Com baixo investimento, novos empreendedores baianos têm faturado milhões de reais

Boas ideias aliadas à tecnologia permitem que empresas criem produtos com ajuda de incubadoras e universidades

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  • Thais Borges

Publicado em 18 de outubro de 2015 às 09:56

- Atualizado há um ano

Em 1943, quando Ary Barroso compôs Terra Seca, falava de um homem que não podia mais trabalhar por conta da estiagem. Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, cantou pedindo ajuda a governantes para salvar o povo nordestino da falta de chuva, em Vozes da Seca. Hoje, mais de 70 anos depois, a seca deixou de ser apenas inspiração na música. Na Bahia, ela tem servido de estímulo para negócios inovadores.Quando o estudante de Engenharia Mecânica Matheus Ladeia, 22 anos, viu seu pai, produtor rural, perder 200 animais, devido à seca que afetou a Bahia em 2012, decidiu tomar uma iniciativa. “O prejuízo foi de R$ 300 mil”, lembra. Em 2013, diante do problema – e da vontade de resolvê-lo – teve a ideia que mudou sua vida: fundou a startup Pastar, uma plataforma online que hospeda negócios agropecuários e que já possibilitou transações de até R$ 20 milhões. Foi a mesma seca que fez com que o estudante Iago Santos, 19, que faz o 4º ano em Eletromecânica no Instituto Federal da Bahia (Ifba), em Jacobina, no Centro-Norte do estado, criasse um sistema de reaproveitamento de água para ser instalado nas casas da região, com baixo custo.  Matheus Laldeia é um do fundadores da Pastar, que já faz transações de até R$ 20 milhões (Foto: Evandro Veiga/Correio) “O que move os jovens hoje em dia é a dificuldade. Sempre temos crise de água, então precisamos dar um jeito de resolver esse problema. Em 2012, chegamos a ficar em estado de emergência aqui”, conta o estudante, que estuda para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Por cerca de R$ 200, é possível adquirir o sistema, incluindo um cartão eletrônico que identifica quando há água (usada) na máquina de lavar. Em vez de ser descartada, a água é utilizada na descarga do banheiro. Depois de um ano de testes, ele está patenteando o sistema. “Agora, estou em busca de um patrocinador”. Rede de conhecimentoComo Matheus e Iago, nos últimos anos, não faltaram iniciativas de baianos desenvolvendo soluções e projetos inovadores – e não só para lidar com as adversidades da estiagem. “Temos hoje uma rede de produção de conhecimento que permite esses esforços de inovação”, diz o secretário estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação, Manoel Mendonça. O que acontece, de acordo com o secretário, é que existe um ciclo de inovação: começa com a criação de conhecimento, passa pela utilização desse conhecimento até chegar à produção de resultados efetivos. “A inovação é o último passo. O desafio do governo é fazer esses atores se comunicarem”, completa.Por isso, é importante investir em incubadoras e aceleradoras - organizações que ajudam empreendedores a desenvolver seu negócio. No Senai Cimatec, há projetos numa incubadora desde 2013, e seis projetos na aceleração, incluindo a Pastar. “Existe uma necessidade de Salvador e da Bahia de gerar novas empresas que tenham condições de competitividade”, diz o gerente do Cimatec Flávio Marinho, responsável pelo programa de empreendedorismo e inovação. A Pastar passou a fazer parte da incubadora depois de ser aprovada no Programa Startup Brasil, do governo federal, em 2014. Hoje, a empresa que começou  apenas com aluguel de pasto se tornou um marketplace pecuarista. “O balanço é muito bom, mas aceleradora nenhuma faz mágica. Ela está lá para dar suporte a bons empreendedores”, afirma Matheus Ladeia. Além disso, ele reforça que a vida das startups não é fácil. “Às vezes fica um pouco bonito demais, mas é uma luta diária. É muito pior do que montar uma padaria, porque você precisa mudar o conceito”. GamesAs universidades também podem estimular esse processo. Na Uneb, a professora Lynn Alves coordena o grupo de pesquisa Comunidades Virtuais, que começou a produzir games educativos em 2006. Desde então, já são 12 jogos. “O mercado de games aqui ainda é muito incipiente. O do Brasil está em expansão, mas o da Bahia é tímido. Faltam programas que possam contribuir para que as empresas se consolidem nesse mercado”. Professora da Uneb, Lynn Alves produz games educativos (Foto: Marina Silva/Correio) Atualmente, o grupo também está ligado a uma especialização em Game Design na Uneb. No próximo ano, a Bahia também deve ganhar o primeiro curso tecnológico em jogos digitais em uma universidade - também na Uneb.Investimentos em startups crescem no estadoPara que cada vez mais baianos se tornem inovadores, um bom incentivo é mostrar os exemplos que tiveram sucesso, segundo o gerente do Senai Cimatec, Flávio Marinho, responsável pelo programa de empreendedorismo e inovação. “Passamos um tempo com pouco movimento empreendedor na Bahia, mas, nos últimos dois, três anos, começamos a fazer uma nova dinâmica. Hoje, o que a gente tem tentado fazer para motivar nossa juventude é dar exemplo de jovens que até com poucos recursos financeiros conseguiram superar desafios”, explica. Atualmente, o Senai conta com 27 startups no programa de inovação. Além disso, eles promovem encontros mensais para que qualquer pessoa  apresente suas ideias. “É um momento que as pessoas podem se apresentar. Criar parcerias, encontrar investidores, um possível sócio... No último ano, movimentamos mais de mil pessoas”. Em julho, o Sebrae Bahia também lançou seu programa de startups. Até dezembro, devem ser investidos R$ 220 mil em um projeto piloto para 20 empresas. “Hoje, a gente tem 60 startups mapeadas na Região Metropolitana de Salvador (RMS). Ano que vem, devemos ter um investimento de R$ 2 milhões”, conta o gerente da unidade de acesso à inovação e tecnologia do Sebrae, Leandro Barreto. “Existe um movimento de jovens empreendedores que estão buscando plataformas para se consolidar. Esse era um público que procurava Sebrae de forma tímida, mas, como essa demanda aumentou e se ampliou, percebemos que precisávamos aumentar um atendimento específico". Novos negócios criam conexões entre cidades O caso da Guell, outra das empresas que estão na Aceleradora do Senai Cimatec, é um tanto curioso. A empresa é registrada em Salvador, os fundadores são cariocas e o produto - um híbrido entre motos e bicicletas elétricas - será produzido em São Paulo. Dois dos três sócios trabalhavam como engenheiros na fábrica da Ford, em Camaçari. 

“Pensamos em uma moto sem marcha. Então, pensamos em fazer elétrica. Então, decidimos: ‘vamos fazer com peças de bicicleta’, porque era justamente para não usar uma rede de concessionária, mas ter uma rede de manutenção em qualquer parte do país”, explica um dos fundadores e sócio-diretor da Guell, Yuri Berezovoy. 

Segundo ele, é uma moto eletrônica que funciona dentro da legislação de bicicleta elétrica. Depois de três anos, a Guell passou para os cuidados do Senai Cimatec. “Olhamos na UFRJ, na USP, mas a gente já tinha nossa empresa aqui.  A gente viu esse movimento todo do Senai acontecendo, Salvador correndo atrás de levantar a bandeira e precisando de bons projetos, querendo mostrar que quer fazer. Decidimos que era ali que a gente queria ficar”, diz.

Ao todo, já foram levantados quase R$ 1,5 milhão, incluindo investimentos da Fapesb. A primeira linha da Guell deve ser lançada ainda esse ano. Serão cerca de 30 unidades - cada uma será vendida por até R$ 5,5 mil.