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Eduardo Dias
Publicado em 7 de novembro de 2019 às 16:54
- Atualizado há 2 anos
O sistema ferroviário de Salvador é antigo, mais precisamente, da década de 1960. Ele possui quatro trens, que são dos anos de 1959 e 1960, mas que continuam operando até hoje. Com o passar o transporte tem apresentando falhas sucessivas, que vão de incêndios em fusíveis a choque entre os veículos de linhas opostas - este último acontecimento ocorreu na sexta-feira (1) e deixou 47 pessoas feridas.>
Apesar dos sustos, os passageiros seguem fiéis ao uso dos trens e explicam o porquê. Na manhã desta quinta-feira (7), o CORREIO conheceu algumas dessas histórias durante uma viagem entre as estações da Calçada ao Lobato.>
Logo de início, todos os passageiros que conversaram com a reportagem afirmaram: “Não pegamos o trem só porque ele custa R$ 0,50”. A primeira a dar a declaração foi a artesã Bernarda Maria Souza, de 55 anos, que mora em Maragogipinho, município da cidade de Aratuípe, no Recôncavo baiano, mas está em Salvador para visitar uma de suas filhas. (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Um dos motivos para pegar o trem ao invés dos ônibus é o mesmo que fez Bernarda deixar a vida corrida da capital e se mudar para o interior: fugir do engarrafamento. Ela garante que, mesmo com todos os perrengues recentes apresentados pelo transporte, a escolha vale a pena.>
"Eu soube do acidente que ocorreu na sexta-feira, vi pela televisão, me assustei. Mesmo assim, não tenho medo, ando sempre sozinha aqui em Salvador, vou e volto sozinha por aqui. Eu sempre prefiro ir de trem, não só porque é mais barato que o ônibus, mas também porque não pego engarrafamento e porque gosto de apreciar a paisagem durante a viagem", contou.>
Raio-X O Sistema de Trens do Subúrbio de Salvador é formado por uma linha única, que liga o bairro da Calçada, na Cidade Baixa, ao Subúrbio da capital baiana - composto por 22 bairros. No trecho, 10 estações recebem cerca 14 mil usuários por dia.>
Os terminais estão localizados na Calçada, Santa Luzia, Lobato, Almeida Brandão, Itacaranha, Escada, Periperi, Coutos, Praia Grande e Paripe. Somente este ano, cerca de 2,3 milhões de pessoas foram transportadas pelo sistema. Apenas em agosto, foram 332.360 passageiros - recorde de 2019. >
Cada trem possui três vagões com capacidade para 180 passageiros, o que permite que 540 pessoas trafeguem ao mesmo tempo. Apenas um dos quatro trens foge ao padrãoe tem quatro vagões, aumentando a capacidade máxima para 720 passageiros por viagem.>
Um conselho técnico da Companhia de Transportes do Estado da Bahia (CTB) foi formado para apurar as causas do acidente ocorrido no dia 1º e terá 10 dias para fazer um relatório e explicar o que ocorreu. Enquanto isso não acontece, o diretor de operações da Companhia, Idelson Meneses, explicou como é o funcionamento do sistema de trens e garantiu que os veículos possuem condições para operarar.>
Segundo ele, o sistema dispõe de aparelhos que atuam na mudança de vias de forma mista. Ou seja, tanto de forma manual como automatizada. No entanto, para ele, ainda não é possível apontar qual a causa exata do acidente ocorrido.>
“Não podemos apontar que a causa do acidente tenha sido o fato de o sistema ter seus aparelhos de mudança de linha de forma manual. Hoje, possuímos um sistema misto, tanto automático como manual, e isso é algo comum, está previsto em vários sistemas de trens. Todos os trens são mantidos em todas as condições pré-estabelecidas para o funcionamento com segurança, além de pessoas altamente capacitadas para a operação”, garantiu.>
Retorno dos trens Através de assessoria, a CTB informou que os trens envolvidos no acidente se encontram em manutenção corretiva para que voltem a funcionar de maneira eficiente. Um deles está previsto para retomar as operações na sexta-feira (8) e, o outro, na próxima segunda (11).>
Até lá, os passageiros contam com apenas um trem operando, com intervalo de 1h entre as viagens. É o caso da dona de casa Cristiane Mota, 46, que mora no Alto do Cabrito e, apesar, de estar com o cartão de transporte de ônibus em mãos, preferiu economizar e aguardar o tempo de espera em um dos bancos da estação Lobato.>
“Estou indo na Calçada pagar uma conta de luz. Ia usar o cartão de passagem do meu marido, mas preferi economizar e ir de trem mesmo. Eu vim sem saber que apenas um trem estava operando, mas já que estou aqui, vou aguardar. Quando o sistema mudar para o VLT, acredito que vamos sentir esse impacto em nosso bolso”, contou Cristiane, que revelou que não imagina como seria sua vida sem o trem do Subúrbio.>
“Se um dia o trem parar de funcionar de vez, as pessoas do Subúrbio vão sentir muito o baque. O valor do ônibus é R$ 4, muito mais caro que o trem, que custa só R$ 0,50 centavos. As pessoas que moram para esse lado são de baixa renda, muitas delas não têm condições de pagar passagem todo dia. Imagine para quem está desempregado? É difícil”, lamentou.>
VLT O que Cristiane teme deve ocorrer. Em breve, o sistema ferroviário será substituído por um novo modal, sob responsabilidade do Governo do Estado. Trata-se do Veículo Leve de Transporte (VLT) do Subúrbio, que prevê a interligação entre o bairro do Comércio, em Salvador, à Ilha de São João, em Simões Filho, na Região Metropolitana.>
No total, o novo sistema contará com 20 km de extensão, contendo 22 estações e capacidade para transportar cerca de 150 mil usuários por dia. O modelo será do tipo monotrilho, movido à propulsão elétrica, sem emissão de agentes poluentes, e terá trens passando a cada seis minutos.>
A mudança, no entanto, não tem agradado a todos os usuários do atual modelo de trem do Subúrbio. Enquanto aguardava o vagão na estação do Lobato com destino à Calçada para ir ao supermercado com a esposa, o morador Jorge Carvalho, 52, revelou ter uma certa resistência com mudanças.>
"Por mim continuava o trem e esquecia esse negócio de VLT, já que pretendem aumentar a passagem. A maioria das pessoas daqui são desempregadas, assim como eu, e não conseguem pagar o valor do ônibus todos os dias quando precisam se deslocar. Acredito que o certo seria consertar o trem, colocar um equipamento novo e permanecer cobrando o mesmo valor", disse.>
Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier*>