Meu Bonfim: 'Achei turistas desavisadas que nunca viram lavagem na vida'

Repórter traz personagens inusitadas da festa, como o Gandhy 'em forma de guri'

  • Foto do(a) author(a) Nilson Marinho
  • Nilson Marinho

Publicado em 11 de janeiro de 2018 às 22:14

- Atualizado há um ano

. Crédito: Nilson Marinho/CORREIO

Já nos primeiros passos, saindo da Basílica Nossa Senhora da Conceição da Praia, no Comércio, o fiel sente o mormaço que castiga. O tempo não ajuda o penitente a avançar avenida adentro até chegar à Colina Sagrada, no Bonfim. Bom, mas quando se tem um compromisso, dificilmente se pede arrego. A palavra já foi dada, não podemos voltar atrás. 

Aqueles menos corajosos vão se perdendo no meio do caminho. Uns se acomodam à beira da sombra de alguma árvore do largo de Irmã Dulce, no bairro de Roma. Já os mais chegados a uma água dura vão amarrando o jegue em alguma birosca - são várias até lá. Também tem os isopores com os generosos 3 por R$ 5.

Leia também: Confira a nossa cobertura especial da Lavagem do Bonfim 2018

Mas o que leva essa gente a caminhar 8 km até o Bonfim? Seria mesmo a fé no santo? Cada um tem o seu motivo e ninguém briga por isso. Pelo contrário. Até a mais beata das beatas da irmandade que tem Oxalá como orixá de frente sente o espamo da energia que emana durante a festa - mesmo sem saber que o possui. 

Achadas e perdidas  As turistas goianas Cinthia Fagundes, 40 anos, e Javani Correia, 60, tinham acabado de desembarcar em solo baiano, depois uma longa viagem pelo litoral nordestino. Ao descer o Elevador Lacerda, o susto: "Por que tanta gente assim?". Não sabiam que se tratava da Lavagem do Bonfim, tampouco conseguiam compreender toda aquela mistura e sincretismo.  As turistas goianas Cinthia Fagundes, 40 anos, e Javani Correia, 60, não conheciam a festa (Foto: Nilson Marinho/CORREIO) Javani até conseguia resumir a festa. Cinthia, por sua vez, não compreendia nada. Sem problemas até porque, às vezes, nem nós baianos conseguimos explicar. Só sentir."É uma festa onde milhares de pessoas participam. Também sei que existe isso do sicretismo, né? Bem forte por aqui", resumiu Javani. Cinthia, assim que viu os Filhos de Gandhy entrar na Avenida Jequitaia, agarrou um dos integrantes pelo braço. Queria uma foto de recordação da Bahia e achou que o melhor registro seria ao lado de um dos Gandhys.

Filhos de Gandhy O integrante fisgado foi Ary Neves, 18. Um metro e meio. Com uma chupeta na boca - para fazer uma graça com a mulherada -, a impressão que se tem é que Ary se perdeu da mãe no meio da multidão. "Estou aqui porque gosto de sair no grupo. Meu pai, meus tios, todos desfilam. Venho também para brincar. Sou um pouco conhecido no bloco e não posso deixar de vir", conta Ary.   O Filho de Gandhy Ary Neves, 18, acompanhou o cortejo de chupeta - pra fazer uma graça (Foto: Nilson Marinho/CORREIO) Mas nem todos integrantes do bloco estão ali só pela diversão, como acontece, por exemplo, no Carnaval, onde eles costumam fazer sucesso com a mulherada. Os filhos de Gandhy Almir Santos Queiroz, 57, e Belício Cardoso, 40, mas comportados que na festa da carne, garantiram que o colar não iria sair do pescoço.

Não só porque o momento não é o mais apropriado, mas porque em casa tinha alguém esperando por eles. "Essa brincadeira só no Carnaval", brinca Belício.

Sufoco O momento de maior alívio é, também, o de maior sufoco. Isso porque à medida que os fiéis chegam ao Bonfim, as ruas vão se estreitando, e aí é cada um por si. Mão no bolso para não perder o celular e uma água para dar um gás antes de encarar o último obstáculo até chegar nas escadarias da Basílica Santuário do Senhor do Bonfim: a ladeira da Colina Sagrada.  Fiéis escutam o sermão nas escadarias da basílica (Foto: Nilson Marinho/CORREIO)

Antes do tradicional sermão do padre Edson Menezes, que abençoa seus filhos do alto da basílica, é preciso mandar pra longe a carga negativa. Isso pode ser resolvido com qualquer pai de santo que espreita os devotos durante todo o trajeto. "Venha tomar seu axé", grita um.

E já no final da manhã, com o trajeto concluído, há quem se renda à farra. Para isso, tem os paredões que se concentram na Baixa do Bonfim. Para quem não é de minha festa, se joga no chão mesmo, para descansar até criar coragem para voltar para casa. 

"Participo desde menininha. Esse é o momento que a gente descansa para o próximo ano. É muito longe o percurso e nem todas conseguem chegar", conta a baiana Marinalva Alves dos Santos, 50.  Depois de caminhar 8 km até a Colina, as baianas descançam na lateral da basílica (Foto: Nilson Marinho/CORREIO)