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Luana Lisboa
Publicado em 10 de novembro de 2021 às 20:28
- Atualizado há 2 anos
Em estudo inédito publicado pela revista Nature Genetics, pesquisadores do Instituto Nacional de Câncer (INCA) detectaram que o álcool deixa marcas físicas – ou assinaturas mutacionais – nas células do esôfago, o que pode ocasionar o tipo mais frequente de câncer no órgão, o carcinoma epidermoide. A doença é a 5ª de maior mortalidade entre os homens, e a 6ª mais incidente no Brasil.>
Foram examinados 552 genomas de pacientes com câncer de esôfago de oito países (Brasil, China, Irã, Japão, Kenya, Malawi, Reino Unido e Tanzânia) durante cinco anos. Do total das estruturas genéticas investigadas, 5,4% são de brasileiros pacientes do INCA. No país, um dos fatores de risco mais conhecidos para a doença é o consumo de álcool, seguido pelo uso do tabaco e de bebidas em altas temperaturas, como o chimarrão. >
"Ficou claro que o álcool, através do seu produto de metabolismo, acetaldeído, deixa danos genéticos no DNA dessas células do esôfago, que levam então, ao aparecimento do câncer", diz o pesquisador Luis Felipe Ribeiro Pinto, chefe do Programa de Carcinogênese Molecular e coordenador de pesquisa do Instituto.>
A partir do material coletado, que incluiu amostras de tecido tumoral e de sangue dos pacientes, os pesquisadores procuraram pela chamada “assinatura mutacional”, que é um padrão específico de mutações no DNA de alguns tipos de câncer. A ideia é que, ao sequenciar todo o genoma de um tumor, seja possível encontrar o perfil dessas assinaturas e, assim, indicar quais componentes foram responsáveis por levar ao desenvolvimento do câncer naquele paciente.>
De acordo com o pesquisador, a observação dessas assinaturas confere uma relação causal entre determinados hábitos ou exposições ambientais e o câncer, reforçando dados epidemiológicos que, em geral, não oferecem provas físicas.>
“Um caso conhecido é o de câncer de pulmão, em que essa espécie de marca genética é causada pelo tabaco. O que observamos e ficou comprovado nessa análise é que o álcool deixa um rastro específico nos tumores de esôfago. No entanto, seguiremos realizando outros estudos, com novas amostragens, buscando investigar as marcas dos outros agentes conhecidos”, explica Luis Felipe.>
Perfil mais comum>
O pesquisador explica, ainda, que o carcinoma epidermóide de esôfago, o câncer estudado, corresponde a 80% dos tumores no mundo e é mais comum em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, com exceção para o Japão. No Brasil, em particular, acomete muito homens.>
"Os seus principais fatores de risco são alto consumo de cigarros e bebidas alcóolicas. O consumo médio em pacientes que estudamos é em torno de 0,5L cachaça por dia, por décadas. O consumo médio de cigarro é em torno de dois maços por dia, em torno de trinta anos. Então esse é o típico perfil de quem tem esse tipo de câncer de esôfago", estabelece.>
Além disso, esse tipo de câncer só manifesta sintomas quando está nos estágios três e quatro. Por isso, somente cerca de 15% dos pacientes diagnosticados com esse câncer continuam vivos depois de cinco anos. "Então, esse trabalho ajuda a oferecer pistas para tentarmos antecipar esse diagnóstico".>
A análise faz parte do projeto Mutographs, liderado pela Agência Internacional para Pesquisa em Câncer/Organização Mundial da Saúde (IARC/OMS) e pelo Instituto Sanger do Reino Unido, que conta com um grupo de cientistas de dez países. O INCA representa o Brasil e a América Latina no projeto, com os pesquisadores Sheila Coelho Soares Lima e Luis Felipe Ribeiro Pinto, chefe do Programa de Carcinogênese Molecular e coordenador de pesquisa do Instituto. O estudo também contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).>
Envelhecimento Mais um fator observado, que também tem alguma relação a essas marcas mutacionais pesquisadas é o envelhecimento precoce, que pode estar diretamente associado ao baixo índice de desenvolvimento humano dos grupos pesquisados. “Ou seja, além de fatores já destacados, como o consumo de tabaco e de do álcool, o fator em comum por trás das assinaturas observadas nesses cânceres parece ser o baixo nível socioeconômico”, explica Sheila Lima. >
Para a pesquisadora, a partir desse tipo de análise, é possível trabalhar de maneira mais precisa na prevenção primária e evitar que a doença se desenvolva.>
O câncer de esôfago é o oitavo tipo mais incidente no mundo e o sexto de maior mortalidade, segundo dados da IARC. No Brasil, a doença é a sexta mais incidente, de acordo com dados do INCA, e a quinta de maior mortalidade entre os homens, sem considerar os tumores de pele não melanoma. As regiões Sul e Sudeste são as de maior incidência, com risco estimado de 14,48 e 9,53 casos por 100 mil habitantes, respectivamente.>