As estatísticas, os mentirosos e o verdadeiro estado do mundo

É preciso muito cuidado para não deixar a retórica obscurecer a realidade

Publicado em 30 de março de 2024 às 10:17

Sempre gostei de números, tive facilidade, um forte talento mesmo. Talvez o único que Deus me deu. Gosto tanto de números que minha esposa Viveca é formada em estatística.

Outra coisa que sempre prestei atenção e confesso, com alguma curiosidade, confesso, são os grandes mentirosos. Não os mentirosos do tipo caçadores ou pescadores, contadores de lorotas abiloladas. Gosto dos mentirosos como o meu amigo Professor Lutero, que conta mentiras com base em fatos e dados. Todos inventados, claro! Certa vez me contou que eu não deveria deixar sobre a pia copos de cerveja sem lavar pois, as baratas, dada a sua capacidade incrível de adaptação, teriam aprendido com os homens a beber cerveja e apreciavam com grande abundância essa bebida. Vejam a criatividade do meu grande amigo.

Um dos livros mais geniais que li sobre mentiras reúne essas duas coisas aparentemente antagônicas: a estatística e os mentirosos. O clássico Como Mentir com a Estatística, de Darrell Huff, publicado em 1954, é uma obra-prima. Nele há uma série de dicas e truques para mentir com os números como: comparar médias sem lembrar do desvio-padrão, exagerar na escala do gráfico, tirar conclusões com base em amostras tendenciosas entre outras malandragens matemáticas. Aparentemente, ou quase certamente, alguns ambientalistas leram esse livro e aplicam seus aprendizados para espalhar a chamada “ladainha ambiental” pelo mundo.

Em um artigo publicado em 20/03/24 uma manchete do jornal Valor destaca “Indicadores revelam agravamento de crise climática global”. Sem citar números a articulista informa que, em 2023, pioraram todos os registros históricos mundiais como emissão de gases, acidificação dos oceanos, aumento do nível do mar, cobertura do gelo da Antártica, recuo das geleiras, perda da biodiversidade, enfim o caos ambiental. Ademais, o artigo ressalta a crise da desigualdade, da insegurança alimentar, perda de biodiversidade etc.

Mas seria esse o verdadeiro estado do mundo hoje? Uma das principais figuras retóricas do movimento ambientalista é apresentar um problema temporário como um importante indicador de declínio. Entretanto, é preciso muito cuidado para não deixar a retórica obscurecer a realidade. Vejamos alguns exemplos de mentiras contadas com base em estatísticas que não passam de lorotas camufladas em análises numéricas tendenciosas.

No debate sobre o meio ambiente costumamos ouvir discussões gerais em tendências de curtíssimo prazo. Isso é extremamente perigoso. Por exemplo, dados do Prodes, fartamente alardeados, alertam que entre 2022 e 2023 a Amazônia perdeu o equivalente a 7,5 vezes a cidade do Rio de Janeiro. A maior floresta do mundo está “sob ameaça” afirma o World Wide Fund. Essa visão de apenas um ano é obtusa pois as séries seculares são mais adequadas para avaliar tendências de natureza climática e ambiental. Assim, segundo os dados da FAO, a área total de florestas, globalmente, não mudou desde 1950, e, melhor ainda, as previsões de tendência são ligeiramente positivas até 2100. Ou seja, numa análise de longo prazo não há desmatamento. Ademais, usar o número de 7,5x a área do Rio de Janeiro é apelar para a total irrelevância. Na Amazônia cabem 5584 cidades do Rio de Janeiro.

