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Jorge Gauthier
Publicado em 15 de maio de 2019 às 06:32
- Atualizado há 2 anos
Para os meninos de rua ela era a salvação para aplacar a fome. Para os doentes era a certeza do cuidado sem preconceito. Para os poderosos era a chance de fazer algo de bom através de seus pedidos de doações. Nascida em Salvador, a menina Maria Rita Lopes Pontes tornou-se Irmã Dulce e sempre foi santa para quem esteve ao seu lado. >
Quando morreu, em 13 de março de 1992, eu ainda estava na minha primeira infância. Mas basta seu nome ser proferido por quem teve a oportunidade de conviver com ela que os olhos lacrimejam numa terna alegria, misturada com relatos dos momentos de ensinamentos e compaixão.>
Dulce intimidou poderosos para conseguir seguir no seu propósito de amar e servir. A oficialização de Dulce como santa da Igreja Católica - 27 anos após sua morte - faz justiça à vida da religiosa que foi dedicada a amar o próximo tal qual como está dito no primeiro mandamento da igreja de amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. >
Ela foi amor por onde passou mesmo quando era maltratada quando ia atrás de donativos. Certa vez, Irmã Dulce pediu dinheiro a um comerciante que cuspiu em uma de suas mãos, se negando a fazer doações. Ela estendeu a outra mão dizendo que o cuspe era para ela e que, na outra mão, ele poderia colocar a contribuição para os doentes. >
Sua persistência em ajudar e fazer o bem suplantava os limites impostos pela sociedade dos anos 1930, quando se tornou noviça e começou seu trabalho social em Salvador. >
Nesse período, encontrou com um menino, um jornaleiro, que começou a fazer a mudança de sua vida. O menino ardia em febre, perambulava com uma esteira embaixo do braço tentando algum local para dormir no bairro de Itapagipe. Na Rua Lelis Piedade, o pequeno jornaleiro encontrou sua salvadora.>
Movida pela compaixão diante do sofrimento, Irmã Dulce tomou o menino pela mão e saiu pela Ilha dos Ratos em busca de um abrigo para o pequeno jornaleiro. Ao avistar uma casa, pediu ajuda a um banhista ordenando que ele arrombasse a porta, mesmo sendo avisada que o imóvel – apesar de fechado – tinha proprietário. Invadiu, acomodou o menino, deu alimento a ele e retornou ao seu trabalho no posto médico.>
No dia seguinte, quando voltou para ver o menino, a casa não estava habitada apenas por ele. A fama do local já havia se espalhado. Uma velhinha, que sofria com o câncer, foi a segunda acomodada por Irmã Dulce. No total, ela invadiu cinco casas na Ilha dos Ratos para abrigar seus doentes. >
Após o pedido do dono dos imóveis, deixou as casas e levou seus enfermos para os arcos do viaduto que levavam à Igreja do Bonfim. Relatos de moradores da época indicam que Irmã Dulce comprou briga com muitos comerciantes e gente poderosa por conta dessa atitude.>
Passou a ser perseguida e decidiu invadir o galinheiro que ficava nos fundos do convento, no Largo de Roma, para abrigar os doentes. Retirou as galinhas e dividiu o espaço para abrigar os seus pacientes. O “hospital-galinheiro” tornou-se o embrião do que hoje são as Obras Sociais Irmã Dulce, o maior espaço de atendimento público de saúde no Brasil. >
O galinheiro foi o pilar da santidade de Dulce que, agora, ganhará mais amplitude de devoção pelo mundo. O exemplo e as virtudes do Anjo Bom da Bahia irão ecoar pelas igrejas para além do Brasil fazendo valer outro lema de Dulce. Ela sempre estará presente. >
*Jorge Gauthier é jornalista e autor do livro Irmã Dulce: os milagres pela fé >