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Negócio social: o lucro que é reinvestido na comunidade


 

Rogério Oliveira conta como Muhammad Yunus faz a diferença no mundo

  • Thais Borges

Publicado em 08/08/2018 às 22:59:00
Atualizado em 18/04/2023 às 18:09:06
. Crédito: Rogério Oliveira trabalhava no mundo corporativo tradicional antes de criar uma aceleradora para negócios sociais (Foto: Marina Silva/CORREIO)

Começou do próprio bolso: na década de 1970, o então professor universitário bangladês Muhammad Yunus decidiu emprestar US$ 27 a 42 mulheres de uma aldeia local que tinham dívidas com agiotas. Elas tinham contraído empréstimos para comprar material para artesanato. Naquele momento, ele, que ensinava economia, percebeu que a teoria andava um pouco distante da realidade de boa parte da população do país asiático. 

Foi assim, bem informal, que ele deu início ao primeiro banco especializado em microcrédito do mundo, o Grameen Bank (que já soma mais de 36 milhões de pessoas atendidas, mais de US$ 12,5 bilhões emprestados e que viria a render a Yunus o Prêmio Nobel da Paz, em 2006). E foi justamente nessa época que o economista começou com as bases para criar um conceito que revolucionou o mundo financeiro: o negócio social. 

“Yunus pegou essa lógica de acabar com o problema de acesso ao crédito, que era um problema social das mulheres, e não criou uma ONG (organização não-governamental). Ele criou um negócio”, explicou o diretor da Yunus Brasil Negócios Sociais, Rogério Oliveira, durante sua palestra no  seminário Sustentabilidade do Agora, o primeiro do Fórum Agenda Bahia 2018, que aconteceu nesta quarta-feira (8), na sede da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (FIeb), no Stiep.  Rogério contou a história de como Yunus fundou o primeiro banco de microcrédito do mundo (Foto: Marina Silva/CORREIO) O desafio dele era entender que tipo de negócio é capaz de transformar a realidade das cidades. Para Yunus, um negócio social é basicamente aquele que tem o objetivo de erradicar um problema social ou ambiental, mas usa mecanismos de negócio tradicional. Ou seja: existe um produto ou serviço e, a partir da receita gerada por ele, é possível cobrir custos e replicá-lo. As empresas que são negócios sociais são criadas exclusivamente para solucionar problemas e manter a circulação dos recursos. 

“O dinheiro é o meio, não o fim”, disse Oliveira, que trabalhava no mundo corporativo ‘tradicional’ até descobrir a proposta de Yunus, lendo um de seus livros. Há cinco anos que ele está à frente da unidade brasileira da Yunus Social Business Global Initiatives, desenvolvendo negócios sociais pelo país por meio de uma aceleradora e de um fundo de investimentos. 

A filosofia da Yunus, enquanto empresa, é a de que o sistema em que as pessoas vivem é abundante – e isso inclui até mesmo os recursos financeiros. O problema começa exatamente quando alguém começa a acumular mais do que o necessário ou estocar algo visando um lucro individual. Daí, vem a escassez. No entanto, isso não quer dizer que um negócio social não deva ter lucro. 

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Desnutrição infantil

Em sua palestra, Oliveira contou que, depois de criar o banco, Yunus passou a empreender em outros setores. Eram iniciativas que buscavam atacar problemas sociais nas áreas de educação, saúde e energia. 

Um dos principais exemplos criados pela Yunus foi a parceria com a fábrica da Danone em Bangladesh. O país tem taxas de desnutrição altíssimas: chegam a 56% entre as crianças menores de cinco anos. Por isso, em um encontro com o presidente da Danone, Yunus lançou o desafio: que eles criassem um iogurte capaz de combater esse problema. Um produto enriquecido com os nutrientes que as crianças precisassem. 

Assim, em 2006, foi criado o negócio social Grameen-Danone Foods.“Eles tiveram que reinventar totalmente como eles produziam o iogurte. Eles vinham com paradigmas de criar fábricas cada vez maiores para ter mais lucro e tiveram que inverter isso lá. Criaram ‘mini fábricas’ para ficar mais perto de produtores de leite e das mulheres que saíam para vender o iogurte”. Os negócios sociais fazem parte do que Oliveira chamou de era da ‘pós-sustentabilidade corporativa’. “Isso é uma visão que a gente tem para provocar as corporações”, avisou. A diferença é que, há algumas décadas, uma empresa podia existir, gerar lucros e criar problemas sociais e ambientais – e ela não enfrentaria críticas por isso.

Alguns anos mais tarde, as empresas passaram a sofrer “alguma pressão”, nas palavras dele. As corporações passaram, assim, a mitigar os problemas que criavam ou tentar compensá-los, de alguma forma, com outras iniciativas. O estágio atual é aquele em que as empresas não podem mais criar problemas. Segundo ele, a sociedade já cobra a noção de sustentabilidade das empresas. 

A novidade é que, agora, as corporações terão que trazer impacto positivo. “E isso vai muito além da geração de empregos”. No Brasil já existem exemplos de negócios sociais criados por grandes empresas. É o caso da AMA, água mineral da Ambev que destina 100% do lucro a projetos de acesso à água no semiárido.

“A Ambev não participava do setor de águas no Brasil, não tinha produto e viu como uma oportunidade entrar nesse setor. Esses 100% de lucro são investidos em outros negócios sociais”, explica.  Rogério participou de talkshow mediado pela jornalista Flávia Oliveira, comentarista de economia da GloboNews (Foto: Marina Silva/CORREIO) Do corporativo ao social

O próprio Rogério Oliveira teve uma trajetória parecida com a de muitas empresas que passam a investir em negócios sociais. Ele passou 20 anos trabalhando em grandes empresas, como a Johnson&Johnson e a BRMalls. No entanto, ele sentia que faltava algo no modelo de corporações vigente até hoje. Algo precisava ser revolucionado. 

“Nunca fui 100% feliz. Eu já fazia alguns trabalhos voluntários em ONGs e tem ONGs que fazem trabalhos incríveis que não são substituíveis por negócios sociais. Mas, nas experiências que eu tive, faltava eficiência. E foi um tapa na cara quando li o livro de Yunus. Tinha achado o negócio que conseguia utilizar tudo que eu aprendi: um ambiente com metas, agressivo no melhor da palavra, mas com proposta mais clara”, elogia. 

Assim, Oliveira pediu demissão e criou uma aceleradora de negócios sociais. Em 2012, conheceu Yunus na conferência Rio+20. “Ele perguntou o que eu vinha fazendo e perguntou se o nome dele traria mais força para o que eu estava fazendo. Um ano depois, a gente transformou a minha empresa na Yunus Negócios Sociais no Brasil”. Hoje, a Yunus no Brasil também oferece serviços de consultoria para empresas, governos, fundações e ONGs, além de promover negócios sociais no meio acadêmico. 

O Fórum Agenda Bahia 2018 é uma realização do CORREIO, com patrocínio da Revita e Oi, e apoio institucional da Prefeitura de Salvador, Federação das Indústrias da Bahia (Fieb), Fundação Rockefeller e Rede Bahia.