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Tailane Muniz
Publicado em 23 de agosto de 2019 às 18:36
- Atualizado há 2 anos
O tempo que um delegado leva até concluir uma investigação é previsto em lei e pode ser prorrogado, a depender do caso. Hoje, o regimento interno da Polícia Civil determina que uma eventual demora no desenrolar do inquérito policial é passível de punição. No entanto, isso pode se agravar e passar a ser considerado crime, caso o Projeto de Lei (PL) 7596/17, ou lei de abuso de autoridade, já aprovado na Câmara dos Deputados, seja sancionado pelo Presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL). >
De autoria do ex-senador Roberto Requião, o texto do PL foi escrito em 2017 e, só na última quarta-feira (14), aprovado pela Câmara. A decisão dos parlamentares, de acordo com magistrados estaduais, federais e do trabalho, que atuam na Bahia, "enfraquece a justiça" e coloca a "autonomia dos cargos em risco". Para os juízes, promotores e delegados que se reuniram na sede do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), em Salvador, na manhã desta sexta-feira (23), o PL "fortalece a criminalidade organizada".>
Em simples resumo, a redação da lei determina o que seriam os tais excessos, ou crimes, cometidos por agentes públicos no exercício de suas atividades e funções.>
A interpretação do conteúdo, de acordo com o presidente da Associação do Ministério Público do Estado da Bahia (Ampeb), Adriano Assis, utiliza termos "tecnicamente inadequados", por exemplo, quando se refere à modificação na legislação no que diz respeito aos crimes e às penas. >
"Todo mundo sabe, por exemplo, que um homicídio é quando alguém mata alguém. Dizer que é um crime 'decretar prisão em manifesta desconformidade com as hipóteses legais' não diz nada. São termos sujeitos à interpretação, esse é um dos pontos. O PL diz que é crime atrasar a investigação policial, algo já passível de punição interna", critica Adriano, ao citar determinações específicas do PL. >
Para o promotor, o fato do projeto ter sido apreciado dois anos após a data original indica uma estratégia "para cessar as investigações que combatem o colarinho branco", além do crime organizado, a exemplo de grandes organizações criminosas.>
"Esse é o primeiro ponto. O segundo é que tipos penais de interpretação aberta impedem que nós exerçamos o nosso trabalho. É uma ameaça à independência do Poder Judiciário, das polícias, especialmente a Federal", destaca o promotor.>
'Medo de julgar' Além da independência do Judiciário, caso entre em vigor, a lei do abuso de autoridade implicará em um cenário de "insegurança na execução dos trabalhos" e "criminalização da atividade judicial", argumenta o presidente da Associação dos Juízes Federais da Bahia (Ajufba), Saulo Casali Bahia."Não somos contra o combate dos abusos, mas o PL coloca em risco a estabilidade dos cargos. O juiz vai ter medo de agir e de julgar", destaca.Saulo comentou ainda a possibilidade do texto sofrer vetos parciais ou totais pela Presidência da República. "As condutas abusivas já são avaliadas pelos órgãos disciplinares internos", reforça.>
Delegado substituto da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Fernando Túlio da Silva disse que o crime organizado pode ganhar espaço em um cenário em que "o trabalho contra grupos de criminosos vai passar a ser punido como se fossem crimes". "Vão começar a punir quem investigou esses casos. A gravidade desse projeto é alarmante e a nossa intenção é comunicar à sociedade. Os excessos são eventuais, nós sabemos disso, já existem legislações para punir tais eventos", argumenta Túlio.A linha de raciocínio é a mesma da presidente da Associação dos Magistrados da Bahia (Amab), Élbia Araújo, que também acredita que o projeto coloca em risco a independência do Judiciário, "pois ataca as prerrogativas da magistratura, inclusive criminalizando a atividade judicial, com dispositivos que abrem a possibilidade de punição ao juiz. Além disso, atingem diretamente e fragilizam as ações de combate à corrupção”.>
A reunião, que classificou como um ato em repúdio ao PL reuniu também membros da Associação dos Juízes federais do Brasil - Seccional Bahia (Ajufe), Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 5ª Região (Amatra5), Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) e Associação dos Delegados de Polícia Federal (ADPF).>
Repúdio Na manhã desta quinta-feira (22), durante a abertura do IV Simpósio Nacional de Combate à Corrupção da ADPF, em Salvador, os presidentes das entidades apresentaram nota conjunta em repúdio ao projeto de lei. O documento foi lido no evento pelo presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Edvandir Felix de Paiva.>
Leia na íntegra:>
"1. A Magistratura, o Ministério Público e a Polícia Federal reconhecem a legitimidade constitucional do Poder Legislativo na alteração da ordem jurídica nacional; >
2. As carreiras que ora se manifestam, por exercerem papel fundamental na promoção e preservação do Estado de Direito, são contrárias à prática de abuso de autoridade por quaisquer autoridades de nosso país; >
3. No entanto, nos termos em que aprovado o PL 7596/2017, poderão ser consideradas abuso de autoridade e, portanto, crime, diversas ações cometidas por membros do Ministério Público, do Poder Judiciário, das polícias, bem como de outros agentes públicos que realizam o combate à criminalidade organizada e à corrupção e atuam na busca da efetivação de políticas públicas e direitos sociais diversos; >
4. A redação aprovada prevê tipos penais genéricos, não definidos com precisão, que geram insegurança na atuação da polícia, do Ministério Público e dos Juízes, dando margem a interpretações que podem ser utilizadas em restrição ao exercício das atuações funcionais dos integrantes das instituições afetadas pela redação do texto, além de resultar em prejuízos à sociedade; >
5. As condutas desses agentes públicos são avaliadas, quando pertinente, pelos órgãos disciplinares internos (Corregedorias) e, quando há, externos (Conselhos Nacionais), sem prejuízo de outras formas de responsabilização a que estão sujeitos com base na legislação vigente no país, inclusive a atual Lei de Abuso de Autoridade; >
6. Não obstante esse conjunto de normas e instituições voltadas à repressão do abuso de autoridade, deu-se a aprovação, com uma rapidez incomum, do texto do PL 7596/2017, colocando sob grave risco de violação a autonomia e a independência dessas instituições, texto este que pode vir a servir de instrumento de perseguição e criminalização do trabalho de Magistrados, dos policiais e membros do Ministério Público de todo o país; >
7. A AMAB, a AJUFBA, a AJUFE (DELEGACIA SECCIONAL DA BAHIA), a AMATRA5, a AMPEB, a ANPR, a ANPT – PRT – 5ª REGIÃO e a ADPF esperam que o PL 7596/2017 seja vetado pelo Presidente da República, de modo a assegurar a atuação das instituições que lutam contra a criminalidade organizada e a corrupção". >