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Leilão de petróleo pode causar dano ambiental irreparável em Abrolhos


 

Espécies marinhas e outros animais estão em risco, diz Ibama

  • Mario Bitencourt

Publicado em 09/10/2019 às 19:08:00
Atualizado em 20/04/2023 às 09:01:07
. Crédito: Marco Antonio Teixeira/Conexão Abrolhos

A juíza federal Milena Souza de Almeida Pires, substituta da 3ª Vara Federal Cível de Salvador, determinou nesta terça-feira (8) que a União e Agência Nacional do Petróleo (APN) torne pública a informação de que os blocos das bacias de Camamu-Almada, no litoral do baixo sul da Bahia, e de Jacuípe, na Região Metropolitana de Salvador (RMS), estarão sub judice no leilão que ocorre nesta quinta (10).

Os blocos dessas bacias, que a ANP leiloará com vistas à exploração de petróleo e gás, são alvo de ação civil pública do Ministério Público Federal (MPF) da Bahia e de uma ação popular na 21ª Vara do Distrito Federal, em Brasília, de autoria dos senadores Fabiano Contarato (Rede-ES) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP). (Foto: Marco Antonio Teixeira/Conexão Abrolhos) As ações pedem que os blocos sejam retirados da 16ª Roda de Licitações, com base no fato de que eles estão próximos ao Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, localizado no litoral sul da Bahia. Isso porque a exploração de petróleo e gás nessas áreas representa risco de desastre ambiental irreparável na região.

O MPF, com base em pareceres técnicos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), órgão ambiental federal, e do próprio ministério, sustenta que a oferta destes blocos só deveria ser feita após a conclusão dos devidos estudos ambientais estratégicos prévios, avaliando a viabilidade de exploração de petróleo nas proximidades do parque de Abrolhos. (Foto: Mário Bittencourt/CORREIO) Apesar do Ibama alertar no documento sobre os riscos de permitir a exploração nestes blocos antes dos estudos prévios, as áreas foram liberadas pelo presidente do instituto para integrarem o leilão, após o Ministério do Meio Ambiente (MMA) determinar que o parecer fosse colocado em revisão. Procurados, Ibama e MMA não comentaram o caso.

Na decisão desta terça-feira, a Justiça Federal determinou multa de R$ 100 mil à União e à ANP em caso de descumprimento sobre o aviso de que os blocos de Camamu-Almada e Jacuípe estão sub judice. São sete os blocos próximos a Abrolhos, quatro da bacia Camamu-Almada e três de Jacuípe.

Com isto, as empresas licitantes devem levar em conta o risco do negócio, já que a aquisição dos blocos pode ser anulada por decisão judicial. As informações deverão ser divulgadas no site institucional da ANP e no da Brasil-Rounds Licitações de Petróleo e Gás.

Ao CORREIO, a ANP informou que já acatou a decisão. Procurada, a Advocacia Geral da União (AGU) disse que não foi informada da decisão. (Foto: Marco Antonio Teixeira/Conexão Abrolhos) Ao todo, são 36 blocos em cinco bacias a serem leiloadas na 16ª Roda de Licitações. Elas estão localizadas na Bahia, São Paulo, Pernambuco e Rio de Janeiro. No território baiano, os quatro blocos da bacia de Camamu-Almada estão a 150 km do banco de Abrolhos e dos bancos de corais de Royal-Charlotte.

O governo espera arrecadar no mínimo R$ 3 milhões com o leilão, contudo os quatro blocos da bacia Camamu-Almada representam apenas 0,3% do total previsto com a arrecadação total, ou R$ 10,8 milhões. O governo argumenta que a retirada dos blocos de Camamu-Almada e Jacuípe representaria prejuízo financeiro ao país. (Foto: Mário Bittencourt/CORREIO) Santuário marinho Administrado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão ambiental federal responsável pelos parques e reservas nacionais, Abrolhos tem a maior diversidade do oceano do Atlântico Sul. O parque foi criado em 1983, e, segundo o instituto, “representa um marco na conservação marinha do país.

Com 87,9 mil hectares de área abrangida por meio do banco de corais, Abrolhos é o principal berçário das baleias jubarte, que de julho a novembro migram do polo sul para o parque marinho. O avistamento das baleias é uma atração turística regional, o que pode ser feito com saídas a partir da cidade de Caravelas, no extremo sul baiano. Exploração no local pode ameaçar vida marinha (Foto: Marco Antonio Teixeira/Conexão Abrolhos) Cerca de 7 mil pessoas, segundo o ICMBio, fazem o avistamento durante a temporada das baleias, o que movimenta a economia das cinco cidades que fazem parte da Costa das Baleias: Caravelas, Prado, Alcobaça, Mucuri e Nova Viçosa. O local abriga ainda aves endêmicas (atobás e fragatas) e tartarugas marinhas.

Entidades que atuam em defesa do meio ambiente e estão em campanha para que os blocos de Camamu-Almada e de Jacuípe fossem retirados da rodada de licitações avaliaram que, apesar da decisão representar um ganho no esforço contra a exploração de petróleo próximo a Abrolhos, o efeito prático ainda é pouco.“O ideal seria que os blocos fossem retirados do leilão, mas isso não ocorreu e, amanhã cedo, eles estarão disponíveis para o mercado”, disse Jaime Gesisk, especialista em políticas públicas da WWF Brasil, integrante de um grupo chamado Conexão Abrolhos, composto ainda pelas ONGs Conservação Internacional, Oceana Brasil, Rare e SOS Mata Atlântica.“O Brasil acompanha abismado a situação das manchas de óleo que espalharam no Nordeste e são uma demonstração da fragilidade da costa brasileira”, declarou Gesisk, ao se referir ao derramamento de óleo que começou na costa do estado de Pernambuco e já atingiu 132 praias em 61 cidades de todos os estados nordestinos, segundo informações do Ibama. “Um vazamento de óleo perto de Abrolhos seria o fim”. Vida marinha corre risco caso haja exploração no local (Foto: Mário Bittencourt/CORREIO) Para a bióloga e pesquisadora Leandra Gonçalves, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo, falta governança no mar brasileiro. O país, em sua opinião, não tem estrutura de monitoramento ou fiscalização para garantir que atividades que envolvam petróleo e gás não causem impactos na biodiversidade marinha.

O mar, alerta a pesquisadora, está se tornando uma nova fronteira potencial para novas tragédias ambientais, e o país não está preparado para explorar petróleo e gás próximo a áreas marinhas sensíveis ou em regiões em que eventuais vazamentos de óleo possam atingir zonas vitais para os ecossistemas marinhos, como recifes de corais, manguezais, áreas de pesca de comunidades costeiras. “Abrolhos se inclui exatamente neste caso”, disse.

Em casos de acidente com derramamento de óleo, Leandra Gonçalves observa que os impactos podem se estender do litoral norte da Bahia até a costa do Espírito Santo, o que inclui todo o banco dos Abrolhos. Turismo, pesca e biodiversidade estariam comprometidos de modo irremediável, adverte.