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Gabriela Cruz
Publicado em 22 de junho de 2025 às 13:00
Esses dias, me vi pensando sobre isso. Entrei de cabeça em um projeto que, no início, parecia interessante, promissor, cheio de boas intenções. Me dediquei, estudei, entreguei o que prometi — tudo conforme o combinado. Mas, no meio do processo, fui percebendo que aquilo não tinha a ver comigo. Nem com os meus valores, nem com a forma como gosto de trabalhar, nem com o tipo de entrega que me realiza de verdade. O problema é que, quando percebi, já não dava mais para voltar atrás. E aí fui até o fim. Cumpri. Mas saí esvaziada.>
Foi então que entendi duas coisas fundamentais.>
A primeira: a gente precisa aprender a dizer não. Dizer não mesmo quando a proposta parece boa. Dizer não quando o coração dá aquele sinal de alerta — mesmo que discreto. Dizer não quando o corpo já sente o peso do que está por vir, mesmo que a mente ainda tente racionalizar.>
A segunda: precisamos olhar com mais cuidado para o que faz sentido pra gente. E eu sei que nem sempre é possível seguir só o que faz sentido — tem contas pra pagar, tem boletos, tem a vida real. Às vezes a gente faz o que precisa, e tudo bem. Mas quando você aceita um projeto, um convite, um trabalho… que nem vai te trazer retorno financeiro, nem aprendizado, nem alegria… e só está ali por vaidade, insegurança, ou medo de desagradar… aí é hora de repensar.>
Arrependimento é um sinal. Um chamado pra gente se observar com mais gentileza, com mais coragem e, principalmente, com mais verdade.>
Às vezes, para sobreviver a certas fases, a gente precisa se desconectar da nossa própria essência. Vestir um papel. Entrar num modo automático. E tudo bem — isso faz parte da vida. Mas o difícil vem depois, quando a fase passa e você já não sabe mais onde, ou quem, você é.>
Na semana passada, os fãs do BTS celebraram a volta do grupo após 18 meses de serviço militar obrigatório. Em uma live, o cantor Kim Namjoon (o RM) falou sobre o impacto do processo: “Me disseram para esquecer quem eu era lá fora.” Foi uma frase dita por um superior, mas que ecoa em tantos de nós. Quem nunca teve que esquecer um pouco de si para cumprir uma função, um trabalho, um papel social?>
Namjoon contou que, ao sair, precisou buscar de novo a própria essência. E isso não é simples. A vida adulta nos treina para sermos produtivos, mas não necessariamente inteiros. A gente passa as melhores horas do dia trabalhando — 8, 9, às vezes 10 horas — e o que sobra vira cansaço. É difícil, nesse cenário, sobrar tempo de qualidade para si mesmo.>
Mas reencontrar quem se é precisa ser um compromisso diário. Pode ser um caderno onde você escreve umas palavras antes de dormir. Um banho demorado no domingo. Um som que te faz lembrar quem você era. Recomeçar de si mesmo é difícil, mas é possível.>
Uma nova trend está ganhando força no TikTok e tem transformado os vlogs de rotina em pequenas obras com cara de filme. A ideia, que viralizou com a criadora Hannah Trenches (@hannahtrenches), usa vozes geradas por inteligência artificial para narrar o dia a dia de influenciadores como se fossem personagens de um documentário ou longa-metragem. O narrador — com aquele tom clássico de cinema — descreve as ações, faz comentários cômicos e até interage com o protagonista da cena. O resultado é divertido, criativo e pode dar uma nova vida aos vídeos de rotina que já conhecemos.>
Um estudo do Pew Research Center mostrou que 61% dos adultos nos EUA acham difícil fazer novos amigos, e 44% perderam vínculos importantes desde a pandemia. No lugar da presença constante, surgem as chamadas amizades de baixa manutenção: digitais, convenientes, espaçadas. Você deve saber do que estou falando.>
A cultura do desempenho, a vida acelerada e a hiperconexão transformaram o afeto em algo raro. Trocam-se laços profundos por redes úteis, colegas de projeto, contatos estratégicos por vínculos funcionais — rápidos, práticos, eficientes. Em meio ao cansaço relacional, manter uma amizade verdadeira talvez seja o maior gesto de resistência emocional que se pode ter.>
Quem já mergulhou em uma boa ficção científica — um anime, um quadrinho, um webtoon — sabe: existem mundos paralelos acontecendo ao mesmo tempo. E, às vezes, eu sinto que também vivo assim. Tem a realidade crua, dos boletos, das tarefas, do agora. Mas tem também meus outros tempos e espaços, onde eu sou outras versões de mim. Onde eu crio, desenho, escrevo, imagino.>
Foi esse pensamento que me atravessou ao ver que Mãeana vai se apresentar neste sábado em Osaka, no Japão, na Expo 2025. Ela escreveu: "quero ser gentil com meu coração como os japoneses são gentis com quem chega." Que coisa linda de ler.>
Talvez a vida seja isso mesmo — transitar entre realidades, sonhar com o que ainda não se concretizou, e criar, com o que temos, os mundos em que queremos habitar.>
“O propósito não morreu. Só mudou de endereço”. Essa frase foi lançada como provocação por Richard Edelman - CEO da Edelman, uma empresa global de comunicação -, na edição de 2025 do Cannes Lions – evento no qual a indústria da publicidade e da comunicação se reúne. Segundo ele, depois de anos seguidos de trauma coletivo — pandemia, guerras, inflação, desemprego — as pessoas trocaram o "salvar o mundo" pelo "salvar a si mesmas". O novo lema? Me faça sentir bem, me dê estabilidade, me ofereça segurança. O “We” saiu de cena — agora é a vez do “Me”.>
A De Tudo que eu Vejo é uma coluna quinzenal assinada pela jornalista Gabriela Cruz, que no Correio já passou por diversos setores ao longo 18 anos de atuação e hoje é editora de Conteúdo de Projetos no Estúdio Correio. Além de escrever, ela é pesquisadora de tendências e ilustradora no projeto que leva o mesmo nome da coluna. Saiba mais aqui. >