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Portal Edicase
Publicado em 23 de setembro de 2025 às 17:43
Embora o autismo esteja cada vez mais presente nas conversas, ainda existem muitos mitos e informações equivocadas que circulam no dia a dia e nas redes sociais — principalmente quando se trata da socialização de crianças autistas. Essas ideias erradas podem reforçar preconceitos, dificultar diagnósticos e até limitar o acesso a oportunidades. >
Segundo o Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem 2,4 milhões de pessoas diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), representando cerca de 1,2% da população. Entre as crianças, a prevalência é ainda mais significativa: 2,6% das que têm entre 5 e 9 anos já receberam diagnóstico de autismo. >
Um estudo conduzido pelo Laboratório de Estudos sobre Desordem Informacional e Políticas Públicas (DesinfoPop/CEAPG/FGV), em parceria com a associação Autistas Brasil, revelou que o volume de desinformação sobre o transtorno nas comunidades digitais da América Latina e do Caribe cresceu mais de 15.000% entre 2019 e 2024. O Brasil aparece como líder no continente em publicações com informações falsas sobre o tema. >
A psicóloga Alice Tufolo, conselheira clínica da Genial Care, rede de cuidado de saúde atípica especializada em crianças autistas e suas famílias, destaca a importância da intervenção precoce para ajudar na socialização de crianças autistas. >
“Hoje, o acesso à intervenção está diretamente relacionado ao recebimento do diagnóstico. Quanto mais cedo o diagnóstico é feito, maiores são as chances de promover o desenvolvimento de habilidades, minimizar barreiras no processo de aprendizagem e fortalecer os vínculos sociais. A intervenção precoce pode fazer uma diferença significativa na qualidade de vida dessas crianças e de suas famílias”, afirma. >
Outro dado doCenso 2022que merece destaque é a taxa de escolarização entre pessoas autistas. Enquanto, de maneira geral, 24,3% da população está estudando, entre as pessoas com TEA esse número é maior: 36,9%. Se olharmos só para os meninos autistas, a escolarização chega a 44,2%, contra 24,7% da população masculina em geral. >
“Como a maior faixa etária de pessoas autistas mapeadas foi entre 5 a 9 anos, podemos dizer que nossas crianças autistas estão cada vez mais presentes em espaços sociais essenciais para o desenvolvimento, como a escola”, explica a psicóloga. >
Por isso, é importante que esses espaços estejam preparados para receber crianças autistas. “Isso traz a responsabilidade maior ainda de nos implicarmos em políticas públicas educacionais e como a gente pode apoiar pessoas autistas estarem pertencentes de fato em ambientes sociais, de um jeito que respeite a singularidade de cada criança, sem reforçar estigmas e sem tentar encaixá-las em padrões que não fazem sentido para elas”, ressalta Alice Tufolo. >
Quem é pai ou mãe sabe: a infância é um tempo de descobertas e relações — cada criança encontra seu próprio jeito de se conectar com o mundo. Quando falamos de crianças autistas, ainda há muitas ideias equivocadas e expectativas irreais sobre o que significa, de fato, socializar. >
Lembra aquela sensação de começar em uma escola nova? O frio na barriga, o receio de não ser aceito? Qualquer ser humano, seja ele dentro do espectro ou não, passa por isso. Só que, além da ansiedade natural, enfrentam ambientes muitas vezes despreparados para acolher suas formas únicas de interação. >
“Grande parte do estigma social nasce justamente do desconhecimento. Quando não entendemos as particularidades de outra pessoa, sendo autista ou não, tendemos a interpretar comportamentos particulares daquela pessoa como ‘inadequados'”, explica Alice Tufolo. >
Segundo a psicóloga, a falta de compreensão sobre as características do TEA alimenta o medo, que leva ao afastamento, o afastamento reforça o preconceito e a exclusão. “O primeiro princípio importante de ser olhado é que não há uma forma certa de socializar. O ser humano é múltiplo, diverso, e essa diversidade deve ser respeitada e fomentada”, reforça. >
Abaixo, Alice Tufolo destaca os principais mitos sobre a socialização de crianças autistas. Confira! >
Mito. Algumas crianças autistas querem, sim, interagir. O que muda é a forma como essa interação acontece. Pode não ser da maneira que estamos acostumados a ver, mas o desejo de conexão está lá. >
Mito. O problema já começa por: qual é o jeito esperado? Como definir, dentro da multiplicidade humana, uma única forma? Existe uma ideia equivocada de que a criança só está socializando se ela participar ativamente de brincadeiras em grupo de uma determinada forma ou mantiver contato visual, por exemplo. >
Contudo, socializar também pode significar dividir o mesmo espaço, compartilhar interesses ou simplesmente estar junto, cada um do seu jeito. Porque socializar não é repetir um roteiro, mas construir presença e vínculo à sua maneira. >
Mito. Alguns lugares podem ser desafiadores por conta de barulho, luz, excesso de estímulos ou mesmo falta de clareza e previsibilidade do que vai acontecer nesse espaço. Mas isso não justifica excluir a criança — pelo contrário, é justamente nesses momentos que o compromisso com a inclusão precisa ser reafirmado. Com adaptações simples — como criar cantinhos de descanso ou oferecer saídas estratégicas —, é possível tornar muitos ambientes mais acessíveis. >
Mito. O nosso papel como profissionais não é forçar a criança a agir de forma neurotípica, mas oferecer ferramentas para que ela possa interagir da forma que for mais confortável, respeitosa e autêntica. O foco deve estar sempre no bem-estar, na segurança emocional e na construção de autonomia. >
Mito. Socializar é um direito, não uma obrigação. Na prática clínica, reforçamos sempre com as famílias: socializar deve ser uma escolha da criança. Isso significa respeitar quando ela diz que não quer participar de uma brincadeira ou de um evento social, mas também estar atento quando ela demonstra vontade de interagir, mesmo que ainda não saiba como. Incentivar a participação social, com respeito aos limites e ao tempo de cada criança, é um passo importante para combater o isolamento, fortalecer vínculos afetivos e mostrar que ela pode pertencer — do seu jeito, no seu tempo. >
“Cada vez mais a sociedade precisa entender que a inclusão é uma construção coletiva. Isso significa investir em educação sobre o autismo, capacitar profissionais de diferentes áreas, adaptar espaços e, acima de tudo, mudar a forma como enxergamos as diferenças. Quando entendemos que existem múltiplas maneiras válidas de se conectar com o outro, damos um passo importante na direção de uma sociedade mais empática, diversa e respeitosa”, conclui a psicóloga Alice Tufolo. >
Por Leticia Carvalho >