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Da Redação
Publicado em 27 de outubro de 2016 às 17:01
- Atualizado há 2 anos
A jornalista Lais Vita, 28 anos, teve rompimento de estruturas das artérias vertebrais - que auxiliam na circulação de sangue até o cérebro - durante uma sessão de quiropraxia. Os problemas começaram a ser sentidos durante o Carnaval, em Salvador, depois que ela passou mal e ficou com um lado do corpo paralisado. O procedimento deixou sequelas e exigiu uma série de tratamentos. "Fui ao hospital e lá a primeira suspeita era de um AVC. Não era. Em um dos lados eu tinha cinco “fraturas” na artéria num espaço de 2cm", contou.>
Quiropraxia: conselho alerta para risco de manipulação de vértebras sem diagnóstico>
Leia o relato completo:>
"Fui pela primeira vez ao quiropraxista há cerca de dois anos. Estava com algumas dores musculares e no pescoço por conta de uma nova atividade física. Lembrei que já havia escutado maravilhas sobre a prática. Achei que seria mais rápido porque imaginei que um médico apenas me passaria algum relaxante muscular ou analgésico, e pronto. A ideia da quiropraxia me parecia interessante e nunca pensei em riscos. Era um tratamento alternativo, sem agulhas, sem drogas...que mal poderia haver?>
***Expliquei a minha dor. O quiropraxista me levou à maca, sentiu as vértebras com a mão e disse que a minha cervical não estava alinhada e esse era o motivo da dor. Fez aquele 'ajuste' rápido, seguido de um 'creeec' no pescoço. Achei assustador, mas tinha plena confiança de que ele sabia o que estava fazendo. Os dias passaram e a dor não. Voltei e ele fez a mesma manobra. Dessa vez não houve o barulho e foi um pouco dolorosa. Ficou por isso mesmo.>
***Alguns dias depois da consulta fui de férias para Salvador. Era Carnaval e eu estava pronta para sair quando comecei a sentir náuseas e um pouco tonta. Desisti e deitei para descansar. Depois de três horas levantei para tomar algo para o enjoo e já não conseguia andar. Não tinha equilíbrio nem para sentar e também tinha um lado do corpo dormente. Vomitava muito também.>
***Fui ao hospital e lá a primeira suspeita era de um AVC. Não era. Passei quatro dias sem diagnóstico e passando por todo tipo de exame. Meu médico já estava sem ideias. Havia descartado meningite, esclerose múltipla, síndromes que nem lembro o nome e que estavam associadas à dormência. Nada. Até que meu namorado atentou para a dor no pescoço e mencionamos a quiropraxia, mas sem imaginar que relação poderia haver com o que estava acontecendo. Depois de uma ressonância na cervical e uma arteriografia o diagnóstico foi confirmado: dissecções nas artérias vertebrais com formação de pseudo-aneurismas.>
***O neurologista que descobriu o meu diagnóstico ficou indignado. Contou inclusive ter um paciente com uma sequela mental por conta de uma sessão de quiropraxia. O hemodinâmico que fez a minha arteriografia também. Em um dos lados eu tinha cinco 'fraturas' na artéria num espaço de 2cm. E todos os outros que passaram por mim nas minhas duas semanas de internamento e no ano de tratamento que tive pela frente foram unânimes: tive muita sorte e essa manobra da cervical é feita pelos quiropraxistas é absurda.>
***O meu tratamento foi feito com anticoagulantes injetáveis e orais. Tomei eles por um ano e por conta disso tinha que controlar a minha coagulação constantemente. Se estivesse muito rápida, poderia formar trombos. Muito lenta, hemorragia. Foi assustador conviver com isso por um tempo. Fiz fisioterapia por alguns meses para recuperar o equilíbrio e a sensibilidade. Além disso, saí do hospital sem controlar o movimento dos olhos – um deles ficava sempre meio fechado -, com dificuldade de deglutição e algumas restrições alimentares por conta dos anticoagulantes. >
***Sei que só tenho a agradecer, pois tive muita sorte e uma excelente assistência médica. Acho realmente que casos similares já ocorreram e nunca foram associados à quiropraxia, porque ninguém conhece os riscos. Como sequela tenho o meu lado esquerdo insensível à temperatura e à dor – algumas partes mais que outras – mas todo o resto voltou ao normal. Depois de seis meses voltei à academia e rasguei o tendão da perna porque não tinha noção do esforço que fazia e não senti a dor. São coisas que aprendi a lidar, e tudo certo. O que me indigna é que tanta gente seja submetida aos mesmos riscos ingenuamente, como eu fui. Espero que isso mude. >
***As minhas sessões de quiropraxia foram em Santiago do Chile, que é onde moro. O profissional que me atendeu é formado em fisioterapia, tem um mestrado e é professor de algumas universidades. Não fui a nenhum iniciante ou inexperiente. Explico isso sempre que posso por que as pessoas entendem que foi um 'erro'. E depois do que houve comigo soube através de médicos e leitura sobre o assunto que esse é um risco inerente à prática. Só que, pelo menos a mim, nunca foi mencionado". >
Lais Vita, 28 anos, é jornalista e mora em Santigo, no Chile>