O brasileiro só é solidário no câncer

Por Rogério Menezes

  • D
  • Da Redação

Publicado em 21 de outubro de 2017 às 23:00

- Atualizado há um ano

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Preocupamo-nos mais com os nossos cânceres e suas derivações e menos com as nossas psicoses e seus sucedâneos. Não deveríamos. Ambos trazem efeitos devastadores e deletérios para o doente e para os que o cercam – mas desperta no ‘outro’  sentimentos díspares: a doença física santifica; a psíquica, demoniza.  Ninguém nasce canceroso. Nem psicótico.  Mas no imaginário popular, o canceroso ou o portador de qualquer outra doença letal é o anjo, a vítima, a criatura a ser cuidada; o psicótico, o diabo, o algoz, a criatura a ser exterminada. Donde se pode levar à seguinte aberração: a preferência inconsciente pelo câncer. Somos os patrocinadores dos nossos cânceres e das nossas psicoses. O zeitgeist ora em curso, na voraz saga de saciar o corpo e minar a alma, de privilegiar a usura e desprezar a compaixão – é a gênese de todos os nossos desatinos mentais e corporais. Erige-se halo de santidade em torno  do enfermo prostrado na cama do hospital. Forma-se nuvem de espanto diante do homem que, de metralhadora em punho, extermina dezenas do alto de um prédio, e depois se mata. Compreensível, mas ilógico. [Viver – e respirar e digerir física e psicologicamente todas as porcarias e mazelas  que produzimos e incentivamos, e que, num ciclo letal, comemos e incorporamos – provoca e provocará todos os nossos cânceres e psicoses – e aqui não usamos a doença como metáfora]. A sociedade – contemporânea e não; trata-se de prática perversa secular – é mais, digamos, receptiva às doenças físicas do que em relação aos males mentais.  A criança com o braço quebrado é mais paparicada do que aqueloutra que vive tristonha pelos cantos. E é na infância que todos os infernos se cristalizam. Há desleixo fatal no Brasil em relação aos desempregados, este exército invisível de possíveis psicóticos e cancerosos – o papa Francisco, esse sumo pontífice improvável,  clamou por nós em discurso proferido no Vaticano em 12 de outubro.   O desempregado, claro, pode somatizar e autogerar cânceres e outras doenças letais. Mas, basicamente, é potencial doente mental, sociopata em processo, ovo na barriga da serpente – lembremos com pesar do que o lumpesinato alemão, apodrecendo na sarjeta em condições abjetas, foi capaz de gerar liderado pela inominável besta fera da hora. [Parágrafo confessional:  Não tenho doença física crônica. Mas  vivo desempregado há 15 anos, desde os 48 – e não estou só: cerca de 14 milhões de brasileiros vivem este mesmo destino desatinado. Eu poderia ter somatizado – a maioria dos desempregados o faz. Ou enlouquecido, a maioria dos desempregados flerta com a loucura. Na esquina da finitude, carrego forte impressão para o túmulo:  o brasileiro – parentes e amigos eventualmente incluídos – é mais solidário nos cânceres que nos desempregos]. [A propósito, viva Otto Lara Rezende, o genial escritor e jornalista que cunhou a sentença que parafraseio no título deste texto: o mineiro só é solidário no câncer! &ndash ; frase que li pela primeira vez na infância].