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Fernanda Santana
Publicado em 1 de janeiro de 2018 às 08:50
- Atualizado há 2 anos
O contador Eduardo Cardozo, 73 anos, de Vitória da Conquista, fez as contas e decidiu: não toma mais cafezinho no Aeroporto Internacional de Salvador, para onde veio passar o Natal, com a esposa Tereza, 71. Resolveu abandonar o hábito devido ao preço cobrado nas lanchonetes do local.>
“Um café aqui é um absurdo. O que tomo lá fora de R$ 3, R$ 3,50, custa R$ 7 aqui. Deixei de tomar”, desabafou, antes do retorno para casa.>
A indignação não é à toa: levantamento feito pelo CORREIO mostra que o preço de produtos alimentícios e artesanais chega a custar 525% a mais no terminal em relação a outros estabelecimentos da capital baiana (veja tabela abaixo). A espera pelo embarque custa mesmo caro ao passageiro que, como Eduardo, gosta da bebida. A reportagem encontrou cinco cafeterias e similares no terminal onde uma xícara de 50 ml de café é vendida por R$ 7. No Shopping Barra, bairro turístico da capital, o valor não ultrapassa os R$ 3,80. Nas ruas da cidade, a diferença é ainda maior: o preço do gira em torno de R$ 1,50. O cenário não é diferente na venda de outros alimentos. No aeroporto, uma coxinha sem catupiry sai por R$ 11,50; em lanchonetes do centro da cidade, o preço é R$ 3,50, em média.>
A servidora pública soteropolitana Marilene Gomes, 46, foi acompanhar o filho Renato Gomes, 17, ao aeroporto, e se assustou com os preços elevados das comidas vendidas no aeroporto.“Os preços daqui são um absurdo. Evitamos comer aqui, mas às vezes não tem jeito”, conta, enquanto esperava o jovem embarcar em um voo para Brasília. À frente de Marilene, placas luminosas estampavam latas de refrigerante vendidas por até R$ 7 - no Shopping Barra custam R$ 5,50 e em panificadoras da capital R$2,50; e sucos de polpa vendidos por R$ 10, enquanto em lanchonetes de rua o valor cai para R$ 4.>
Lembrancinha salgada Sair de Salvador com uma lembrancinha para parentes e amigos comprada no terminal custa até cinco vezes mais. Um imã de geladeira com estampas de Salvador é oferecido por R$ 25 no aeroporto, 525% mais caro que o cobrado no Mercado Modelo (R$ 4), e a clássica blusa do Olodum sai por R$ 13 no Mercado, mas é vendida por até R$ 65 no aeroporto. Proprietária da loja Planetinha Bahia no Aeroporto, onde é vendido o imã de geladeira, Ana Souza, 38, defende que os preços mais elevados são motivados pelos investimentos que fez e também pela recente perda de vôos de Salvador para Recife - que diminuiu a movimentação no local. Entre janeiro e novembro deste ano, 6.953.015 passageiros passaram pelo aeroporto de Salvador; no da capital pernambucana, foram 7.009.895, de acordo com a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero). A diminuição no fluxo precisa ser administrada com o custo do aluguel no terminal aéreo de Salvador, que custa, em média, R$ 375,68 por metro quadrado, segundo o órgão.>
O preço final do aluguel é definido pelos próprios lojistas, que o determinam na disputa de lances dos pregões a partir de um valor inicial apresentado pela Infraero na abertura dos processos licitatórios. Por isso, há valores que chegam a subir mais de 100% em relação ao valor inicial da abertura da licitação. Os preços dos produtos também são fixados pelos estabelecimentos. PRODUTO R$ AEROPORTO R$ LANCHONETES MERCADO MODELO Água R$ 6 R$ 1,50 R$ 2 Café com leite R$ 9 R$ 2 x Café R$ 7 R$ 1,50 x Lata de refrigerante R$ 7 R$ 2,50 x 400 ml de suco R$ 10 R$ 4 x Coxinha R$ 11,50 R$ 3,50 x 500 ml de chope R$ 16 R$ 8 x Sonho de valsa R$ 2 R$ 1 x Imã de geladeira R$ 25 x R$ 4 Mochila R$ 59 x R$ 10 Chaveiro R$ 59 x R$ 12 Blusa do Olodum R$ 65 x R$ 13 Blusa infantil R$ 48 x R$ 15 Taça de madeira R$ 18 x R$ 6 Bolsa de palha R$ 159 x R$ 49 Boneca de cabaça R$ 60 x R$ 20 Fita do Senhor do Bonfim R$ 2 x R$ 1 Boné R$ 49 x R$ 17 Bata R$ 130 x R$ 70 Imagem de resina R$ 35 x R$ 20 Hoje, funcionam no terminal aéreo de Salvador 59 lojas, 42 lanchonetes e 70 espaços no segmento de serviços, como os Correios e bancos. Nos últimos dois anos, a Infraero informou à reportagem que 31 lojas foram fechadas no terminal aéreo de Salvador. Ao todo, o aeroporto possui 8.437,68 m² de área locável, dos quais 5.623,70 estão ocupados - 65% do total.>
