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Para Naeem Zafar, a revolução acontece em todos os níveis: profissionais devembuscar mais especialização
Thais Borges
Publicado em 15 de outubro de 2015 às 05:45
- Atualizado há um ano
Seja qual for a sua área, a forma como você trabalha vai mudar - se isso não começou a acontecer ainda. Para o trabalhador do futuro, não vai bastar fazer o que tem que fazer quase que num ritmo automático. Quem quiser sobreviver - e, principalmente, crescer - nesse novo cenário digital, dominado pelas novas tecnologias, terá que se tornar expert em alguma coisa.
Patrões e chefes vão esperar, cada vez mais, que seus empregados sejam os melhores no ramo e que conheçam o assunto como ninguém. Além disso, domínio sobre as novidades tecnológicas disponíveis por aí também será regra. Para completar, sua área poderá ser algo totalmente novo - que sequer existe ainda. Isso porque a tendência é que mais especialidades diferentes (como Agricultura e Ciência da Computação) comecem a se “unir”. E é daí que vai surgir a inovação. Por outro lado, as relações de trabalho também vão mudar. Nesse caso, o impacto maior será sentido por aqueles que, hoje, trabalham em grandes empresas com milhares de funcionários. Professor do Centro de Empreendedorismo e Tecnologia da University of California, Berkeley, Naeem Zafar é especialista em empreendedorismo. Sócio e CEO da TeleSense, empresa no Vale do Silício que cria soluções para a Internet das Coisas, ele já fundou seis startups e publicou livros sobre inovação, pesquisa de mercado e financiamento. Também atuou como consultor em 76 países. (Foto: Divulgação) Se, atualmente, o presidente ou o CEO da companhia não tem contato direto com os funcionários, já que tudo é intermediado por muitas camadas de gerentes e diretores, as relações do futuro devem eliminar esses atores do meio. Assim, o caminho vai ser mais horizontal.
Quem diz isso é o professor da University of California, Berkeley, Naeem Zafar. Especialista em empreendedorismo, inovação e pesquisa de mercado, Zafar irá abrir o terceiro seminário do Fórum Agenda Bahia 2015, na próxima terça-feira, dia 20. Em entrevista ao CORREIO, por Skype, Zafar garantiu que o futuro está próximo - e que ele não será ruim.Como será o futuro do emprego nessa nova era digital? É difícil imaginar como será, mas acho que nós já temos algumas evidências interessantes desse futuro. Algumas mudanças podem estar relacionadas à economia compartilhada e ao fato de que não já existem tantas limitações de distância. Hoje, as pessoas podem se comunicar facilmente, com rapidez. Isso é só o começo. E você vai ver muitas possibilidades de economia compartilhada. Você tem muito mais dinâmica. Hoje, nos Estados Unidos, precisamos de muitos estacionamentos. Um prédio comercial precisa ter 200 vagas de estacionamento. Mas, no futuro, você não vai precisar de um lugar para estacionar em todo lugar, porque essas distâncias serão encurtadas. As pessoas vão se deslocar menos, seja porque vão trabalhar mais perto de casa, seja por conta da facilidade de comunicação.Isso vai mudar a percepção dos empregadores? Algumas indústrias estão requerendo mais especialistas. Pessoas em Hollywood, por exemplo, querem especialistas. Elas contratam atores, diretores. Depois que o filme está pronto, contratam arte-finalistas. Se você olhar para cirurgiões, vai ver que eles têm especialidades. No futuro, teremos mais especialistas. Então, esse conceito de arranjar um trabalho e simplesmente se encaixar nele está mudando. Esse é outro exemplo de como o mercado de trabalho será no futuro.Nesse contexto, o que vai ser esperado de um profissional? O que vai ser esperado é que ele seja muito bom em alguma área. Na imprensa, por exemplo, a maioria dos jornalistas deverá ser especialista em uma área de cobertura e terá que apresentar habilidades específicas relacionadas a ela.Como as novas tecnologias vão mudar relações de trabalho? Se você olhar, no passado, tinha muitas categorias dividindo as pessoas numa empresa. Gerentes, diretores. Mesmo hoje, existem muitas pessoas entre os trabalhadores e os chefes. Se uma empresa tem 10 mil funcionários, o presidente não tem contato direto com as 10 mil pessoas que trabalham lá. Os funcionários se reportam aos seus gerentes, que, por sua vez, se reportam aos seus gerentes superiores e assim por diante. Agora, as coisas estão mudando. As tecnologias fazem com que seja possível se comunicar com muitas pessoas diretamente, o que diminui o ruído. Mais e mais dessas tecnologias vão começar a fazer parte do ambiente de trabalho. Por exemplo, com o Facebook e outras redes sociais, você é capaz de aumentar sua rede de contatos. Se você usar redes sociais dentro da empresa, gerentes vão ser capazes de saber o que está acontecendo com todos os funcionários. Assim, o que vamos ter no futuro é menos gerentes intermediários. As relações de trabalho vão ficar mais horizontais, mais eficientes e mais diretas. Vai ser um tipo de emprego diferente do que as pessoas estão acostumadas. As pessoas e as empresas vão conseguir fazer dinheiro provendo serviços que rompem com a linha tradicional de trabalho que todos conhecem.E de que maneira as universidades e a comunidade acadêmica podem ajudar nesse processo? Essas instituições podem ajudar trazendo luz aos elementos que promovem eficiência. Elas podem investir em uma educação interdisciplinar, o que significa abordar diferentes assuntos de uma forma relacionada, como o exemplo de um “casamento” entre a Psicologia e a Ciência da Computação. Por exemplo, nós já temos o Big Data, que é uma forma de analisar dados sobre o comportamento das pessoas. Também é possível estudar como as pessoas deveriam ser, como deveriam se parecer. Isso é uma união das duas áreas. O ponto é que educação interdisciplinar é a inovação verdadeira que pode acontecer.