No campo da biodiversidade o falso guru ambiental, Al Gore, Nobel da Paz, em 2007, afirmou que perdemos cerca de 40.000 espécies por ano. Ou seja, uma espécie estaria extinta antes de você acabar de ler esse artigo. Nesse ritmo metade das espécies da terra estariam extintas entre 2010 e 2025, um verdadeiro holocausto biótico. Cálculo realistas feitos pela UNEP, com base nos registros fósseis, demonstra que o número aproximado de espécies extintas desde 1600 até hoje é de 1033 num total de 1.600.000 espécies. Com efeito, desde o surgimento da vida na Terra com as primeiras bactérias, há 3,5 bilhões de anos, a extinção de espécies tem sido parte essencial da evolução. Ou seja, a perda em cerca de 400 anos não chega a 6% em função da própria seleção natural.

Aceitar as advertências irrealistas de ambientalistas sobre a extinção de espécies traz consequências para nossas prioridades. Vejamos o caso das ararinhas azuis. Aproximadamente 2,3 milhões de Reais irrigaram os cofres de várias ONGs para reintroduzir a ararinha-azul na paupérrima Curaçá, aqui na Bahia. Mas, pasmem! Vinte anos após ter sido oficialmente declarada extinta na natureza, milagrosamente, 52 exemplares da ararinha-azul (Cyanopsitta spixii) chegaram ao sertão da Bahia para serem reintroduzidas em seu habitat. A origem: um obscuro criadouro alemão crivado de denúncias de tráfico de animais silvestres e ligação com máfias europeias.

Uma outra histeria recente é a questão do lixo. Acusam a “sociedade descartável” e quem paga a conta é a indústria por “estar minando o meio ambiente”. Em fevereiro de 2023 a Revista Exame publicou: “imagine uma montanha com 85,2 milhões de carros populares empilhados. Enfileirados eles dariam a volta no planeta 7,6 vezes. Esse é o volume de lixo que os brasileiros geraram no ano passado.” Números assim, chocam, impressionam, mas não dizem nada. Mais um truque matemático bobinho.

Vamos calcular um aterro para abrigar 81,8 milhões de toneladas de resíduos recolhidos em áreas urbanas, em 2022? Fazendo um cálculo simples, tomando por base a densidade média dos resíduos urbanos compactados é de aproximadamente 0,5 a 0,8 toneladas por metro cúbico (t/m³), o que é uma faixa comum para resíduos sólidos urbanos compactados em aterros. Considerando-se que a altura do aterro será de 10 metros, o que é uma altura comum para muitos aterros, permitindo uma operação segura e a gestão de lixiviados e gases. Encontramos que o aterro terá uma área entre 10,2 km2 - 16,4 km2. Ou seja, no máximo 8 km comprimento x 2 km de largura x 10 metros de altura. Vamos combinar, né? Para guardar todo o lixo do Brasil, em um ano, o aterro necessário é equivalente a uma área de 0,0002% da área brasileira. Isso sem contar a reciclagem. Pouco, né!

O fato é que, o nosso mundo, nos últimos 400 anos, trouxe um fantástico e contínuo progresso. Nos últimos anos dobramos a expectativa de vida. A taxa de mortalidade infantil continua caindo, temos mais comida disponível, o terceiro mundo ingere 38% a mais de calorias. Dizer que os ricos ficam mais ricos, é uma meia verdade. Fico pensando se quem é pobre – de verdade - está preocupado se o Elon Musk pagou caro pelo Twiter ou não. Quem tem fome tem pressa. Disse Betinho.

O fato é que, diariamente, cerca de 200 mil pessoas em todo mundo deixam a linha de pobreza de US$ 2 por dia e mais de 300 mil seres humanos têm acesso a eletricidade e água limpa todos os dias. Ainda é pouco. Sim, concordo. Ainda existem cerca de 900 milhões de famintos no mundo.

Sim, devemos nos preocupar com o meio ambiente. Esse planeta é nosso. Sou um militante do movimento ambiental sério e penso que devemos por um freio na insana quantidade de mentiras e análises que alternam as prioridades da humanidade. Entre elas, acabar com a fome e a miséria no planeta.

Jorge Cajazeira é Ph.D. em Administração pela FGV/EAESP e professor da UEFS