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Larissa Almeida
Publicado em 9 de setembro de 2025 às 19:37
Um total de 152 pessoas estiveram na área de check-in B do Aeroporto Internacional de Salvador para realizar o embarque rumo a um sonho: desfilar na passarela mais negra do Brasil. Para tanto, modelos e aspirantes não precisaram entrar em nenhum avião, mas lançaram mão do equilíbrio, orgulho e carisma para conseguir o carimbo para o Afro Fashion Day (AFD) durante a primeira seletiva, realizada nesta terça-feira (9). Com direito à plateia, o aeroporto mudou a dinâmica para receber os candidatos, que deram uma prévia dos talentos que estarão presente no evento de beleza negra, marcado para o dia 1º de novembro. >
Primeira seletiva do Afro Fashion Day 2025
Vindas de Cajazeiras IV, a dona de casa Telma Conceição, de 57 anos, e a editora Vanusa de Oliveira, 25, mãe e filha, foram juntas tentar um sonho que foi deixado para depois durante muitos anos por conta da rotina desafiadora. Inicialmente, mesmo querendo ser modelo desde a infância, Telma não acreditou que era esse o seu caminho. Depois, veio a primeira filha, Vanessa, e, anos depois, Vanusa, que impôs uma demanda a mais: buscar tratamento para a deficiência intelectual e múltipla, que comprometeu seu desenvolvimento por 18 anos. >
Enquanto levava a filha para as terapias ocupacionais, reforçava o tratamento em casa com estímulos cognitivos e motores – uma vez que a jovem tinha dificuldade para falar e não andava –, Telma também compartilhou o amor pelas passarelas. Isso foi o suficiente para que Vanusa quisesse ser modelo. “Esse é o meu maior sonho”, afirma a jovem, que hoje é escritora, poetisa e escritora. >
Juntas, mãe e filha já desfilaram em um concurso de beleza no ano passado e, agora, tentam a chance de serem vistas no AFD. “Eu sempre tive o sonho de subir em uma passarela e eu passei tudo isso para Vanusa. Quando subi em uma pela primeira vez, tive uma experiência maravilhosa. Hoje, estar aqui já é uma vitória, porque vou competir por igual, sem diferença nenhuma por idade ou o que quer que seja. Estar com minha filha, então, torna isso aqui um sonho dobrado”, diz Telma. >
A jovem Vera Indira Argolo, 25 anos, por sua vez, foi tentar aprovação para desfilar no Afro Fashion Day pela terceira vez consecutiva. Ela conta que, por trás da persistência, está a vontade de representar Itinga, mostrar para o filho Cristian Miguel, de três anos, que há caminhos potentes para pessoas negras e provar para si mesma que vale a pena estar viva. >
“Por muito tempo ouvi, e ouço até hoje, que sou mãe, gorda, fora do padrão, baixinha e que meu cabelo é muito volumoso para ser modelo. Se eu passar, vai provar que valeu a pena os três anos de persistência. Estou na moda há dois anos e entrei nesse caminho logo depois de uma tentativa de suicídio por problemas familiares. Tenho uma mãe viciada em crack, eu já quase acabei com minha vida, mas agora estou aqui porque acredito que sou mais do que me disseram que sou desde criança”, ressalta. >
Mesmo convicta da própria beleza, a jovem Micaela Vitória Santos de Almeida, 23, estava tentando controlar a respiração antes de desfilar para os jurados. À medida que a fila diminuía e chegava a sua vez, as mãos foram ficando geladas. O nervosismo, segundo ela, estabeleceu-se em razão da ansiedade e do peso do sonho que carrega nos ombros. >
“Essa seletiva é um embarque para os meus sonhos. Eu estava tentando me convencer que o ‘não’ eu já tinha e que deveria ir em busca do ‘sim’. Eu vim do Cabula até aqui e percebi, quando cheguei lá na frente, que não tinha monstro nenhum. Fui melhor do que imaginei. Hoje, ter essa oportunidade de mostrar que nós, negros, somos lindos, podemos e somos capazes é o que mais me faz querer estar aqui para incentivar outras pessoas também”, destaca. >
Fábio Reis, coordenador do AFD, celebrou o primeiro dia de seletiva e diversidade do público. “Aqui tem uma enorme diversidade de pessoas, de corpos, de gêneros e tons de pele negra. Isso é muito importante porque conseguimos conceber um espaço de tamanha visibilidade para pessoas que tiveram o espaço na moda negado. Quando falamos de beleza, falamos de pertencimento, porque não crescemos sabendo que éramos belos, mas aprendemos, foi uma conquista. Então, espero que muita gente se veja representado e celebre a presença na passarela mais negra do Brasil”, pontua. >
Fernanda Barreto, jurada, hair stylist, visagista e analista fiscal do Aeroporto Internacional de Salvador, comemorou a escolha da seletiva em um espaço caracterizado pelas conexões. “É um ato político ser negro no Brasil e ver um aeroporto internacional promover um evento como esse é, sem dúvida, digno de se ter muito orgulho. É muito bonito ver tantas pessoas negras empoderadas e tendo a oportunidade de mostrar seus corpos diversos”, exalta. >
A próxima seletiva do AFD será realizada na próxima terça-feira, dia 16 de setembro, na Casa Vale do Dendê, no Pelourinho. O horário será o mesmo, das 13h às 17h. Podem participar pessoas acima de 16 anos, sem limite de idade. >
O Afro Fashion Day 2025 é uma realização do jornal Correio com patrocínio da Avon e da Neonergia, apoio institucional da Prefeitura Municipal de Salvador e Sebrae e apoio do Salvador Bahia Airport, Shopping Barra e Wilson Sons. >