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Da Redação
Publicado em 3 de agosto de 2017 às 23:49
- Atualizado há 2 anos
Começou com um burburinho. Logo, os rumores de que estudantes egressos do Bacharelado Interdisciplinar (BI) de Humanidades da Universidade Federal da Bahia (Ufba) tinham burlado o sistema de cotas para ingressar no curso de Direito ficaram ainda mais fortes. Até que, no fim de maio, uma denúncia anônima levou sete casos à reitoria da instituição. >
A denúncia em Direito foi o ponto de partida para mostrar um universo de possíveis fraudes ainda maior: hoje, a suspeita é de que pelo menos 25 estudantes estejam ocupando vagas que não deveriam ser suas. Por isso, no dia 18 de julho, o Ministério Público Federal (MPF) notificou a Ufba sobre o caso. >
Os ofícios chegaram à instituição nesta terça-feira (1º), de acordo com a Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Assistência Estudantil (Proae) da universidade. Agora, a instituição tem 20 dias para se pronunciar sobre a notificação, de acordo com a assessoria do MPF.>
Na mesma terça-feira, cerca de 20 estudantes, professores e técnicos administrativos se reuniram na Biblioteca Central, no campus de Ondina, para avaliar o andamento das respostas da Ufba diante da denúncia. Era a terceira reunião aberta do chamado Comitê Contra as Fraudes nas Cotas Raciais da Ufba, instituído justamente em maio, após as denúncias de Direito. >
“São estudantes que estão ao nosso lado na sala de aula e vemos isso com uma sensação de impunidade muito grande. A polícia sabe muito bem quem são os negros. Nós sabemos quem são os negros. Mas a universidade precisa estabelecer uma verificação em todo o processo de entrada de forma imediata. Se a Ufba for tomar uma posição, tem que ser agora”, afirmou o estudante Alex Vasques, 28 anos, estudante do curso de Direito e integrante do comitê, durante a reunião. >
Identificação A Ufba tem cotas desde 2005. Do total de vagas, 50% são reservadas aos cotistas. Elas são divididas igualmente entre candidatos de escola pública com renda per capita maior que 1,5 salário mínimo e os com renda menor; e candidatos de escola pública com renda per capita maior que 1,5 salário mínimo ou com renda menor que sejam pretos ou pardos. >
Só que as cotas não ficam restritas ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que usa o Exame Nacional do Ensino Médio (Sisu). Quando os estudantes concluem o BI, eles podem concorrer, internamente, a vagas nos chamados Cursos de Progressão Linear (que é o caso de Direito), na Ufba. Só que mesmo nessa seleção, há cotas – que devem ser as mesmas que o estudante apontou ao ingressar pelo Sisu. >
Foi bem nessa etapa que surgiram as primeiras suspeitas. Em maio, logo após receber a denúncia dos sete casos de fraude na Faculdade de Direito, a Ufba convocou uma reunião que contou com a presença de pró-reitores e até mesmo do reitor João Carlos Salles. Na ocasião, a instituição informou que, para dar prosseguimento à denúncia e instaurar um inquérito, era necessário que os denunciantes saíssem do anonimato. Mas se isso é amplamente criticado pelo comitê, a pró-reitora de Ações Afirmativas e Assistência Estudantil, Cássia Maciel, explica que foi uma recomendação da Procuradoria Federal da Ufba. >
A resposta da Ufba foi uma deixa para que o comitê catalogasse 25 possíveis casos de fraude na autodeclaração racial na instituição. Segundo eles, além de Direito, a maioria é justamente dos cursos com as maiores concorrências – tidos como os mais difíceis de ingresso: Medicina, Psicologia e as Engenharias. >
“Nós ficamos sabendo dos casos de Direito, porque as pessoas começaram a ver estudantes que são brancos, mas entraram com a cota racial. Mas depois fomos vendo a entrada pelo Sisu com a lista pública de aprovados. Fomos averiguando com estudantes desses cursos e até vasculhando redes sociais”, explicou Alex. A denúncia foi protocolada no MPF no dia 22 de junho. >
Leia também: Oito alunos são expulsos da Uesb por fraude em cota quilombola>
De acordo com a estudante de Direito Maria Hortência Pinheiro, 25, as fraudes que estão sendo investigadas teriam prejudicado até mesmo a continuidade de bolsas estudantis. “Tinha gente que passou para o segundo semestre e teve a bolsa descontinuada (durante o primeiro semestre). Essa experiência em Direito mostra que estamos por nossa conta. Nós temos o direito de estar indignados e de exigir uma resposta da direção”. >
Integrante do Núcleo de Estudantes Indígenas da Ufba, o estudante de Direito Taquari Pataxó, 33, explicou que, no caso das cotas para indígenas, a fraude não é tão comum quanto nas vagas reservadas para negros. Há duas vagas em cada curso para quilombolas e indígenas aldeados. >
“Se estiver ocorrendo, a fraude é menor justamente pela aferição do núcleo. Nós olhamos todos os aprovados, um por um, qual é a aldeia, qual é a etnia. Mesmo assim nós somos distanciados do espaço público e o estado e a sociedade nos ignoram”. >
Combate à fraude No início do mês passado, a Ufba anunciou a criação de uma comissão de trabalho para ‘o aperfeiçoamento de mecanismos de prevenção de fraudes no sistema de cotas’. Em nota, a instituição afirmou que possíveis fraudes no sistema deveriam ser ‘firmemente combatidas’. >
De acordo com a pró-reitora Cássia Maciel, que também é a presidente da comissão, o grupo de trabalho deve contar com representantes de diferentes instâncias da comunidade universitária – e a resposta ao MPF deve seguir por esse caminho. A partir dessas discussões, ela explica que a comissão deve decidir como promover a verificação da autodeclaração sem cometer nenhum erro ou injustiça.>
“Nosso objetivo nesse momento é não ser afoito nessa solução e, de repente, cometer tantos erros quanto os que estão ocorrendo. O que posso dizer é que estamos observando, agindo e vamos implementar mecanismos de combate à fraude e queremos conduzir isso com debate”, diz, embora ainda não exista prazo para definir esses mecanismos. >
No entanto, o concurso para técnicos-administrativos da Ufba, cujas inscrições começam nos próximos dias, deverá servir como parâmetro para o que será implementado na seleção dos estudantes. No concurso, existirá um mecanismo de verificação, mas a pró-reitora preferiu não antecipar qual será a metodologia utilizada. >
“Vamos agora responder ao MPF e a ideia é trabalhar o mais rápido possível. Há todo um trabalho educativo prévio da importância da autodeclaração. Quem é negro no Brasil? Claro que não vamos precisar fazer grandes debates teóricos, mas precisamos conversar com a comunidade sobre isso. Vamos combater as fraudes, sim, verificar, sim. Mas não podemos criar algo que fragilize a política (de cotas)”. >
A procuradora responsável, cujo nome não foi divulgado pela assessoria do MPF, não foi localizada pela reportagem. O diretor da Faculdade de Direito da Ufba, o professor Celso Castro, também foi procurado pelo CORREIO, mas não respondeu aos contatos. >