia, em São Gonçalo do Retiro.

“Para que ele se mantivesse sem problemas no tráfico, havia muita complacência da Justiça e de policiais. Nós o prendíamos, mas ele acabava solto. Nas batidas, sempre escapava, na certa, já avisado”, lembra Itamir Casal, ex-delegado de Tóxicos e Entorpecentes nos anos 90. “Com sua prisão, a lacuna foi aberta”, diz. E o controle, perdido.

Tráfico ficou pulverizado pela cidadeEx-diretor do Departamento de Tóxicos e Entorpecentes (atual Departamento de Narcóticos), o delegado Edmilson Nunes encabeçou a força-tarefa que culminou com a terceira e última prisão de Ravengar, depois de mais de um mês de sucessivas batidas no Campo do Águia, onde se situava a fortaleza do narcotraficante.

“O tráfico na época dele era centralizado, e a violência, velada. Para Raimundão, que tinha mais maturidade, pouca confusão era melhor para os negócios. Havia crimes e mortes sim, mas em menor grau”, afirma.

Polícia estoura fortaleza de Ravengar, no Campo do Águia, em 2004

Nunes foi responsável pelo levantamento que identificou o organograma da quadrilha comandada por Ravengar. Ao refletir sobre a escalada de violência e terror vista hoje em Salvador, o atual superintendente de Telecomunicações da Secretaria de Segurança evita fazer comparações com o período em que era responsável pelo combate ao tráfico. Mas admite que a queda de Raimundão abriu espaço para que o comércio de drogas se pulverizasse.

Várias quadrilhas se apropriaram das lacunas e passaram a disputar os pontos-de-venda de drogas. “Antes, na época de Zequinha, existia um certo romantismo. Ele e, em menor escala, Raimundão não eram exatamente violentos, como a garotada de hoje”, assinala Nunes.

Outro agravante, explica, foi a proliferação do crack. “Quando fui delegado da DTE, o crack era centralizado no Centro Histórico. Agora, tomou conta da Bahia”, diz o delegado Itamir Casal, que ficou no cargo até o fim da década de 90. É da “pedra”, do subproduto da cocaína, que saiu o financiamento do bando de jovens traficantes que aterrorizam a cidade.