Aluguel caro Para o presidente em exercício da Associação Brasileira de Agências de Viagens da Bahia (Abav), Jorge Pinto, a inflação verificada no aeroporto de Salvador possibilitada pelo modelo atual de competição entre lojistas no ato da licitação, já que é preciso equacionar gastos e custos.“Quando abre uma licitação para que uma loja seja aberta no aeroporto, os comerciantes concorrem entre si. O preço pelo aluguel, que já é caro, acaba subindo, e isso tem que ser embutido em algum lugar. Os preços são caros, acaba sendo inevitável aumentar o preço dos produtos”, fala Pinto. Mas, de acordo com Ana, proprietária da loja Planetinha Bahia, também pesam na hora de tabelar os preços a “infraestrutura e o bom atendimento da loja”. “Não tem como comparar muito os produtos encontrados aqui e lá fora. Nós, por exemplo, apostamos em estampas exclusivas, em bons tecidos, em um bom atendimento”, enumera. A gerente da loja O Que a Bahia Tem, Cristiana Andrade, 36, concorda com Ana ao justificar os preços cobrados no aeroporto e as estratégias para contornar eventuais reclamações de clientes. “O perfil do cliente aqui é outro, é diferente do da rua. É alguém que quer muito levar alguma coisa daqui, uma lembrança. Então a gente aposta na alegria por atender, abraça, sorri. Dizemos também que nossas camisetas são diferenciadas, que apostamos na inovação”, relata Cristiana. Embora alegue exclusividade, produtos similares ou iguais aos vendidos na loja são encontrados fora do terminal, e por preços muito menores – como é o caso do imã de geladeira.>
Reclamação de turistas Tantas diferenças nos valores, contudo, são vistas pela vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis na Bahia (Abih-BA), Renata Prosérpio, como problemáticas.“A questão dos preços é um dos nossos principais debates hoje. Os representantes dos hotéis ouvem reclamações de turistas e falam com a gente. Hoje tem pouquíssimas lojas no aeroporto porque é uma vergonha, a maioria fechou. As que ficaram e resistem cobram muito caro”, diz Renata. A gestora espera que a transferência total da gestão do aeroporto da capital baiana para a estrangeira Vinci, a partir de 1º de janeiro de 2018, reverta o quadro. “Vai ocorrer uma melhora progressiva. Não vai ocorrer um milagre, mas acredito na mudança. Abril, maio do ano que vem, esperamos uma nova situação”, vislumbra. A Vinci não declarou quais mudanças pretende adotar para atrair novos lojistas, nem se um novo modelo de licitação será adotado.>
Não compensou O empresário Antoine Tawil, presidente do Fórum Empresarial da Bahia e vice-presidente da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), foi um dos empreendedores que se afastaram do aeroporto. Em 2012, após 10 anos de atuação no aeroporto com a loja Lacoste, decidiu não permanecer no espaço. A saída ocorreu, segundo Tawill, por não haver “compensação”.“O preço do aluguel que era exigido pela Infraero, não compensava ficar lá. Até porque a minha loja faz parte uma franquia e os preços são mundialmente tabelados, não posso cobrar a mais por estar no aeroporto”, entrega Tawil.O lojista migrou para os shoppings Barra, Paralela, Salvador e da Bahia e também espera que a nova administração do aeroporto consiga reverter a situação e balancear as constas do comerciante. “É muita falta de profissionalismo. Temos que melhorar o quadro do aeroporto para que os lojistas de lá consigam cumprir preços de mercado, justos para ele e para o consumidor”, torce.>
Na avaliação de Carlos Machado, diretor executivo da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas do Estado da Bahia (FCDL), é preciso que os lojistas situados no aeroporto repassem as demandas e reclamações para a gerência do local a fim de reaver disparidades de preços muito elevadas.>
“As reclamações têm que ser formalizadas em denúncias. Tem que existir uma negociação constante, um diálogo. Os lojistas poderiam se juntar e fazer pesquisas de preços em outros lugares para mostrar que não tem como competir com o mercado com preços tão mais elevados”, sugere.>
O consumidor pode acionar o Procon local caso considere abusivos os preços encontrados atualmente no aeroporto. As denúncias podem ser realizadas online, por meio do www.consumidor.gov.br, pelo número, do aplicativo gratuito Procon Bahia, ou no posto do órgão, no Largo Dois de Julho, Rua Carlos Gomes.>
