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Mario Bitencourt
Publicado em 11 de março de 2018 às 04:00
- Atualizado há 3 anos
Rotulado de forma preconceituosa como preguiçoso por parte dos grupos hegemônicos da sociedade, o índio baiano não só produz alimentos no território onde habita como os vende em feiras locais e ainda gera emprego no campo.>
É o que mostra o Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgado esta semana, após pesquisa realizada em 23 dos 33 territórios indígenas da Bahia, entre regularizados e ainda em estudo.>
Desenvolvido entre outubro de 2016 e setembro de 2017, o levantamento mostra que 3.689 áreas de produção agrícola indígena ocupam o equivalente a 74 mil campos de futebol ou 22% dos pouco mais de 327 mil hectares de área indígena no Estado.>
A maioria das áreas de produção, segundo o IBGE, são coletivas e nelas há plantações de banana, mamão, feijão, goiaba, cacau, cupuaçu, seringa, milho, mandioca, caju, pimenta do reino, urucum, café, coco e a criação de gado.>
Por estar ainda finalizando a pesquisa, o IBGE ainda não disponibilizou as informações sobre a quantidade de produção nessas áreas indígenas, que vêm se expandindo desde 2009, quando os índios intensificaram na Bahia as ações de “retomada”. >
Chamada de “invasões” por fazendeiros, as retomadas são ocupações de terra que os índios fazem como forma de reocupar o território supostamente de habitação tradicional indígena. Foto: Divulgação/IBGE Área de conflito Um dos locais onde os índios mais expandiram território, devido as ações de retomada, é na área de 47,3 mil hectares reivindicada como de habitação tradicional da etnia Tupinambá, entre Una, Buerarema e Ilhéus, no sul da Bahia.>
Delimitada pela Fundação Nacional do Índio (Funai), a área dos Tupinambá está em regularização no Ministério da Justiça desde 2009, quando houve a delimitação do território supostamente indígena, acirrando disputas de terras na região.>
Há cerca de 600 fazendas na área que os índios reivindicam. A Funai estima que cerca de 80% do território delimitado esteja com indígenas, o que resultou no abandono das fazendas por parte dos proprietários.>
Em poder das fazendas e da estrutura já montada, os indígenas buscaram meios para sobreviver nessas áreas, seja aproveitando o que restou da propriedade rural ou promovendo iniciativas de produção independente de alimentos.>
Na maioria das fazendas, foi mantida a produção de cacau, um dos principais itens cultivados pelos índios Tupinambás, segundo o IBGE. O principal local de produção e onde se centraliza a organização do que é feito na área indígena é a Serra do Padeiro.>
Centro da disputa entre Tupinambás e fazendeiros, a Serra do Padeiro “é hoje muito mais organizada que muitas propriedades rurais do sul da Bahia”, diz a agente de recenseamento do IBGE Diana Silveira e Pereira.>
“Ficamos surpresos com a organização da produção deles, algo que jamais imaginei encontrar. Das roças de cacau que visitamos, a deles foi a mais limpa que encontramos”, ela contou.>
Toda a amêndoa de cacau é comercializada pela comunidade indígena, informou a índia Magnólia Jesus da Silva, liderança indígena dos Tupinambás. Ela é irmã do cacique Rosivaldo Ferreira da Silva, o Babau, líder maior dos Tupinambás e não localizado pelo CORREIO.>
Entre os Tupinambás, as áreas de produção agrícola são divididas em “troncos familiares”. São 24 “troncos” no total, cada um com 100 a 120 pessoas. Eles têm produção baseada na agroecologia, basicamente com produtos orgânicos. Arte: CORREIO Mão de obra Devido a necessidade de produzir nas fazendas ocupadas por eles, os índios tiveram a necessidade de contratar ex-funcionários das mesmas para realizar os serviços. “Eles nos procuram para pedir serviço e trabalham como diaristas. Ganham de R$ 80 a R$ 120 por dia, a depender do serviço que fazem”, contou a índia Magnólia, segundo a qual cerca de 30 trabalhadores diaristas atuam na Serra do Padeiro.>
Perto dali, reserva indígena Caramuru Catarina/Paraguaçu, indígenas da etnia Pataxó Hã-hã-hãe vivem realidade pouco diferente. Depois de conquistar a terra indígena em um processo que durou mais de 30 anos para ser julgado no Supremo Tribunal Federal (STF), eles assumiram as fazendas de gado e cacau da região de Itaju do Colônia, Camacan e Pau Brasil.>
Os recenseadores do IBGE dizem ter notado muito pasto abandonado na área indígena e reclamação por parte dos índios sobre nascentes que secaram devido a atividade intensiva da pecuária.>
O antropólogo Luiz Augusto Sampaio, presidente da Associação Nacional Indígena (Anai) destaca, contudo, que a criação da reserva dos Pataxó Hã-hã-hãe “favoreceu à circulação de dinheiro nas cidades próximas as comunidades indígenas.>
“Os índios passaram a abastecer as feiras locais com a produção nas fazendas e movimentaram a economia local. O fazendeiro que antes lucrava, ia gastar o dinheiro fora. Já os índios, o que eles ganham na cidade com a venda da produção é todo gasto na própria cidade, fazendo com que o dinheiro circule”, comentou.>
Para o IBGE da Bahia, a produção indígena “está bem condizente com o perfil desses locais, mais familiar e voltada para a subsistência. Mas, por isso mesmo, de grande importância para essas comunidades.”>