“Depois das fintechs, as pessoas não toleram mais pegar fila em banco”, destaca Pedro Englert

Englert é co-fundador da NVA Capital, gestora especializada em investimento em startups, entre elas as fintechs Vortx, Warren, FitBank, Monkey, Conta Simples e Realize

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  • Da Redação

Publicado em 11 de outubro de 2022 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação

Além de trazer novos modelos de negócios, a tecnologia exige novos comportamentos e maneiras diferentes de atuar. Esta foi a grande lição aprendida por Pedro Englert, em sua passagem pelo Vale do Silício. "As fintechs (startups financeiras digitais) têm esse olhar muito forte para o cliente e tecnologias para simplificar e alavancar ações, baratear custos", explica. Entusiasta de tecnologia, inovação, finanças e novos mercados, o gaúcho Pedro Englert acumula experiências e funções. Foi sócio por 11 anos da XP investimentos, uma das referências de empresas do ramo financeiro no Brasil, além de CEO do portal InfoMoney e da Startse, escola de negócios voltada para a nova economia, com escritórios em São Paulo, Vale do Silício, Miami e Portugal, onde hoje atua como presidente do conselho.

Quem é Englert é co-fundador da NVA Capital, gestora especializada em investimento em startups, entre elas as fintechs Vortx, Warren, FitBank, Monkey, Conta Simples e Realize.

Mas essa lista não dá conta da versatilidade empreendedora de Englert, que é formado pela UFRGS, pós-graduado pela USP e pela Singularity University. Ele ampliou a gama de investimentos e hoje é sócio é sócio da marca de Tênis Yuool e de vinho Lovin. Em comum, as duas são DNVBs, conceito de empresa responsável pela produção, distribuição e entrega próprias.

Pedro Englert também é membro do conselho da Associação Brasileira de Fintechs e da Júnior Achievement, onde também atua como vice-presidente. Englert é um dos palestrantes do Agenda Bahia 2022, e vai participar do painel “Protagonismo da Juventude para Moldar o Futuro”.

Correio*: Como foi sua trajetória profissional e o que te levou para o mundo das fintechs?Pedro Englert: Eu fui, por bastante tempo, sócio da XP Investimentos. Eu sou de Porto Alegre, sou gaúcho, fiz parte do primeiro time da XP, onde fiquei 11 anos e foi lá onde começou minha trajetória no mercado financeiro. Lá vivi as revoluções de tecnologia e tudo mais. Quando saí da sociedade da XP, em 2016, fui com outros ex-sócios e amigos para o Vale do Silício (na Califórnia, EUA) e ali comecei a entender como a tecnologia trazia novos modelos de negócios e exigia da gente novos comportamentos e, consequentemente, novas formas de atuar. Eu e os outros ex-sócios quisemos voltar para o mercado no Brasil e empreender com empresas que estavam com essa pegada de tecnologia, não só melhorias incrementais. Então começamos a investir em startups para tentar implementar essas mudanças que a gente viu. A gente conseguiu voltar num momento muito bom no mercado, de abertura para bancos digitais. Nos associamos com gente muito boa e estamos participando dessas revoluções, de fato. As fintechs (startups financeiras digitais) têm esse olhar muito forte para o cliente e tecnologias para simplificar e alavancar ações, baratear custos. E isso cria uma dinâmica interessante que se coloca como a nova dinâmica do mercado, que antes era dominado por quatro, cinco grandes bancos. E esses bancos não precisavam criar grandes produtos para os clientes, porque eles não tinham alternativa. Na hora que o mercado começa a ser bombado por novas ofertas, fintechs ou startups, o cliente começa a ter mais alternativas. Mais comparação leva a mais eficiência, todo mundo ganha.

