Prefeitura assume Mercado Modelo a partir do dia 2; comerciantes têm dívida a quitar

Um acordo mediado pelo Ministério Público, através da promotora Rita Tourinho, definiu que o passivo será pago pelos permissionários

Publicado em 17 de fevereiro de 2016 às 07:21

- Atualizado há um ano

Todos os dias, às 9h, os 263 comerciantes do Mercado Modelo  abrem as portas à espera de uma clientela nem sempre farta — o movimento forte, mesmo, é de dezembro até o Carnaval e em julho. Agora, quando começa a baixa estação, eles terão mais motivo para trabalhar diariamente: uma dívida de R$ 2 milhões, contraída pelos comerciantes e a associação que administra o local, que já precisa começar a ser paga até o dia 25.

No dia 2, a prefeitura assumirá a administração do Mercado Modelo, com o objetivo de reorganizar a gestão. Um acordo mediado pelo Ministério Público, através da promotora Rita Tourinho, definiu que o passivo será pago pelos permissionários. Segundo o presidente da Associação dos Comerciantes do Mercado Modelo (Ascomm), Fausto Reis, a dívida será rateada proporcionalmente.Membro de família que está no mercado há 104 anos, o artesão Deco Santos espera intervenções no local(Foto: Marina Silva/CORREIO)“Vai ser de acordo com um levantamento feito pela Receita Federal. Acredito que vá ser uns R$ 12 mil os boxes que pagam 100% do condomínio. Os de 50% podem chegar a uns R$ 6 mil e os de 75%, a R$ 8 mil. Estou fazendo uma estimativa, mas pode aumentar”, adiantou.

O artesão Deco Santos, 44 anos, disse que a dívida assustou. “Quando ficamos sabendo, todo mundo ficou preocupado. A gente não sabe como vai ser porque é muita inadimplência. O mercado estava abandonado, sem administração”, comentou. A família dele está no mercado desde a fundação, há 104 anos, quando a bisavó abriu uma loja. 

Inadimplência Como o débito está nas mãos dos permissionários, será aberta uma conta em nome da Ascomm, onde serão feitos os depósitos mensalmente. Conforme Rita Tourinho, todos os meses será feita uma prestação de contas tanto aos comerciantes quanto ao MP–BA. O débito poderá ser parcelado em, no máximo, seis vezes. Além de débitos trabalhistas, há uma dívida com a Empresa Baiana de Água e Saneamento (Embasa) — que não divulga o valor do débito — e cerca de R$ 400 mil a receber dos cerca de 60 comerciantes inadimplentes.

Agora que alguns já começaram a quitar, o número caiu para 35 a 40 devedores.Segundo Fausto Reis, o Mercado Modelo tem despesas mensais de R$ 110 mil a R$ 120 mil, incluindo água, energia, material de limpeza e manutenção. Mas a arrecadação não tem passado de R$ 80 mil. “É dívida em cima de dívida, porque o dinheiro não dá. Vai atrasando água e assim sucessivamente”, ilustrou. 

Segundo a representante do Ministério Público, “houve uma oneração para a associação. Muitos permissionários deixaram de pagar o preço público (uma espécie de aluguel pago à prefeitura), houve uma má gestão de recursos, já que a associação não tinha nem como majorar o que era pago, e acabou por recolher valores menores do que o que era necessário”.

Ainda segundo Rita Tourinho, os permissionários inadimplentes têm até o dia 25 deste mês para quitar os débitos com condomínio, que varia de R$ 60 a R$ 390, junto à associação, e o preço público, que deve ser depositado na conta aberta pela associação.O comerciante José Jorge Miranda quer fim da sazonalidade: na baixa estação, queda de 80% nas vendas(Foto: Marina Silva/CORREIO)Caso não paguem, segundo a prefeitura, será aberto um processo administrativo para cassar as licenças. Para substituir esses permissionários, será aberta uma seleção pública, porém os novos comerciantes precisarão assumir os débitos — inclusive o rateio dos R$ 2 milhões. 

Choque de gestãoPara a secretária Rosemma Maluf, o plano é retirar a sazonalidade do mercado e torná-lo atrativo também para o soteropolitano (veja ao lado). No entanto, logo que assumir a administração do Mercado Modelo, a providência será mudar radicalmente a forma como o local é administrado.

“O primeiro caminho, sem dúvida, é um choque de gestão. Tem a questão das normas de funcionamento, horário de abertura, encerramento, o espaço que pode usar no entorno e pagamentos das despesas, que é rateado entre os permissionários e alguns estavam em débito”, enumerou ela.

A secretária espera solucionar o problema da falta de administração, já que a Semop possui uma legislação própria para mercados municipais. Também haverá um reajuste na taxa de condomínio, mas o valor ainda não foi definido. Segundo Rosemma, como não há lucro, a taxa será definida a partir do valor necessário para cobrir as despesas.

Haverá intervenções no registro dos funcionários, na abordagem aos turistas e no uso do espaço. “Eu tenho denúncias de que existem funcionários sem vínculo empregatício com o box, e isso é grave, por causa da questão da segurança”, citou a secretária.

Ainda conforme Rosemma, “tem  muita denúncia também de abordagem inadequada aos turistas e tem a questão do uso do espaço em excesso”. Segundo ela, há lojas que “avançam na exposição dos produtos para dentro do corredor, nas escadas. Não pode, cada permissionário tem que usar o seu espaço”, avisou.

Permissionários garantem que vão pagar dívidaHá 55 anos vendendo camisetas no Mercado Modelo, o comerciante Abdala Abid Neto, 64, conta que, mesmo com as dificuldades, os permissionários pagarão o débito porque precisam do local para trabalhar. Ele afirma que não é de interesse dos comerciantes atrapalhar a nova gestão.

Pelo contrário. “Nós fazemos o Mercado Modelo, mas não somos donos dele. Estamos aqui para ajudar, orientar, porque é a gente que passa mais tempo aqui do que na nossa casa”, disse Abdala. Membro de uma família que está no local há mais de 90 anos, ele conta que o que os permissionários mais temem é a criação de um novo termo de permissão que os tire de lá.

A Secretaria Municipal da Ordem Pública (Semop), que vai assumir a administração, está fazendo ajustes no decreto dos mercados públicos, que serão divulgados no final de março. Já o comerciante José Jorge Miranda, 56, há 38 lá, tem um documento de permissão dado a uma tia-avó em 1917.

São 99 anos no local, vendendo artesanato. Segundo ele, a administração municipal é bem-vinda após anos de dificuldades. Mas há pedidos a serem feitos, como a criação de uma brigada de incêndio, reforma e reabertura do estacionamento.

“O movimento aqui é sazonal. Depois que acaba o Carnaval, é só quando tem congresso, e o fechamento do Centro de Convenções prejudicou muito a gente”, contou. Segundo José Jorge, na baixa estação, o movimento nas lojas cai cerca de 80%.

Mesmo diante do empenho geral para quitar os débitos, a Ascomm afirma que a dívida adquirida também foi ocasionada por erros administrativos  da Saltur (antiga Emtursa), órgão ligado à Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Secult). Procurada, a pasta declarou que irá avaliar a situação.Abdala Abid Neto, que atua no local há 55 anos, diz que mesmo com dificuldades, débitos serão quitados(Foto: Marina Silva/CORREIO)