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A retomada do teatro, ou a volta dos que não foram


 

  • Da Redação

Publicado em 11/10/2021 às 05:11:00
Atualizado em 21/05/2023 às 09:49:05
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Durante anos, estranhei o fato de grandes referências minhas do teatro soteropolitano estarem parando de fazer teatro, até me dar conta do quanto os órgãos públicos de cultura, em Salvador e na Bahia (o Governo Federal tem como projeto destruir a arte, então não conta), não se preocupam em manter minimamente profissionais com história e carreira, que criam e mantêm o teatro vivo nos palcos e ruas da cidade.

Existe, é sabido, um teatro comercial, que cria pensando na bilheteria e se mantém com ela; e merece todos os aplausos os que resistem nessa empreitada. Mas existe um teatro que, pela sua produção e estética, pela quantidade de profissionais e materiais envolvidos, mesmo tendo boa bilheteria não consegue se sustentar em toda sua cadeia; que compreende bancar ensaios, materiais de cenário e figurino, pautas do teatro, divulgação, dentre outros.

Em qualquer país que se preze, o teatro profissional, este que monta clássicos, que experimenta novas linguagens, tem subvenção pública para parte de seus custos, mantendo-se com a bilheteria para cobrir o restante. Há coletivos e artistas independentes que há anos vêm conquistando plateias, festivais, prêmios, têm repertório, resistem ficando anos em cartaz com suas obras. Mas mesmo com todo reconhecimento, com toda continuidade de seu trabalho, são obrigados a entrar nas rifas, no “quebra-pote” dos editais.

Não sei se é receio de parecer antidemocrático, ou ser acusado de estar favorecendo, mas a ausência de programas continuados que contemplem quem notoriamente e reconhecidamente vem produzindo, acaba por jogar todo mundo num grande balaio de gato. Num mesmo edital concorrem um festival do interior, uma montagem de Shakespeare e uma oficina para menores abandonados. Ações distintas, que mereciam atenção distinta, entram numa concorrência esquizofrênica onde o profissional parece um “privilegiado”.

Ao se potencializar e incentivar o teatro profissional está se fortalecendo o topo da cadeia produtiva. Jovens recém-formados, estudantes de cursos profissionalizantes, pessoas em situação desfavorecida que fazem oficinas, todos estes vislumbram, ou deveriam vislumbrar, uma futura carreira profissional, mantendo-se com seu trabalho. Mas, se os profissionais estão à deriva, de que servem ações de formação e inclusão? Apenas para deixar tudo mundo feliz brincando de fazer teatro, enquanto no contraturno busca algo para seu sustento?

Criar uma política pública efetiva para o teatro profissional é fortalecer toda a cadeia. Quanto mais teatro sendo feito e enchendo plateias com artistas de reconhecida qualidade mais mercado se abre para que cheguem os novos, mais a economia se fortalece e cria novas oportunidades. 

A falta de políticas para o teatro é anterior à pandemia. A retomada do teatro é a volta à situação pífia que vínhamos amargurando. Virão editais, onde indicadores como temporadas, público, festivais, prêmios, critérios básicos para se incentivar um profissional, serão ignorados em detrimento do que der na telha das comissões, que muitas vezes se veem frente a ter que escolher entre projetos e propostas das mais diferentes e indisputáveis possíveis.

E, nesta brincadeira, sobra para o profissional, que vai aos poucos percebendo que pouco importa aos governos que seu povo tenha um teatro acessível e de qualidade, continuado e respeitado, fortalecendo a cultura de uma sociedade.

A peste que assola o teatro é mais antiga e, pelo visto, incurável na Bahia.