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Bruno Wendel
Publicado em 18 de maio de 2015 às 10:48
- Atualizado há 2 anos
As marcas da violência vão além dos olhos assustados e desconfiados dos moradores de Águas Claras. Estão nas residências pichadas e perfuradas de balas e nas cicatrizes deixadas em inocentes, vítimas de balas perdidas da guerra entre as duas organizações criminosas no bairro. Desde dezembro, a região virou uma praça de guerra, onde os traficantes das facções Caveira e Katiara buscam o controle total do comércio de drogas, não poupando ninguém e desafiando a própria polícia, que, segundo moradores, não entra em algumas localidades.João* (nome fictício) está há 20 dias afastado do trabalho. Funcionário de uma empresa gráfica, foi baleado na perna direita a caminho do ponto de ônibus, na Rua Presidente Médici, por volta das 20h. “Não vi quem atirou. Caí na hora e ouvi mais tiros e um carro passou com algumas pessoas dentro. Não sei quantas, mas o tiro que me atingiu partiu do carro”, contou ele, que ficou 18 dias internado no Hospital do Subúrbio. Segundo ele, os ocupantes do carro eram da facção Caveira e estavam atrás de dois rapazes que caminhavam perto dele. “Já disseram aqui que não querem nem saber de crianças e idosos. Falaram que eles podem até ir, mas levam um bocado”, disse Marta*, vizinha de João. Por causa do tiro, ele passou por uma cirurgia na perna para a colocar duas placas de aço. “O osso espatifou com o tiro. Os médicos colocaram duas placas de aço para ajudar na reconstrução”, conta a mulher de João.Inocentes Segundo moradores, há 15 dias, quatro pessoas foram baleadas no final de linha velho. “Elas conversavam. Eram todas da mesma família. Aí dois homens numa moto se aproximaram e o carona disparou”, disse Marcos*, dono de um mercadinho. Segundo ele, os disparos foram por volta das 16h e o local estava movimentado. A motivação para o crime ele disse não saber ao certo. “Acho que um dos baleados foi confundido com um rival, pois todos os feridos eram trabalhadores, conhecidos no bairro. Eles apenas estavam jogando dominó. Dizem que quem fez isso foi o pessoal da Katiara”, contou Marcos. Segundo ele, as vítimas sobreviveram, mas não residem mais no bairro.Seu Carlos*, 85, não dorme bem há uma semana. Isso porque acorda sempre assustado com qualquer barulho. E não é para menos. O idoso tinha acabado de sair de um banho quando foi agarrado por um rapaz ensanguentado na sala de sua casa, na Rua Presidente Médici, a principal do bairro. “Ele estava bastante assustado e queria fugir de qualquer maneira. Daí, ele se trancou no banheiro e só saiu bem depois, quando os parentes vieram socorrê-lo”, recordou. Conforme o idoso, o rapaz ferido fugia de uma dupla que queria matá-lo. A casa de Seu Carlos estava em construção e uma das portas estava entreaberta, o que facilitou a entrada do estranho. O imóvel apresenta quatro perfurações.No início da Presidente Médici, conhecida popularmente como Rua de Brito, nas portas de um depósito e de um salão de beleza há também marcas da violência: cada estabelecimento tem um buraco de bala. Os disparos foram feitos contra um jovem que foi surpreendido quando chegava na casa da mãe. >
“As pessoas que atiraram estavam em bicicletas. Foi um terror. O rapaz está internado no hospital até hoje”, disse Margarida*, dona de casa. Ainda de acordo com ela, a polícia não entra na comunidade. “A gente cansa de ligar, de até abordar a guarnição na rua, mas eles não vão. Alguns ironizam, dizem: ‘deixem eles se matarem. Depois a gente garante a remoção dos corpos’. Como assim? Pessoas inocentes estão sendo baleadas de graça”, revolta-se a dona de casa.>
Territórios Os confrontos entre as facções não têm dia e nem horário. Segundo moradores e comerciantes, a Faixa de Gaza é a Rua Presidente Médici. A via tem quase dois quilômetros de extensão, cujas laterais são de casas erguidas em morros e algumas de suas regiões têm os comandos certos. Nessas áreas, parentes ou integrantes do bando rival correm alto risco. “Aqui tá parecendo um faroeste. Tiros para todos os lados”, relatou Cláudia*, moradora do local há mais de 20 anos. >
No lado direito da via até a Rua Coronel Azevedo, que dá acesso a Cajazeiras II, o domínio é da Caveira. A área inclui o antigo final de linha. Depois da Rua Coronel Azevedo até o novo final de linha, o comando é da Katiara, área onde foi instalada a Base Comunitária de Segurança do bairro, em setembro. O início do lado esquerdo da rua, a área plana, denominada Rua de Brito, é também área da Caveira. Porém, a região acidentada, conhecida como Baixa Fria ou Baixa do Tudo, além da Caixa D’água, que correspondem a 80% do trecho, é da Katiara, que teria como principal reduto a Rua Ulisses Guimarães.>
MortesAs mortes mais recentes da guerra do tráfico no local aconteceram na noite do dia 4. Os irmãos Uelder e Uelbert Paraíso de Jesus, 22 e 23 anos, assistiam TV e sequer notaram que estavam cercados. Oito bandidos da Katiara entraram no imóvel, por volta de 22h, na Segunda Travessa do Alecrim, e descarregaram as armas nos dois. Segundo amigos da família, a polícia recolheu mais de 30 cápsulas de balas no local. Segundo os vizinhos, Uelder trabalhava como ajudante de pedreiro e passava uns dias na casa do irmão, que alugou o imóvel havia um mês. “Tudo leva a crer que Uelder estava na hora errada, porque Uelbert era quem andava com o pessoal do início da Av. Presidente Médici, a Rua de Brito”, disse. A região citada é comandada pela Caveira.>
*nomes fictícios>