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Miro Palma
Publicado em 10 de janeiro de 2018 às 05:08
- Atualizado há um ano
Se tem um esporte com a habilidade de circular pelos mais diversos níveis sociais é o futebol. Meninos e meninas de comunidades carentes e de coberturas luxuosas aprendem os primeiros passos com a bola desde cedo. Seu mercado também é um retrato do choque constante de realidades econômicas: jogadores de periferias veem sua vida mudar completamente e se tornam milionários. Garotos e garotas que antes eram marginalizados, de repente se tornam as mais valiosas vendas do mundo.
É bem verdade que não são todos, mas essa é uma característica do esporte. É graças a ele, também, que vemos pessoas de diferentes origens se sentarem juntas em arquibancadas ou mesas de bar para torcer pelo mesmo resultado: a vitória do time do coração. Quantas vezes você foi a um estádio e, durante os 90 minutos do jogo, olhou para o lado e observou alguém que não vê no seu dia a dia, e não por ser somente um desconhecido, mas por pertencer a um grupo social diferente? E quantas vezes abraçou essas pessoas após um gol? Ao redor das quatro linhas, há uma espécie de trégua socioeconômica que pertence à magia do futebol.
Por isso, me incomodou bastante o comentário de um torcedor do Vitória incomodado com uma provocação de uma turista que questionou a quantidade de torcedores “fardados” que ela encontrou em Salvador. A turista disse que em três dias na cidade viu “umas 40 pessoas usando a camisa do Bahia e só duas do Vitória”. Terminou a postagem instigando: “A rivalidade é real ou só existe um time na cidade?”.
Do alto do seu preconceito, um torcedor do rubro-negro justificou que esses torcedores do rival seriam “vendedores de picolé, de queijinho e limpadores de para-brisas nas sinaleiras”. Como se isso fosse um demérito à torcida do Bahia. O clube rebateu a crítica prontamente e passou os dias seguintes celebrando a diversidade da sua torcida, inclusive divulgando uma nova campanha de marketing nas redes sociais com a hashtag: “#DeBermudaECamiseta”.
Não é surpresa que ainda existam pessoas que se consideram superior a outras por questões tão vis quanto à condição financeira. Mas ver uma delas maculando justo essa característica tão positiva do futebol é de assustar. E não podemos esquecer que, tão democrático quanto o esporte, é, também, a proliferação de atitudes como essa. É muito comum ver torcedores do Bahia, por exemplo, achincalhando o rival por ter seu estádio em Canabrava, bairro da periferia de Salvador. E tão comum quanto isso é ver o inverso: rubro-negros ridicularizando tricolores por terem seu centro de treinamento em Itinga, também na periferia.
Para mim, é justamente por isso que o Bahia e o Vitória se tornaram parte tão importante de Salvador. Porque, mesmo tendo o primeiro nascido na Barra e o segundo no Corredor da Vitória, bairros nobres da cidade, migraram para os guetos e nessa transição criaram raízes nos corações dos mais diversos torcedores. E é isso que uma torcida de massa precisa: de gente. Gente rica, pobre, branca, negra, jovem e velha. Gente diferente e igual ao mesmo tempo.
Então, se você intolerante acha que está humilhando alguém com declarações desse tipo, fique esperto, pois a torcida que não tem entre seus membros vendedores de picolé, de queijinho e limpadores de para-brisas nas sinaleiras, não é uma torcida de verdade.
Miro Palma é subeditor de Esporte e escreve às quartas-feiras