Cidades devem explorar mais o potencial do lixo para virar dinheiro

Prefeitura quer aumentar reciclagem de resíduos de 10% para 46% e injetar R$ 2,5 bi na economia de Salvador

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  • Monique Lobo

Publicado em 16 de novembro de 2014 às 16:23

- Atualizado há um ano

Com uma população estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2.902.927 pessoas, Salvador produz, em média, 70 toneladas de resíduos sólidos por mês. Mas apenas 10% desse total é reciclado. Em palestra no Fórum Agenda Bahia, o secretário municipal de Cidades Sustentáveis, André Fraga, anunciou que a prefeitura pretende aumentar esse alcance para 46,37%, e reciclar 34.635,24 toneladas de lixo por mês. Com a nova estimativa, Salvador teria R$ 2.464.875,85 por mês injetados em sua economia a partir do lixo.

Para alcançar a meta, André Fraga explicou que a prefeitura vai realizar um programa de coleta seletiva, que começa a ser implementado ainda este mês, com o objetivo de transformar resíduos sólidos em dinheiro. “Não temos políticas públicas de coleta de lixo. Com a nova proposta de coleta seletiva vamos fazer com que o resíduo vire dinheiro”, explicou Fraga.Secretário André Fraga divulgou que a prefeitura pretende aumentar reciclagem de lixo para 46% (Foto: Arisson Marinho/CORREIO)Coleta

O novo programa vai ser baseado em três pilares: a demanda reprimida, os catadores avulsos e as 18 cooperativas que existem atualmente na cidade. “Identificamos que muita gente já faz a separação em casa, mas não tem um espaço para deixar. E também tem as ações pontuais com os catadores e as cooperativas”, apontou.

As estratégias do programa também estão divididas em três etapas. A primeira delas, que já começa a ser executada a partir da segunda quinzena de novembro, compreende a criação de 200 pontos de entrega de resíduos na cidade. O material recolhido vai ser direcionado para cooperativas para que elas possam ampliar sua renda e ter uma participação mais ativa.

“Essa etapa começa a trabalhar a mobilização social. Já temos até parcerias com empresas, como a Coelba, por exemplo, que vai colocar alguns desses pontos para que as pessoas possam ter descontos na sua conta de energia”, revelou.

A segunda estratégia vai responsabilizar os grandes geradores de resíduos para que viabilizem a coleta, transporte e destinação do próprio lixo. Segundo o secretário, essa etapa começa a valer a partir de 1º de janeiro de 2015.

A alternativa oferecida pela prefeitura é que as empresas implementem programas internos de coleta seletiva e reduzam a produção de lixo para até 300 litros por dia. Assim, podem voltar a contar com a coleta pública. “Os grandes geradores vão ter duas opções: ou fazem toda a logística do recolhimento do seu lixo ou implementam programas de coleta seletiva”, argumentou.

Em casa

A terceira etapa é o grande desafio do programa: a coleta seletiva porta a porta. O objetivo dessa estratégia é transformar o recolhimento de lixo em uma política de coleta seletiva semanal. “Vai ser como já é feito com o lixo comum, as pessoas terão o dia específico para colocar o material reciclável para o caminhão passar e pegar”, explicou o secretário.

Essa etapa do programa é a que está menos adiantada, com previsão para o início da implementação em 2016. “Estamos finalizando o orçamento e buscando financiamento, porque é um projeto complexo de logística”, disse Fraga.

O secretário falou que a prefeitura optou por gastar mais tempo no planejamento para poder identificar as demandas da cidade e as melhores formas de solucioná-las. “O contexto da coleta seletiva de Salvador é outro, mas a nossa meta é chegar ao nível das cidades europeias. Lá, se o cidadão não separa o lixo, ele pode ser multado em € 200”, contou.

E o exemplo vai ser seguido por aqui. O secretário confirmou o anúncio feito pelo prefeito ACM Neto, durante o Agenda Bahia, de que, a partir de 2015, quem for flagrado jogando lixo na rua será multado. “A Semop [Secretaria Municipal de Ordem Pública] é que está operando isso com a Limpurb. Vão ter agentes nas ruas que vão multar as pessoas”, adiantou.

Só 1% do lixo no aterroBoras, na Suécia, é considerada uma cidade sem lixo. Só 1% dos resíduos vai para depósitos (Foto: Divulgação)Antes da apresentação do secretário André Fraga, a chefe de Mercados Emergentes da SP Technical Institute of Sweden, Jessica Magnusson, apresentou o modelo sueco de gestão sustentável dos resíduos sólidos. Na cidade de Boras, 99% do lixo é reaproveitado, e apenas 1% vai para os depósitos de resíduos.

Esse resultado só é possível atualmente porque houve investimento há mais de 30 anos e um planejamento na direção certa. “Não pensem que para vocês isso será impossível. Para a gente também não foi fácil. É preciso começar”, adianta Magnusson.

Do material reaproveitado em Boras, quase 50% é utilizado na produção de energia, cerca de 20% para reciclagem biológica (que se transforma em biogás) e 30% para a reciclagem de materiais. “Uma parte vai para os combustíveis, mas é combustível de uma forma boa, que contribui muito pouco para a poluição do ar”, disse Jessica.

A cidade sueca está acima da média europeia que, em 2010, reciclou aproximadamente 60% do lixo produzido. A cidade de Freiburg, na Alemanha, por exemplo, consegue reaproveitar 69% dos resíduos, como informou o gerente da Academia de Inovação de Freiburg, Steffen Ries. Se Boras for comparado aos Estados Unidos, a diferença é ainda maior, já que a potência global jogou, em 2010, mais de 50% dos seus resíduos sólidos em aterros.

Para o secretário municipal de Cidades Sustentáveis, André Fraga, os exemplos são inspiradores, mas precisam ser vistos com cautela. “Eles começaram na década de 60 e em 90 já estavam multando as pessoas, responsabilizando o cidadão pelo lixo. Estamos começando. Precisamos beber dessas fontes. Mas Salvador está em outro contexto e passou por um momento difícil”, disparou.

Para o alemão Steffen Ries, o mais importante é dar o primeiro passo. “Tudo leva tempo, mas é necessário ter paciência”, concluiu.

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