Novas regras para produtos químicos ameaça saúde pública nos EUA

Agência de Proteção Ambiental Americana trocou cientistas por empresários ligados à indústria química, entidade regula mais de 80 mil produtos consumidos pela população

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  • Murilo Gitel

Publicado em 24 de outubro de 2017 às 19:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Presidente dos EUA substituiu cientistas por empresários em órgão de controle (foto: Onu)

Uma série de medidas mais flexíveis adotadas nos últimos meses pela Agência de Proteção Ambiental Americana (EPA) em relação aos produtos químicos pode colocar em risco à saúde da população dos Estados Unidos, afirmou o jornal The New York Times em matéria publicada no sábado (21/10). De acordo com o periódico, tudo teria começado no final de maio, quando o presidente Donald Trump trocou cientistas do órgão por empresários representantes da indústria.Um caso prático diz respeito ao ácido perfluorooctanóico (também conhecido por PFOA ou C8), utilizado em tapetes resistentes a manchas e panelas antiaderentes, cuja composição pode contaminar a água. Além disso, está associado ao câncer de rim, distúrbios do sistema imunológico e outros problemas graves de saúde. Depois de anos de restrição imposta pela EPA, o produto ganhou recentemente a defesa por regras mais flexíveis, capazes de dificultar a rastreabilidade de suas consequências para o consumidor.A defesa por novas regras regulatórias vem de uma das maiores autoridades nomeadas por Trump para a administração da EPA, Nancy B. Beck, que há cinco anos havia sido executiva no American Chemistry Council, a principal associação comercial da indústria química dos EUA.

A nova direção da agência para o setor de produtos químicos faz parte de uma ampla iniciativa da administração Trump para mudar a forma como o governo federal avalia riscos ambientais e associados às substâncias tóxicas, tornando-o mais alinhado aos desejos da indústria. Um memorando interno e confidencial obtido pelo The New York Times relata que as mudanças dirigidas por Beck podem resultar em “riscos potenciais subestimados para à saúde humana e o meio ambiente” causados pelo PFOA.

As mudanças registradas nos últimos meses na Agência de Proteção Ambiental Americana tendem a trazer consequências em longo prazo para consumidores e empresas do setor químico, uma vez que órgão ligado ao governo regula cerca de 80 mil produtos químicos, muitos deles altamente tóxicos e utilizados em locais de trabalho e residências.

Se os produtos químicos são considerados menos arriscados, também se tornam menos propensos à supervisão e restrições. A discussão é antiga, bem como o debate de décadas sobre a melhor forma de identificar e avaliar os riscos, mas de uma coisa ninguém tem dúvida: a indústria não tinha tantos representantes no governo desde a administração Reagan. O lobby do setor encontrou resistência na era Obama, mas agora é revivido agressivamente nos primeiros meses da gestão Trump.

Impasse

Doutora em saúde ambiental, Nancy B. Beck é oriunda de um campo firmemente apoiado pela indústria química, o qual critica muitas vezes o governo sob a alegação de dirigir regras onerosas ao setor, que podem ser entendidas como “riscos fantasmas”. Contudo, outros administradores e cientistas da EPA defendem que os perigos são reais e a flexibilização só serve para aumentar os lucros dos empresários.

Uma dessas vozes é a da doutora Wendy Cleland-Hamnett, que até o mês passado era a principal funcionária da agência que fiscaliza os pesticidas e demais produtos químicos tóxicos. Todavia, a especialista tem sido voto vencido. Em março, por exemplo, o chefe da EPA nomeado por Trump não seguiu a recomendação da cientista e colegas acerca da proibição do uso comercial do pesticida clorpirifós, acusado de causar deficiências de desenvolvimento em crianças.

A nova liderança da EPA também pressionou os cientistas da agência para reavaliarem o plano de proibição de dois produtos químicos perigosos que já causaram dezenas de óbitos ou problemas de saúde graves: o cloreto de metileno, comum em tintas, e o tricloroetileno, que remove graxa de metais e é utilizado em limpezas à seco."Foi extremamente perturbador para mim", lembra Hamnett, sobre o pedido que recebeu para reverter a proposta de proibição de pesticidas. "A indústria se encontrou com os nomeados políticos da EPA e então me pediram para mudar a posição da agência.”A Lei de Controle de Substâncias Tóxicas, que foi promulgada na década de 1970, teve sua revisão mais significativa no ano passado, quando teve apoio de integrantes dos partidos Democrata e Republicano. Na ocasião, a indústria química obteve flexibilização da maioria dos novos regulamentos em nível estadual, enquanto os ambientalistas ganharam garantias de que os novos produtos químicos seriam avaliados quanto aos seus riscos à segurança e saúde. Agora, essa legislação navega em um mar de incertezas.

O outro lado

Procurados pelo The New York Times, a EPA e a doutora Beck recusaram os pedidos da publicação para que comentassem as denúncias."Não importa a quantidade de informações que lhe oferecermos, você nunca escreveria uma notícia justa", alegou Liz Bowman, porta-voz da agência, através de um e-mail."A única coisa imprópria e tendenciosa é a sua fixação contínua em tentar atacar profissionais qualificados comprometidos em servir seu país", completa a resposta endereçada ao jornalista Eric Lipton, que assina a matéria.

Antes de se juntar à Agência de Proteção Ambiental Americana, Bowman era porta-voz do American Chemistry Council.