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Wladmir Pinheiro
Publicado em 8 de novembro de 2012 às 09:06
O rio das Tripas corre a cidade pelo subterrâneo, da hora que nasce, na Barroquinha, até desaguar no igualmente poluído rio Camurujipe, na altura da Rótula do Abacaxi. O apelido foi dado porque ficava ao lado do antigo matadouro da cidade e, a contragosto, recebia as carcaças e vísceras dos animais abatidos. Fedia tanto que há quase 200 anos foi canalizado para dar lugar à Baixa dos Sapateiros. Até hoje, quando resolve dar lembrança, na época das cheias da chuva, é possível sentir o mau cheiro.>
O destino do rio das Tripas é o mesmo de boa parte dos rios de Salvador. Como em muitas metrópoles, os rios da capital baiana foram contaminados e poluídos em função do crescimento desordenado e do processo de industrialização cada vez mais acentuado. Ligações clandestinas de esgoto e lixo são os grandes vilões. Sem condições mais de uso por conta do grau elevado de poluição, os rios foram sendo transformados em canais para o escoamento do esgoto da cidade.>
“Esta é uma forma perversa da cidade cuidar de suas águas, sejam elas vindas do rio, chuva ou do mar”, defende a socióloga Maria Elisabete Santos. A pesquisadora é uma das organizadoras do livro O Caminho das Águas em Salvador, que faz um levantamento histórico de como a cidade passou a tratar os rios como um obstáculo ao seu crescimento.>
Na próxima terça-feira, o seminário de Sustentabilidade do Fórum Agenda Bahia terá como tema O Valor da Água. Especialistas vão debater soluções para melhor aproveitamento dos recursos hídricos e os efeitos do clima no estado da Bahia.>
Em Salvador, a falta de preocupação ambiental tornou popular obras de canalização dos rios, como as executadas na Avenida Centenário, quando foi tapado o rio dos Seixos, e a atual obra no Rio Lucaia, na avenida Vasco da Gama, ambas em Salvador.>
“É preciso acabar com essa ideia de que ali passa um canal de esgoto. Não, passa um rio vivo. O fato de encapsular o rio pode fazer parecer que se está resolvendo o problema, mas está apenas tirando de vista da população. Esse esgoto vai correr, mesmo debaixo da terra, e vai chegar em alguma praia da orla da cidade”, afirma o pesquisador e engenheiro ambiental Luis Roberto Moraes.>
A solução nem precisa vir do outro lado do globo, como Seul, na Coreia do Sul, onde pontes e estradas foram inteiramente destruídas para fazer brotar de novo o córrego Cheong-Gye, que era canalizado. “No futuro, nossos netos e filhos vão fazer o mesmo. Irão gastar bilhões para destamparem os rios”, prevê Moraes. Mais para cá do oriente, cidades como Londres e São Paulo têm demonstrado que a revitalização dos rios exige menos investimento do que boa vontade.>
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Recuperação Na capital inglesa, o rio Tâmisa foi completamente despoluído. Já o rio paulista segue em um intenso processo de limpeza. Estações de tratamento foram instaladas e, atualmente, 82% do esgoto doméstico de São Paulo que antes era despejado no rio, hoje é coletado por tubos. Apesar disso, apenas 290 km após passar pela capital paulista, o Tietê corre limpo outra vez.>
O Rio de Janeiro corre contra o tempo para purificar as poluídas águas da Baía de Guanabara. Com a Olimpíada de 2016, o estado terá de purificar a baía para as competições de vela. O projeto de limpeza, que já gastou mais de R$ 1 bilhão, vem se arrastando desde a Eco-92. A importância de se preservar a saúde dos rios e de se cuidar da rede de esgoto tem seus afluentes na economia.>
“As empresas hoje estão preocupadas em cuidar dos seus afluentes e querem saber, antes de se instalarem, o que será feito do lixo que elas produzem. Nesse sentido, ter uma rede de esgoto que proteja os mananciais de água é determinante para o fechamento de um negócio”, explica o prefeito de Camaçari e presidente da União dos Municípios da Bahia (UPB), Luiz Caetano. O município recebeu R$ 163 milhões para recuperação da Bacia do Rio Camaçari, como parte da segunda etapa do Programa de Acelaração do Crescimento (PAC).>
O maior problema para a preservação dos rios,porém, ainda margeia a falta de educação ambiental da população. Salvador conta hoje com 83% de cobertura de rede de esgoto, os 17% restante são ligações clandestinas que vão parar nos rios e nas praias da cidade. “Nem todo mundo entende a importância de se ligar à rede coletora de esgoto para a saúde dos rios e da qualidade de vida”, alerta o superintendente de Esgotamento Sanitário da Embasa, Cantídio Duarte.>
Do lixo jogado nos rios, 35% é jogado por moradores da cidade Em torno de 35% do lixo dos rios é jogado diretamente pela população da cidade. A prova disso pode ser vista durante a observação da passagem do rio Camarajipe pela frente do Terminal Rodoviário de Salvador. Embalagens de salgadinho, sacos plásticos, potes de iogurte e muitos fios de cabelo lisos e crespos descem unidos junto com a água escura.>
Parte do lixo fica agarrada à vegetação das margens enquanto a outra parte evolui descendo o rio até chegar ao mar na altura do Costa Azul. Receptor dos esgotos sanitários de parte das casas dos bairros vizinhos, o rio Camarajipe apresenta um dos piores índices de poluição.>
Os rios menos poluídos são Cobre e Ipitanga, este último é afluente do rio Joanes, um dos abastecedores da água potável que será consumida pelos habitantes da capital. O motivo? Estão mais afastados do bolo de gente do centro da cidade e, por isso, mais intactos.>
Rio Tâmisa: de poluído a uma das joias da Rainha da Inglaterra Rio Tâmisa, em Londres, já foi chamado carinhosamente de ‘Grande Fedor’. No Verão de 1858 - dez anos depois do início da canalização do Rio das Tripas, na Barroquinha -, o mau cheiro vindo do Tâmisa era tão forte que as sessões do Parlamento inglês tiveram que ser encerradas.>
Desvio do curso do esgoto que antes era jogado nele e instalação de estações de tratamento transformaram o rio em uma das muitas joias da Rainha. Quando a tocha olímpica cruzou o Tâmisa para dar início às Olimpíadas de Londres, em julho, ele já era um rio limpo.>
Para reduzir a poluição dos rios e mares em Salvador, o esgoto é levado até as estações de tratamento pela rede coletora e, em seguida, é lançado no mar a 2.350 metros da costa, através do emissário submarino do Rio Vermelho, ou disperso a 45 metros de profundidade pelo emissário do Costa Azul.>
Seminário: confira a programação O segundo seminário do Fórum Agenda Bahia será aberto, às 9h, com um dos mais influentes ambientalistas do país, Sergio Besserman. Terá também como palestrantes o diretor de Desenvolvimento Sustentável da Braskem, Jorge Soto, o gerente executivo de Responsabilidade Social da Petrobras, Armando Tripodi, e o diretor do Instituto Futura, José Luiz Orrico. Mais informações sobre o seminário e inscrições no site agendabahiacorreio.com.br.>