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Dialeto das rimas e do duplo sentido muda até nomes de ruas e bairros

Risco da rima tem mudado os nomes de lugares, ruas e até de pratos da nossa culinária

  • D
  • Da Redação

Publicado em 29 de setembro de 2013 às 09:21

 - Atualizado há 2 anos

Alexandre [email protected] Ô, irmão, onde é o Pau Miúdo aqui?   - Rapaz, dobrando ali à direita você dá no Pau Miúdo... Assim, com essa violência, fomos recebidos no bairro de nome mais sugestivo de Salvador. O sujeito, um tipo cafajeste que se encontra em qualquer esquina desta cidade, ainda emendou:- Eu moro lá. Vá de carro que eu vou atrás de você...    Não tem errada. Somos a capital, digo, capit(ivis), do trocadilho sacana e bem colocado (lá ele). Seja em forma de rimas, chistes ou expressões de duplo sentido, a resenha rola solta em qualquer lugar, a qualquer hora, dos restaurantes finos na Marina aos botecos da Baixa da Égua, onde, dizem, só se chega depois de segurar “a do jegue” (lá eeeele). Não importa sua classe social, cor, religião ou nível de escolaridade. Quando você menos espera, acaba caindo em uma (lá ela). E a forma mais fácil de ser pego desprevenido é através das rimas. Ultimamente, o grau de perversão “pornofônica” — como coloca (lá nele) o antropólogo Roberto Albergaria — tem atingido patamares antes impenetráveis (opa). O risco da rima tem mudado os nomes de lugares, ruas e até de pratos da nossa culinária. Há situações em que a galera toma cuidado na hora de falar o nome do próprio bairro em que mora. Na terra do Estádio de Pitua(ço), fica complicado morar na Baixa do Manu, no Alto do Andu ou do Peru, e até na tradicional Ladeira do Curuzu. “Se até o jogador do Bahia é Fredy Ad(ivis), nosso bairro é Curuz(ivis), né?”, diz Alex de Jesus, 33 anos, morador da rua onde fica a sede do  Ilê Aiyê.Cabeleireiro em uma barbearia, Alex é alvo constante da linguagem cheia de libido da rapaziada. “Hoje mesmo um sacana me perguntou: ‘Alex, amanhã você abre que horas?’. ‘Eu não abro nada’, respondi. ‘Amanhã a barbearia abre 9h’”, disse Alex. “Se deixar a galera bota em você com força, amigo”, avisa.No caso do Beiru, ou Ber(ivis), o povo se apega à história. Inicialmente, o bairro era conhecido como Beiru mesmo. Depois, passou a se chamar Tancredo Neves. Recentemente, uma lei municipal trouxe de volta o antigo nome, homenagem ao escravo Gbeiru, que fundou um quilombo por aquelas bandas. Mas, para além das discussões raciais, tem um pessoal que desenvolveu uma antipatia linguística à velha alcunha.  “Beiru o que, rapaz? Aqui é ‘Tranquedo’”, ensina o mototaxista Wagner Bahia, 31, que, talvez por ganhar a vida montado na lambreta, tem medo de rima. Já o motorista de ônibus Domingos Santos, que dirige na linha Beiru/Lapa, já traz a rima no letreiro do veículo. “Rapaz, a rima é pesada. Meu carro vai é para o Beir(ivis)”, avisa.Recentemente, o apresentador de TV Raimundo Varela indagou um entrevistado sobre o bairro em que ele morava. “Você mora no Beiru, né?”. “Não, em Tancredo Neves”, respondeu. “Então, Tancredo Neves é Beiru, né?”, insistiu Varela. “É, mas eu só falo Tancredo porque se disser Beiri(vis) me complico”, encerrou o rapaz.O Alto do Andu, na margem da Avenida Paralela, também tem o nome expressado com cuidado. Certa feita, o cantor carioca Pica-Pau, da banda Rapazzola, foi devidamente alertado quanto ao local de sua estreia como novo vocalista do grupo. Em plena entrevista na TV, largou: “Vai ser lá no Alto do And(ivis)”, escorregou Pica-Pau, esquecendo que, com o nome artístico que escolheu, deveria procurar outro lugar para ser cantor. A rima cheia de segundas intenções já invade a gastronomia. Aqui, caruru virou caru(réu), o que já demonstra a variação na forma de escapulir da rima. Por vezes, o “ivis” é substituído pelo “réu” ou “révis”. Semana passada, dois jornalistas fritavam no sol do Porto da Barra quando resolveram comer acarajé. O vendedor, magrinho sem camisa com o celular entre o boné e a orelha largou: “Com ou sem caru(réu), freguês?”