Cite outros exemplos... Se você observar a ciência da computação em um casamento com telecomunicações, você tem smartphones, por exemplo, que é algo que já temos. Existem muitas possibilidades a serem exploradas ainda, mas, por outro lado, se você cruzar Engenharia Civil, Agricultura e Ciência da Computação chegaremos a uma área que é nova. E é a partir disso que a inovação nasce. As universidades devem preparar os estudantes para identificar essas novidades. E a segunda coisa que elas podem fazer é perceber que também é preciso investir em Ciências Humanas. No Japão, recentemente, eles começaram a fechar cursos da área de Humanas e a investir apenas em computadores e nos cursos de Ciências Exatas. Isso é um erro. Eu acredito que lá, a longo prazo, o que vai acontecer é que as pessoas vão ter dificuldade de se relacionar com outras pessoas. Elas também precisam estudar Literatura, Psicologia, Ciências Sociais e outras matérias da área de Humanidades.Que exemplos o Vale do Silício (na Califórnia) pode oferecer ao Brasil? A questão no Vale do Silício é que se trata de estabelecer uma cultura local. O que acontece no Vale do Silício não acontece em outras cidades dos Estados Unidos, como Houston ou Chicago. Lá, existe uma cultura de empreendedorismo e inovação que foi desenvolvida ao longo dos anos e o Brasil pode investir nisso. Mais pessoas estão criando projetos inovadores e começando novos negócios. É preciso pensar em formas de como desenvolver essa cultura no Brasil. Se trata de promover inovação e de não ter medo de começar uma coisa nova.Diante desse novo contexto digital, é possível dizer que existem profissões que correm o risco de mudar completamente? E, na contramão, que outras ocupações podem se desenvolver mais nesse novo cenário? É verdade que muitas profissões podem mudar por completo. Acho que uma área em que essa é uma preocupação real é o setor de transportes. Muitas atividades na indústria de transportes vão ser totalmente automatizadas, então, se existe uma área com postos de trabalho em perigo de serem substituídos, é essa. Por outro lado, profissões que lidam diretamente com pessoas, em que há um contato com elas, como médicos e outros profissionais de saúde, podem se desenvolver mais. Isso acontece porque vamos ter uma demanda cada vez maior, porque existe uma ligação pessoal do profissional com o paciente. Como são pessoas conectadas a pessoas, fica mais difícil que essas profissões sejam automatizadas.Quais consequências um trabalhador pode ter que enfrentar se não se mantiver atualizado diante de tanta inovação no mercado de trabalho? Na verdade, é possível sim que esse trabalhador chegue até a ser demitido. Isso é uma coisa que vai acontecer lentamente, mas é uma possibilidade real. Não vai ser de uma hora para outra, mas é possível ter consequências como a perda do emprego. Mas, ao mesmo tempo, se você olhar para o passado, se olhar para como estávamos há 300 anos, vai ver que todos estavam lutando pela sobrevivência, matando animais, por exemplo. Hoje, máquinas e tecnologias já fazem isso por nós. Você não vai precisar trabalhar como um louco, assim como você também vai ser capaz de enxergar novas possibilidades. No final, não estamos falando de um futuro ruim (esse que se aproxima).Que tipo de cursos ou outro tipo de qualificações um profissional deve buscar para estar preparado e adaptado a essa nova situação? Acho que as pessoas precisam entender como a tecnologia funciona e entender como é possível aplicá-la em sua vida. É preciso entender como a tecnologia pode fazer as coisas mais fáceis, como ela pode facilitar o transporte e o deslocamento e como ela aumenta a produtividade. Todo e qualquer tipo de curso que estuda isso, que analisa isso e que pode fazer com você se torne especialista em algo pode ajudar a encarar essa nova paisagem e essa nova indústria de trabalho.De que maneira essa era digital pode aumentar a produtividade nas empresas? E como é possível melhorar a qualidade de vida dos funcionários? Acredito que a produtividade está ligada ao fato de que uma empresa pode tomar decisões hoje baseada na tecnologia e na inovação e nos exemplos que já estão disponíveis por aí. Também vejo que os funcionários vão ter mais qualidade de vida, mas isso é um processo que pode durar mais ou menos 20 anos. Essas mudanças são lentas de acontecer, não é de uma hora para outra. Talvez elas demorem um pouco, porque são grandes transformações que envolvem muitas grandes áreas.