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Larissa Almeida
Publicado em 19 de dezembro de 2025 às 16:28
A primeira vez que a autônoma Nicole de Freitas deu à luz, em 2018, sofreu com dores durante as longas horas de trabalho de parto e só teve acesso a anestesia no final do processo. Na tarde de quinta-feira (18), ela ressignificou toda a experiência dolorosa ao trazer ao mundo o pequeno Javier Lorenzo através de parto normal com anestesia peridural. A administração da substância anestésica, que é um direito de todas as mulheres para não sentir dor no parto, foi tema do II Seminário Franco-Brasileira sobre Analgesia Peridural no Parto, evento que reuniu gestores, profissionais de saúde e pesquisadores em Salvador. >
Nesta sexta-feira (19), o segundo e último dia de evento foi realizado na Maternidade Maria da Conceição de Jesus, em Coutos, no Subúrbio Ferroviário. O local, que há cinco anos não registra mortes de parturientes, foi escolhido por ser referência na ampla oferta de analgesia peridural, que ainda é pouco presente de forma regular no sistema público brasileiro, especialmente fora dos grandes centros urbanos. >
Anestesia peridural é tema de evento entre França e Brasil
O objetivo do encontro na maternidade foi mostrar, na prática, como é possível ampliar o acesso a esse direito e reduzir o número de cesáreas. Para tanto, foi estabelecida uma cooperação técnica com hospitais universitários franceses, com apoio da Embaixada da França e do Ministério da Saúde da França, que já usam em larga escala a analgesia peridural. >
Segundo Mônica Almeida Neri, coordenadora do projeto, médica e professora do Instituto de Saúde Coletiva da Ufba (ISC/Ufba), todas às mulheres têm direito de usar anestesia, desde que seja feita uma consulta com anestesista antes ou durante o trabalho de parto. >
“Se elas não quiserem essa analgesia, é também direito delas, mas é preciso que elas indiquem isso. Que digam ‘essa dor para mim é suportável, eu não quero analgesia’ ou ‘essa dor para mim é insuportável, eu quero agora analgesia’. Elas têm direito a esse conforto em um momento tão lindo da vida”, defende. >
Quando escolhida pela parturiente, a analgesia é aplicada na região lombar, no espaço peridural da coluna vertebral. Como é um anestésico local, a paciente continua consciente, consegue ver o parto, andar e até se alimentar. A substância permite que as contrações sejam sentidas, mas sem dor. >
“Eu tinha um conhecimento muito superficial da analgesia e não tive esse suporte da primeira vez que dei à luz. Aqui [na Maternidade Marida Conceição de Jesus], desde o momento da internação, já me foi perguntado se eu conhecia e tinha interesse, e eu sinalizei que sim, caso eu não suportasse a dor do parto. Quando eu estava com 7 cm de dilatação, às 5h, eu pedi e o pessoal foi bem ágil. O anestesista conversou comigo, explicou tudo e aplicou. Eu pude descansar e depois retomar ao trabalho de parto. Meu filho nasceu às 5h40 e nem a dor do expulsivo eu senti, foi supertranquilo”, narra Nicole de Freitas. >
No Brasil, as taxas de analgesia peridural no parto gira em torno de 11% no sistema público e 35% no serviço privado. “É bem abaixo, porque no Brasil existe uma cultura de iniciar a analgesia, quando as mulheres têm acesso a esse procedimento, muito tardiamente, com 5 cm ou 6 cm de dilatação, que é quando ela já passou por um grande período de dor. Na técnica francesa, nesse modelo que propomos no projeto, a mulher pode ter acesso a analgesia quando ela se internar”, diz Mônica Almeida Neri. >
Outro fator para a impopularidade da analgesia peridural é a adesão ao parto cesariano que só deveria ser recorrido, segundo especialistas, em casos indicados para preservação da saúde da mãe e do bebê. Sem indicação, a cesárea, quando comparada ao parto normal, faz com que o risco de morte da parturiente triplique. Além disso, há um risco sete vezes maior de morbidade respiratório neonatal e necessidade de internação do bebê na UTI. >
Com a cooperação técnica iniciada na Bahia, as maternidades que já vão adotar o modelo francês em Salvador para tentar reverter o alto número de cesáreas são estas: Maternidade Maria Conceição de Jesus (Subúrbio Ferroviário), Maternidade José Maria de Magalhães Neto (Pau Miúdo), Maternidade Tsylla Balbino (Baixa de Quintas) e a maternidade do Hospital Geral Roberto Santos (Cabula). Outras três maternidades contempladas estão situadas em Ilhéus, Juazeiro e Camaçari. >
Para Phillipe Descamps, coordenador da obstetrícia do Centro Hospitalar Universitário de Angé, na França, uma das maiores contribuição da cooperação será a redução de riscos de morte no parto. “Na França, temos 21% de partos via cesárea e uma taxa de mortalidade materna cinco vezes menor do que o Brasil. Nós estamos entusiasmados de visitar uma maternidade que tem um modelo-objetivo que queremos alcançar a nível nacional. A chave do debate é o aumento do número de anestesistas para poder oferecer a cada mulher a oportunidade de uma peridural”, finaliza. >