.  De uns tempos para cá, uma foto de autor desconhecido está chamando a atenção na internet: uma máquina de sucos de uma lanchonete traz a seguinte inscrição abaixo do suco de umbu. “Umbivis”. É a prova de que a brincadeira está institucionalizada. Deixou de ser exclusividade de churrascos. Acontece na repartição pública, no caixa do banco. Dia desses, fato real, um agente de polícia telefonou para um delegado com a notícia de que havia encontrado um carro roubado. “Doutor, achei o Celta de placa tal e ano tal”. O delegado indagou. “Ah, é? E qual a cor?”. “É az(ivis), delegado”.         Então, todo cuidado é pouco. Ainda que você seja um especialista em trocadilhos e que esteja sempre com o radar da sacanagem ligado; ainda que você seja um Jaguaracy Batista, o Rick, o campeão do duplo sentido na redação do CORREIO, um dia você leva uma bola nas costas. “Rick, você que trabalha com fotografia, bate aqui uma pra mim?”.Do Pau Miúdo à Curva GrandeNão basta ter um povo pornograficamente criativo. Tem que colocar nomes sugestivos nos lugares. Quem não conhece a história que envolve o Pau Miúdo, bairro periférico de Salvador; e a Curva Grande, uma rua curvada que liga a Avenida Centenário ao Garcia? Uma fronteira de sacanice os separa. “Mulher da Curva Grande não casa com homem do Pau Miúdo”, repetem os moradores das duas localidades. A Mata Escura, bairro da periferia, também tem seu lugar nas mentes sujas. Assim como a rua do Curralinho, na Boca do Rio. “Mulher boa é a que mora na Mata Escura e trabalha no Curralinho”, garante o garçom Roberto Alves, 42 anos, transpirando prazer pelo sorriso sem dentes. Mas há muito mais. No Cabula VI, tem a Praça do Pau Mole, local preferido dos aposentados que gostam de um carteado. Conta-se que uma jovem bem apessoada e curvilínea atravessou a praça e ouviu gracejos dos coroas. “Nessa praça só tem pau mole!”, esbravejou a moça. O nome pegou. “Até outro dia, tinha até placa no muro”, diz o aposentado Edmundo Barreto, 61, que adora um buraco. Em Salvador, também tem a Ladeira do Quebra Bunda e a Rua do Pau da Bandeira. Na Região Metropolitana não faltam lugares que alimentam a criatividade. Que tal visitar a localidade do Corre Nu, em Camaçari, ou o Pau da Rola, em Simões Filho? Lá ele.Se for esparro, manda meter lá nele, rapaz!O velho “você pinta como eu pinto?” é fichinha perto do que se ouve pelas ruas de Salvador. O imenso repertório de frases com duplo sentido inspira verdadeiros duelos. Na mesa do bar, por exemplo, antes de servir cerveja ao colega, é mais do que comum ouvir-se. “Bota tudo ou só a metade?”. As pulhas se multiplicaram tanto que viraram livro. Lá Ele (o esparro na Bahia), de João Jorge Amado, compila 334 “esparros”. “Você tá comendo demais. Tudo o que vê pica na boca”; “Se eu cozinho, todo mundo come”; “Eu saí da cadeira e você sentou na minha levantada”, são alguns exemplos. É aí que se explica a utilidade da expressão “Lá Ele”, usada para afastar o esparro e mandá-lo para “ele”. “Esta relação não esgota a matéria. Muitos nem chegaram ao meu conhecimento”, observa João Jorge, que finaliza seu texto “lascando” o leitor. “Só posso desejar ao leitor que o cavalo de São Jorge lhe cubra de graças”. Lá ele!