Nos últimos anos, o mercado das fintechs cresceu e se expandiu muito no Brasil. O que você acha que propiciou esse avanço que chegou a um público que até então era muito dependente do banco físico? Desde as pessoas mais idosas até as mais inaptas em relação a tecnologia.Duas coisas: uma geração mais nativo-digital, que nasceu acostumada com a tecnologia, internet, aplicativos, celulares. Então, para eles, as barreiras são menores. A segunda coisa é que as pessoas buscam experiências similares (do conceito em inglês, similar experiences, que significa replicar tecnologias novas vistas como simples ou práticas). Por exemplo, quando eu pego um Uber ou táxi pelo aplicativo e é fácil, quando eu resolvo alguma coisa na internet, ou alugo um apartamento pelo Quinto Andar e é fácil, dá um alívio, é quase gostoso. É sobre não querer mais sofrer com experiências com muita fricção, muito trabalho. Alguém que aceitava ir ao banco e ficar 15 minutos na fila, ter que passar por todos aqueles procedimentos, papel para assinar e que agora tem boa experiência com bancos digitais, perde a tolerância. Essa pessoa se revolta muito mais com burocracia, com espera, não aceita mais algumas coisas que aceitava no passado. Porque no passado o poder ficava com as empresas. Criar uma empresa no Brasil era muito difícil, era muito custoso. Quem tinha o poder eram as empresas que conseguiam se estabelecer e o cliente tinha que aceitar porque não existia alternativa. Hoje em dia já temos mais alternativas e buscamos soluções. Isso abre o mercado para o que antes não era possível.

Ou seja, a experiência do usuário tem grande impacto.Claro. Tem um terceiro ponto, também, que é interessante. Uma empresa pequena tem a tendência de atender melhor o cliente do que grandes empresas. Alguns clientes estão dispostos a experimentar marcas menores por conta de um tratamento melhor, experiência melhor. Tem uma mudança de paradigma de mercado, no sentido que ficou mais barato empreender, então você tem mais opção. As pessoas são mais bem informadas, entendem melhor os riscos. O cliente quer ser melhor tratado, então para não ter que tolerar certas coisas, ele aceita experimentar. E tem uma nova geração que está chegando aí, muito mais conectada, que definitivamente não aceita certas fricções, experiências ruins, que algumas pessoas mais velhas ainda aceitam.

O mercado de investimentos também está se popularizando, e mais uma vez fintechs chamam atenção do público em relação às corretoras convencionais.O mercado de investimentos tem uma peculiaridade. O pensamento é “eu quero colocar meu dinheiro em um lugar que eu confio”. Quando eu pego meu dinheiro e invisto em algum lugar eu quero saber exatamente em que. Os bancos, historicamente, criaram produtos com rentabilidade muito pobre. E isso proporcionou uma proposta de valor, de rentabilidade do mercado das fintechs. Antes você tinha o CBB do Itaú, do Banco do Brasil e só. Quando esse modelo de plataforma aberta chegou ao Brasil a comparação dos tipos de produto ficou muito clara entre o que era mais atrativo e o que era ruim. Quanto mais ofertas a gente tem, mais chances tem de comprar um produto com a melhor rentabilidade e segurança, a depender do perfil do cliente. Se você só tem uma marca não existe comparação, não tem opção de compra. E nos investimentos risco é o mesmo: não interessa onde eu compro, e sim o que eu compro. O risco do CDB do Banco do Brasil é o mesmo da XP. Foi necessário também um processo de formação com as pessoas para que elas soubessem diferenciar o que é verdadeiro do que é mentira, por isso foi criado um novo mercado fora do banco. Um mercado melhor, em que o cliente ganha mais com pessoas alinhadas em tentar fazer o bem para o cliente. Diferentemente, muitas vezes, do papel do gerente de banco convencional, que empurra produtos para bater a meta. Os empreendedores têm outra visão. Tem uma transformação muito grande aí no mercado financeiro, no mercado de pagamentos, no mercado de crédito.

A formação do cliente também fez parte da revolução, certo? Porque o brasileiro, tradicionalmente deixava o dinheiro na poupança e só.Essa revolução do conteúdo é relevante porque o conteúdo vem antes da educação e antes da transformação. As pessoas para investir querem o apoio de alguém. Até alguns anos atrás a grande referência que a gente tinha era o gerente do banco, que vendia o produto que era bom pra ele, para ele bater a meta dele. Como não existia muita informação circulando e o banco era seguro, a pessoa deixava o dinheiro ali e acabou. Depois, quando o mercado de investimentos se abriu, a grande referência de investimentos passou a ser a pessoa que estava a serviço da plataforma. Tem uma segunda revolução em curso que é por parte dessa pessoa que direciona os investimentos. O assessor ganha pelo produto que ele oferece, mas existe um conflito de interesses porque a comissão dele é maior para produtos com risco mais alto. É como se você fosse um médico com uma parceria com uma farmacêutica. Para não cobrar pela consulta, você receita um remédio e ganha a comissão. Só que muitas vezes o paciente não precisa do remédio. Mas tem uma terceira revolução por vir.

