Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Donaldson Gomes
Publicado em 15 de julho de 2024 às 08:00
É cada vez mais difícil negar as mudanças climáticas. Eventos extremos, marcados por recordes que jamais deveriam ser batidos, evidenciam que algo diferente está acontecendo no mundo. A Organização das Nações Unidas (ONU) define a situação como “alterações no clima, direta ou indiretamente, atribuíveis à atividade do ser humano”, que modificam a atmosfera global e os ciclos da natureza. Em bom português, são chuvas, ou secas, como nunca se viu antes, frio ou calor extremos, capazes de, em última instância, se constituírem em ameaças à continuidade da vida humana. >
Cientistas de diferentes áreas apontam entre as principais evidências das mudanças na alteração da atmosfera o efeito estufa e mudanças na constituição dos oceanos, entre outros aspectos. As principais consequências são perda de biodiversidade, mais problemas de saúde, insegurança alimentar e hídrica, pobreza, conflitos e migrações.>
Em 2013, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) concluiu que a influência humana através da emissão de gases do efeito estufa foi a causa dominante do aquecimento observado desde meados do século XX. A entidade, criada em 1988, também estimou que os objetivos do Acordo de Paris implicam não superar uma concentração atmosférica de carbono equivalente de 450 partes por milhão (ppm) para limitar o aumento da temperatura a 2 ºC, ou de 430 ppm para 1,5 ºC no final do século. >
No início deste mês, Carlos Nobre, o primeiro brasileiro a ser escolhido como “guardião planetário”, destacou a urgência nas ações para evitar uma catástrofe climática. “Isso tudo que está acontecendo, o recorde de ondas de calor no mundo inteiro e também no Brasil nos últimos anos, são fenômenos extremos, que não só estão acontecendo com mais frequência, mas também os recordes estão sendo batidos praticamente em todo o mundo”, explica. Para ele, o mundo deve se preparar para encarar eventos como a inundação de quase dois terços do Rio Grande do Sul com mais frequência. >
O advogado, especialista em sustentabilidade, Augusto Cruz, lembra que os primeiros alertas sobre consequências da emissão de gases na camada de ozônio surgiram ainda no final dos anos 80. “Desde o início da atividade industrial, nós alteramos bastante a nossa interação com o planeta”, lembra Augusto Cruz. “Com o passar do tempo, uma série de fenômenos sociais aconteceram, a gente se preocupou com questões relacionadas ao trabalho, mas apenas tardiamente nos preocupamos com os impactos ambientais”, acredita. >
O caso brasileiro>
Ao contrário do que acontece nas outras grandes economias mundiais, em que a produção de energia é a grande vilã das emissões de carbono, o Brasil possui mais de 80% da sua matriz composta por energia renovável. Por aqui, o desafio de redução nas emissões está relacionado à redução do desmatamento e queimadas. >
O pesquisador Aurélio de Andrade Souza, vice-presidente do conselho do Instituto Climainfo, avalia que as emissões ligadas à terra são o “calcanhar de aquiles” em relação às mudanças climáticas. “Cada país precisa dar uma contribuição. No caso do Brasil, temos que nos concentrar nas questões relacionadas à terra”, avalia. “O Brasil já tem uma matriz energética renovável, acima de 80%”, completa. Andrade Souza lembra ainda que o Brasil se destaca por ter um dos maiores programas de biocombustíveis do mundo, com o etanol. >
Em relação às emissões do campo, o pesquisador avalia que é preciso ter atenção cada vez maior com desmatamento e queimadas, principalmente na região Norte do país, mas também com a cadeia de fornecimento de insumos da atividade agropecuária. “Hoje 80% dos fertilizantes consumidos no Brasil são importados, vem do leste europeu, queimando diesel. Boa parte da cadeia produtiva é baseada em combustíveis fósseis, que emitem carbono”. >
Apesar do alerta, ele destaca a evolução registrada com o avanço da agricultura de precisão, melhorias nas estratégias de irrigação e outras iniciativas que permitem ganhos de produtividade. >
“O Brasil já tem uma das legislações mais restritivas na área ambiental, que prevê maiores áreas de reservas. Em termos de legislação, estamos bem. Em muitos casos, acho que falta fiscalização, falta monitorar e ver o que está sendo descumprido”, aponta. >
Luciana Gil, sócia do escritório Bichara Advogados, acredita que o principal ajuste que o Brasil precisa fazer no enfrentamento das mudanças climáticas está no alinhamento entre o discurso e as ações. “O que eu tenho visto é uma certa inconsistência entre as políticas definidas e o que é feito na prática. Uma coisa é o que falam que pretendem estimular e outra é o que a gente tem percebido nas ações”, explica. “O embrulho está muito colorido, mas no recheio do bolo não está tão bom assim”, compara. >
Numa comparação com o Brasil, Luciana lembra que atualmente a Europa já coloca em prática diversas ações previstas em acordos que o Brasil também se comprometeu a cumprir, mas que ainda não saíram do papel por aqui. Um exemplo disso é o caso do mercado de carbono regulado. Por aqui, o mercado é voluntário e depende do interesse de corporações em cumprir agendas de sustentabilidade. “Hoje não temos muito em termos de efetividade de normas. Temos ideias de política, mas é política, tudo muito amplo. Temos um mercado voluntário de carbono, que vive uma grande crise de credibilidade”, explica. >
“Tudo o que todo mundo no setor produtivo vem fazendo é voluntário. É muito mais por interesses de mercado do que por obrigações”, ressalta.>
Se ligue! Dia 31 de julho, o Correio publicará um caderno especial sobre transição energética. Acompanhe detalhes no nosso site, jornal impresso, aplicativo e redes sociais. >
O Projeto Transição Energética é uma realização do Jornal CORREIO, com o patrocínio da Unipar e Tronox, apoio institucional da Braskem e parceria da AC Consultoria.>