Lachonete popular só funcionou até 2016 A Lanchonete Popular foi idealizada em 2011, pela Infraero, para atender a demandas de passageiros que reclamavam do preço das comidas nos aeroportos brasileiros. Hoje, no entanto, ainda não é maioria nos terminais aéreos do país: somente 11 dos 59 aeroportos abrigam a iniciativa, sendo Recife a única capital nordestina da lista. Em média, os produtos vendidos em lanchonetes populares são 40% mais baratos do que em outros estabelecimentos dentro do próprio aeroporto, de acordo com a Infraero. >
O modelo de lanchonete popular chegou ao aeroporto de Salvador em 2013, mas deixou a capital três anos depois, após o término do contrato, sem previsão de retorno. A francesa Vinci, que passa a administrar o terminal este ano, informou ao CORREIO que ainda não há planejamento para novas lanchonetes populares no terminal, mas que planeja um novo “mix comercial, que incluirá diversas opções de alimentação e varejo na nova área comercial, cujas lojas ainda não estão definidas”.>
A empresa também afirma que pretende trabalhar em conjunto com os inquilinos atuais e futuros para que a oferta comercial corresponda às expectativas dos passageiros. Salientou, no entanto, que a determinação dos preços é do lojista e não é responsabilidade do Aeroporto. O Aeroporto Internacional de Salvador Deputado Luís Eduardo Magalhães foi leiloado em março de 2017 ano por R$ 660 milhões para a companhia francesa.>
O contrato de concessão por 30 anos foi assinado em julho de 2017, quando foi iniciado um período de administração conjunta com a Infraero. A partir de março, os franceses assumem totalmente a administração do terminal, que perdeu a liderança no número de passageiros no Nordeste para Recife (PE) no mês passado. Christian Holliwigir, 21, e o amigo César Comachio: dividem o lanche (Foto: Marina Silva/CORREIO) Quentinha de casa Diante dos preços mais elevados encontrados no aeroporto soteropolitano, resta aos turistas e nativos criar estratégias para driblar os excessos. O empresário catarinense Christian Holliwigir, 21, e o amigo César Comachio, 26, chegaram a Salvador para depois embarcarem para a Praia de Pratigi, Ituberá, na Costa do Dendê, onde passarão o Réveillon. Para evitar gastos elevados com alimentação, costumam dividir o lanche. “Em geral, a gente procura não comer, mas, quando não tem jeito, a gente procura o mais barato e ainda divide”, conta Christian. A decoradora Ana Elisabete, 51, voltou da Flórida com a filha, Maria Júlia, 14, após 15 dias em solo norte-americano. Diferentemente da dupla de amigos, Ana, que mora em Salvador, aposta em “lanches comprados fora”. “No aeroporto tudo é muito caro. Por isso, eu busco comprar e trazer uma fruta, que, além de mais barato, é muito mais saudável. Mas também trago outras coisas para o aeroporto, quando vou sair de casa, por exemplo, trago uma comida de lá”, diz. Para quem trabalha no aeroporto, as táticas precisam ser diferentes. Na correria do dia a dia, os funcionários se dividem entre trazer marmita de casa e segurar a fome até chegar em casa, com ajuda de biscoitos e sucos levados na bolsa. A vendedora Lícia Souza, 44, mora no bairro de São Cristóvão, nas imediações do terminal, onde chega diariamente às 7h. Ela espera até às 14h, quando geralmente chega em casa, para almoçar. “A fome às vezes aperta. Mas aqui no aeroporto é muito caro e, como eu não tenho paciência de trazer um monte de comidinha todo dia, eu espero chegar em casa mesmo”, desabafa. A vendedora Licia Souza espera terminar o expediente para comer em casa (Foto: Marina Silva/CORREIO) Já o massoterapeuta Antônio Carlos, 46, encara um desafio duplo: morador de Feira de Santana, no centro-norte da Bahia, precisa se organizar para vir às segundas, quartas e domingos alternados para o aeroporto de Salvador, onde atua em um espaço de massagens, com marmitas e lanches. A jornada é cansativa, mas vale tudo para não gastar além da conta. “Eu já estava acostumado com o sistema do shopping, onde as coisas são mais caras. Então, quando eu vim trabalhar aqui, há dois anos, eu já comecei a trazer minhas coisas de casa. Às vezes trago coisa até demais, mas não dá para enfrentar os preços daqui do aeroporto”, conta, aos risos. A colega do feirense, Elizabete Pinheiro, 33, também é adepta da marmita. Às vezes, no entanto, a correria da massagista a impossibilita de organizar os pratos que levará ao trabalho. “Quando isso acontece, eu e meus colegas compramos comida. Mas nunca aqui no aeroporto. Damos um jeito de comprar fora e trazer para cá, sempre”, entrega, antes do almoço na copa, onde se reúnem diariamente os oito funcionários do estabelecimento. Elizabete e Antônio: marmitas de casa (Foto: Marina Silva/CORREIO) >