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Vinicius Nascimento
Publicado em 2 de setembro de 2020 às 06:00
- Atualizado há 2 anos
Dados da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), da Fecomércio-BA mostram que a taxa de famílias endividadas na Bahia atingiu 66,3% em agosto, maior percentual desde março de 2015. No mês anterior, a taxa registrada foi de 65,6%. Em termos absolutos, mais 6,8 mil famílias entraram no rol de endividadas, para um total atual de 615 mil famílias com algum tipo de dívida.>
Hoje desempregada, Évelin Oliveira está nesse rol de pessoas. Só que além de endividada, a jovem de 21 anos também está inadimplente - aquelas pessoas que têm a dívida mas não conseguem honrar o compromisso. De acordo com a Fecomércio, a taxa dos que dizem que não pagarão a dívida em atraso ficou praticamente estável, de 13,6% em julho para os 13,3% em agosto. Contudo, o percentual é pouco mais do que o triplo visto no mesmo mês do ano passado.>
Consultor econômico da Fecomércio-BA, Guilherme Dietze diz que esses números indicam um quadro de dificuldade em equilibrar o orçamento doméstico diante da alta do desemprego e perda de renda.>
Évelin passou por essa situação. Sua dívida nasceu quando terminou o Ensino Médio em Alagoinhas e retornou para Salvador. De volta à capital, começou a trabalhar com telemarketing e além de ajudar nas contas de casa começou a comprar o material para realizar um sonho: reformar o seu quarto.>
Sem condições de fazer todo o investimento à vista, recorreu ao cartão de crédito e foi assim que nasceu a sua inadimplência - que hoje gira em torno de R$3 mil e foi crescendo principalmente após ela perder o seu emprego.>
Segundo Dietze, o cartão de crédito é o tipo de dívida mais recorrente na capital baiana: 9 de cada 10 soteropolitanos precisam pagar fatura do cartão. >
"O crédito pessoal vem na segunda posição, mas com um percentual bem mais adequado, 7,3%. São dois tipos de crédito diferentes. O cartão como forma de consumo do dia a dia e o crédito pessoal, no qual o consumidor precisa solicitar ao seu banco e, normalmente, são usados para pagamento de dívidas em atraso”, diz.>
Ao CORREIO, Dietze apontou que é importante separar inadimplência e endividamento: endividamento só vira inadimplência se o consumidor não pagar o compromisso até a data do vencimento.>
Fazer essa separação é importante para entender o seguinte: o aumento do endividamento por si só não é algo negativo.>
"A situação fica crítica quando as famílias não conseguem quitar esses compromissos. É exatamente o atual cenário, com aumento da inadimplência pelo 9º mês consecutivo, atingindo 30,8% em agosto, maior percentual desde março de 2013", disse Guilherme Dietze.>
Educador financeiro há 26 anos, Mário Santana afirma que esse endividamento não é algo pontual por já ter um crescimento contínuo há 9 meses seguidos. O especialista aponta que esse acontecimento tende a ter mais ligação com a necessidade de comprar produtos e serviços essenciais.>
"O cartão de crédito dá um acesso fácil ao crédito e em uma situação de restrição as pessoas tendem a apelar para essa alternativa para manter as coisas minimamente em ordem. Só que é algo muito imediatista e que pode ter impactos futuros, como a inadimplência", explica.Desemprego A inadimplência das famílias com renda de até 10 salários mínimos atingiu os 34,7%, enquanto a taxa para os que ganham acima de 10 salários mínimos foi de 3,5%. Em 2019 a taxa era igual para os que recebem mais, porém para as famílias com renda mais baixa o percentual era de 15%.>
O desemprego foi o motivo para Maria Clara Fernandes, 36, utilizar mais o cartão de crédito. Ela perdeu a sua vaga como representante comercial em junho e demorou para receber o valor da rescisão no acordo que fez com sua antiga empresa.>
Por esse motivo, passou a usar aquele que sempre enxergou como vilão. "Eu vejo gente aqui em casa numa loucura usando e eu sempre evitei porque sou gastadeira e já tive problemas com o cartão de crédito quando era mais nova", disse. No entanto, as coisas apertaram dentro de casa e ela se controlou ao máximo para gastar somente o necessário.>
Embora o dado de julho tenha mostrado um saldo positivo entre admitidos e demitidos, na Bahia, de +3,2 mil empregos formais, o acumulado desde março é de -70 mil, segundo aponta o CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), do Ministério da Economia.>
Especificamente em Salvador, houve fechamento de 25 mil vagas formais entre março e julho, mas o desempenho vem sendo cada vez menos negativo ao longo dos últimos meses com o último dado de julho com saldo de -115 empregos com carteira assinada.>
"Eu tinha um valor para receber, mas sei que isso não será para sempre e também não tenho perspectiva de encontrar emprego tão cedo. Por isso, controlo os gastos com mão de ferro para não sujar a única coisa que tenho de valor que é o meu nome", disse Maria Clara.>
Dicas Mário Santana aponta que o cartão de crédito não precisa ser visto como vilão, mas precisa ser utilizado de maneira planejada e consciente para evitar dores de cabeça. É sempre bom lembrar que a inadimplência traz consigo situações desagradáveis como dificuldade para conseguir financiamentos e pessoas te ligando todo santo dia para fazer as devidas cobranças.>
No entanto, Santana explica que o uso do crédito é "positivo e muitas vezes necessário" em algumas situações. Para evitar a inadimplência, o educador financeiro aconselha que as pessoas analisem e tomem costume de registrar num caderninho ou numa planilha todos os gastos.>
Utilizar apenas um cartão de crédito é outra dica que o especialista oferece. Dessa forma fica mais fácil de não se empolgar e, mais do que isso, não se perder com os gastos.>
Por fim, ele dá a dica de colocar como limite do cartão o valor máximo 50% de toda a sua renda líquida.>
Impacto do auxílio Pelos números do Ministério da Economia, foram 5,7 milhões de beneficiários do auxílio emergencial no estado da Bahia, o que equivale a 41% da população, e com um total destinado até julho de R$ 10,7 bilhões.>
“É natural pensar que a prioridade das famílias de renda mais baixa seja na manutenção do consumo básico. Porém, o aumento expressivo da inadimplência deve gerar uma limitação para o ritmo de retomada da economia. Sem capacidade de consumo, através do emprego, e com dívidas atrasadas a serem pagas, precisará de um tempo a mais para equalizar essas contas, depois criar espaço para consumo de bens não essenciais e, sobretudo, com potencial utilização de crédito”, revela Guilherme Dietze.>
Ainda segundo o economista, não há previsão de melhora de cenário econômico se não houver investimentos para geração de emprego e renda. Ele avalia que o que tem contribuído para não negativar mais ainda o quadro são as ajudas financeiras concedidas pelos governos. Mas o economista alerta que estas medidas têm fôlego curto diante dos problemas fiscais dos três níveis de governo (federal, estadual e municipal).>