Qual é?A terceira revolução que já está acontecendo em alguns lugares no mundo, como nos Estados Unidos, é que as novas corretoras pagam um percentual em cima do rendimento do patrimônio total do cliente. Isso força o assessor a querer ganhar mais dinheiro contigo, porque senão ele próprio não ganha. Então, se o cliente não tiver boa rentabilidade, ou então perder dinheiro, a receita que a pessoa tem contigo vai diminuir. É um tipo de alinhamento bacana que algumas corretoras estão adotando. A Warren é uma das corretoras que estão advogando muito em favor dessa solução, para dar um exemplo.

E o conceito de segurança? Imagino que seja uma das principais preocupações e investimentos nesse ramo.O mercado financeiro é muito regulado, tem a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), tem o Banco Central. O banco no Brasil é muito seguro, o mercado de investimentos também. Mas acho que a gente tem conseguido levar a questão de investimento adiante de uma forma muito clara, como educar as pessoas para que elas não se deixem levar por promessas muito milagrosas de retorno do investimento, por exemplo. O ideal é buscar se aconselhar com pessoas que entendem do assunto, que são experientes. Isso é uma prática saudável.

E a segurança de transações? Como golpe, clonagem de cartão...Essa pergunta remete ao pensamento que, quanto mais seguro for, pior vai ser a usabilidade. Por exemplo, eu só vou sacar dinheiro se for na minha agência do banco, na boca do caixa, tirar uma foto, assinar um documento… A chance de alguém pegar esse dinheiro se passando por você é pequena. Mas a experiência que você tem é horrorosa. Então você usa caixa eletrônico, pode fazer pagamentos de forma digital. Você tem que encontrar formas de ficar no meio do caminho. Unir a segurança e a experiência do cliente. Porque se você não tem segurança, não tem cliente nenhum. Se eu focar na usabilidade 100% eu posso ter uma experiência ótima mas aplicabilidade zero. Veja o que aconteceu no mercado: o banco tinha uma oferta muito reduzida para uma gama muito grande de clientes. Então para o jovem de 16 anos e o idoso de 88 eles tinham o mesmo produto com a mesma oferta e mesmo discurso. Uma coisa muito dura para a cabeça da gente. Então o que as fintechs fizeram: eu não quero ganhar o mercado todo, eu quero só os jovens de 15 a 20 anos, ou adultos de 25 a 35 anos. Então você faz uma oferta para aquelas pessoas. Essa segmentação fez com que as pessoas percebessem que as fintechs têm uma experiência melhor do que um banco tradicional. Você vai ter mais usabilidade mas você vai ter um público mais segmentado.

Além das fintechs, você também é sócio em empresas de outros ramos. O que te levou para o mercado de tênis e dos vinhos? Busca por novos desafios?Ficou claro pra mim e meus sócios que nosso principal desafio é como a gente se manteria em desenvolvimento. O mundo muda desde que ele começou, a diferença é que a velocidade das mudanças aumentou muito. Se a gente não tiver capacidade de descobrir o novo, descobrir outros lugares, a gente vai perder relevância, por mais relevância que a gente tenha. Essa é a nossa premissa, nossa experiência. A gente combinou que nosso desafio era descobrir novas coisas, então fomos estudar o mercado da China, o mercado de Israel, a gente quis também aprender outros mercados. Resolvemos estudar o mercado de vinhos, e agora temos uma empresa a Lovin, depois nos tênis, nos interessamos por marcas que são Digitally Native Vertical Brands (marcas nativas-digitais verticais), marcas que dominam toda a produção, distribuição e entrega para o cliente. Entrega produtos melhores com preço mais baixo. Aprendemos novos mercados, diferentes, fantásticos para trabalhar. Esse é nosso objetivo.

Serviço: 13ª edição do Fórum Agenda Bahia  Onde: Wish Hotel da Bahia, Youtube e Yazo Data: 18 de outubro  Inscrições pelo Sympla  Valor: evento gratuito 

O Agenda Bahia 2022 é uma realização do CORREIO, com patrocínio da Acelen e Unipar, parceria da Braskem e Rede+, apoio institucional da Prefeitura Municipal de Salvador, Fieb, Sebrae, Rede Bahia e GFM 90,1 e Apoio da Suzano, Wilson Sons, Unifacs, HELA, Socializa e Yazo.