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Tailane Muniz
Publicado em 9 de agosto de 2017 às 16:15
- Atualizado há 2 anos
O ex-bailarino do Ballet Bolshoi, Caíque Sena Santos Borges, 23 anos, contraiu o tipo mais letal de meningite: a chance de morte é de quase 50% entre os pacientes infectados pelo tipo fúngico da doença.>
Ele morreu nesta segunda-feira (7) após peregrinação por hospitais e postos de saúde. Além do tipo fúngico, a doença apresenta as formas bacteriana e viral. >
De acordo com infectologista Ceuci Nunes, diretora do Hospital Couto Maia, referência no tratamento de doenças infectocontagiosas e onde o jovem foi tratado, por ano chegam na unidade de cinco a dez pacientes com meningite fúngica.>
"Este ano, até julho, recebemos no hospital 123 casos de todas as meningites, com quatro óbitos. Já de casos fungícos, por exemplo, não passa de dez casos por ano", disse Ceuci.>
A fúngica é o tipo mais raro - sendo a forma criptocócica, causada pelo fungo cryptococcus, a mais recorrente. "Este fungo vive na natureza, pode ser encontrado em árvores, na terra, em qualquer lugar. É o maior causador da meningite fúngica. Não é uma forma comum", pontua. Para a doença, não há vacina ou meios de prevenção.>
Segundo a infectologista, o tipo fúngico acomete pessoas que têm algum tipo de deficiência imunológica. "A exemplo de uma pessoa que teve leucemia e precisou passar por quimioterapia. Esse tratamento pode levar o indivíduo a desenvolver uma deficiência imunológica", explica ela.>
Ceuci afirmou ainda que a meningite fúngica não é contagiosa e por isso o paciente não precisa ficar isolado. A meningite é uma inflamação das meninges - as membranas que envolvem o cérebro. >
"A letalidade da fúngica é muito maior do que as demais. E, no paciente, ela vai agir dependendo de qual é a deficiência do corpo da pessoa. É em torno de 37 a 49% as chances de morte. Pode ser qualquer problema imunológico. Uma pessoa que tem Aids é um outro exemplo de situação em que a doença pode vir a ocorrer, caso haja contato com esse fungo", completa a diretora do Couto Maia. Meningite tipo fúngica matou bailarino (Foto: Reprodução) O tipo mais frequente da doença, atualmente, segundo a infectologista, é o tipo viral. Entretanto, Ceuci explica que uma pessoa pode ter contato com um vírus e não contrair a doença. "É o tipo mais benigno da meningite. As chances de cura são boas e não existe possibilidade de transmissão entre pessoas, assim como a fúngica. A aquisição é possível apenas por meio de vírus e o paciente não corre risco de ter sequelas posteriores", pontua. >
Diferente do tipo viral, a meningite bacteriana costuma deixar sequelas e é a única com possibilidade de transmisão direta entre pessoas. "Ainda existe a possibilidade do paciente curado ter consequências depois, sim. É um tipo em que há a necessidade do isolamento, pois há risco de transmissão de uma pessoa para a outra", salienta a médica, acrescentando que para este tipo da doença pode haver risco de surto.>
Segundo ela, há vacinação apenas para a forma bacteriana, disponibilizada no Sistema Único de Saúde (SUS). "Diminuiu muito [o número de casos] desde o lançamento da vacina, em 2013. Já chegamos a receber mil casos por ano", disse. >
Conforme a Sesab, foram registrados, até o dia 15 de julho, 210 casos de meningite e 20 mortes. No ano passado, até esse período, 280 pessoas foram diagnosticada com a doença. Destas, 38 morreram. >
Diagnóstico, sintomas e prevenção Para todos os casos, os sintomas são os mesmos: febre, fortes dores de cabeça e vômito. Sendo que nos pacientes com meningite fúngica, eles podem não se manifestar com exatidão.>
"É um diagnóstico mais difícil de ser feito. Porque eles podem aparecer de maneira gradativa, dificultanto a identificação. Nos tipos bacteriano e viral, os sintomas são bem agudos, o que facilita reconhecer a doença", afirma Ceuci.>
O diagnóstico laboratorial é possível após o exame líquor, que consiste em retirar um líquido da região do pescoço ou coluna. Corpo de Caíque foi sepultado no Cemitério Bosque da Paz, nesta terça-feira (8) (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) Processo Para a família do bailarino, 21ª vítima da doença na Bahia em 2017, houve negligência por parte dos médicos. Em contato com o CORREIO, o pai de Caíque, o músico Adilmar Borges, 48, afirmou que a família pretende mover um processo.>
"Vamos processar, com certeza. Os documentos já foram passados para o advogado, para que ele possa avaliar se a ação deve ser direcionada ao hospital ou ao governo da Bahia", revela.>
Segundo o músico, o filho se queixava de fortes dores de cabeça, além de vômito, febres e dor na coluna. A mãe do bailarino, então, procurou o hospital Roberto Santos na quinta (3). "Lá, minha esposa foi com ele e fizeram um atendimento superficial. Deram um documento de encaminhamento a um tratamento psicológico, como se o problema do meu filho fosse emocional", lembra.>
Na sexta-feira (4), a mãe do rapaz já chegou ao Hospital Couto Maia pedindo o exame de líquor, que dá o diagnóstico da doença. “Eu falei e implorei, mas eles só deram dipirona e uma requisição para outro infectologista. Às 22h, eu saí de lá com meu filho chorando de dor”, contou ao CORREIO, durante o sepultamento de Caíque, nesta terça-feira (8).>
Com a piora do quadro, Caíque retornou para o hospital no domingo (6) e foi para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI), mas acabou morrendo na segunda-feira (7). "Meu filho foi lá e o quadro dele era muito grave, ele tinha todos os sintomas. Ele vomitava mesmo sem comer nada. Ele não conseguia fazer nada, me falava: 'pai, eu não aguento sentar na cadeira de rodas, pede uma maca'", lamenta. >
"Eles tinham que ter feito os exames. Eu não posso me queixar da médica que fez o atendimento no domingo, ela foi muito profissional. Mas o médico que mandou ele voltar para casa, não, ele não teve amor ao próximo. Estamos falando de uma vida. O hospital está lá para cuidar da gente. Mas não fizeram isso, por quê? Por preguiça? Para economizar? Meu menino poderia estar vivo agora, internado, mas vivo".>
Adilmar contou ao CORREIO que a família não procurou a diretoria do hospital no momento de negação do atendimento porque a preocupação era a saúde do filho.>
"A gente nem pensou em mais nada. E a verdade é que foi uma sequência de erros médicos. Aquele hospital [Couto Maia] é uma referência, as pessoas tinham que ter dado atenção para ele. Ele chegou a me olhar e dizer: 'pai, eu vou morrer, eu vou morrer'", recorda, emocionado. O músico disse que o filho sempre foi um jovem saudável. "Me preocupei. Ele tinha muito domínio sobre o corpo dele".>
Caíque, que morava atualmente no bairro Jardim das Margaridas, em Salvador, dançou por dois anos no Ballet Bolshoi, em Joinville, Santa Catarina, e já chegou a morar por dois anos na Itália. "Um dia, ele resolveu voltar para Salvador, fez o curso de aviação civil e estava batalhando por emprego na área. Era um menino muito guerreiro e cheio de sonhos para realizar". O jovem era o caçula de quatro irmãos. >
A Secretaria da Saúde do Estado (Sesab) confirmou, nesta terça-feira (8), que Caíque foi vítima do tipo fúngico. >