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Sem um pé de gente: na véspera do feriadão, terminal de São Joaquim amanhece deserto


 

Sem ferry, sem lanchas e com acesso restrito à Ponte do Funil, moradores da Ilha ficam, literalmente, ilhados

  • Bruno Wendel

Publicado em 09/04/2020 às 14:59:00
Atualizado em 21/04/2023 às 01:54:06
. Crédito: Foto: Arisson Marinho/CORREIO

Os cones nada lembram a agonia da véspera de feriadão, quando pedestres já padeciam numa fila quilométrica para cruzar a Baía de Todos-os-Santos ruma à tão desejada Ilha de Itaparica. As grades de proteção nada remetem à fila gigantesca de carros que, algumas vezes, chegou no Largo de Roma. Essas barreiras impostas mostram que, para conter o avanço do coronavírus, foi preciso parar o sistema ferry boat, no Terminal de São Joaquim, mesmo um dia antes de um dos feriados mais tradicionais no estado, a Semana Santa. Foto: Arisson Marinho (CORREIO) Na manhã desta quinta-feira (9), a única movimentação na entrada do terminal era do vigilante, quando liberava o acesso dos poucos funcionários que operam o sistema."Lá dentro está um deserto. Pouquíssimas pessoas estão trabalhando. Somente o pessoal da administração, mesmo assim poucos. É estranho isso. No ano passado, isso aqui estava um formigueiro. Gente pra todos os lados. Confusão danada. Gente querendo passar na frente do outro, gente bebendo em todos os cantos. E os ambulantes? Eram muitos. Hoje, isso aqui está um deserto. É triste", contou o solitário vigilante do terminal. No combate à covid-19, o Estado interrompeu o transporte intermunicipal em 69 cidades – a medida incluiu a suspensão do sistema ferry-boat nesta quinta, retomando somente na segunda-feira (13). "Desde a hora que cheguei aqui, às 7h, ninguém veio procurar saber se o ferry está funcionando. Querem saber os horários de segunda, quando o serviço será normalizado ou se o caixa eletrônico está funcionando, mas o equipamento foi desligado já que ninguém pode entrar", explicou o vigilante. 

Olhando de longe, dava para ver o deserto. Ninguém reclamando da demora na fila para comprar passagens, nem pessoas amontoadas na sala de embarque, tampouco carros passando pelos guichês de hora marcada. Um segurança circulava - única alma viva.  Apenas funcionários circularam pelas dependências do Terminal de São Joaquim (Foto: Arisson Marinho) Ambulantes Na entrada do terminal de São Joaquim, Alan Azevedo, 36, estava sentado no meio-fio papeando com outros ambulantes - uma cena incomum numa véspera de feriado. "Isso aqui era para estar fervendo de gente, povo andando de um lado para o outro, comprando, bebendo, comendo, se estressando até, mas está esse marasmo. Trabalho aqui há 10 anos e nunca o ferry parou. É um grande prejuízo. Não tem passageiro, não tem venda. Minha venda caiu 80%. Em dias de movimento, faço R$ 100 por dia. Hoje nem sei se vendo R$ 5", disse Alan, que vende acessórios para celular.

Parado em frente à sua barraca móvel - um carrinho de supermercado é usado para transportar os produtos - Lindomar Pereira Santos, 45, vê o tempo passar e nada de dinheiro entrar."Essa era a hora de a gente, ambulante, fazer dinheiro. Os feridos mais importantes para nós são Semana Santa, Réveillon, Natal, Carnaval e São João. É quando a ilha bomba, porque os outros dias vão uns gatos pingados. Se hoje o ferry estivesse funcionando, meu filho estaria aqui trabalhando comigo para dar conta das pessoas e eu já estava também me preparando para abastecer aqui. Mas até agora seque vendi um Big Big", brincou Lindomar, que vende água, cerveja, cigarro e outros produtos na entrada do terminal.Mototaxista há quatro anos no terminal, Ronilton dos Santos, 29, criticou a suspensão do serviço ferry-boat. "A gente sabe que é preciso evitar a aglomeração de pessoas, mas é preciso fazer isso de forma que também não prejudique um todo. Do que adianta parar a travessia, quando ontem as embarcações saíram abarrotadas? Teve briga dentro da sala de espera devido à demora. Todo mundo confinado num espaço lavando o vírus para a ilha", desabafou. 

Em nota, a Internacional Travessias Salvador, administradora do sistema, informou que "vem cumprindo todas as determinações, e também realizando ações de conscientização e medidas preventivas de combate ao Covid-19 como a higienização dos ferries em trânsito, limite de uma passagem por pessoa, disponibilização diária de álcool em gel, além de reposição de sabão com frequência, entre outras. Também foram feitas sinalizações no local de modo a orientar os passageiros com relação ao distanciamento mínimo entre as pessoas, medida que precisa da colaboração de todos".

Também em nota, a Internacional Travessias negou que as pessoas estivessem aglomeradas: "Houve grande demanda no terminal São Joaquim, pedestre e veículos. No entanto, o atendimento (embarque) foi feito atendendo a 50% da capacidade da embarcação. Importante notar que as embarcações têm capacidade de atendimento distintas. Há ferry que leva 1.098 pessoas, outas levam 800, ou 650 (o embarque é de 50% do total de cada ferry)".

Lanchas A situação não foi diferente no Terminal Marítimo de Salvador, onde as lanchas fazem a travessia Salvador-Mar Grande. Escorada no carrinho em que vende salgados, Rosália Maria de Souza, 54, lamenta."Estamos sofrendo dos dois lados. Pelo medo de contrair a doença e porque estamos sem ganhar dinheiro algum. Meu carrinho está cheio e vai voltar cheio assim mesmo. Pra não jogar fora, vou distribuir na rua, pelo menos vou matar a fome de algumas pessoas", disse ela.  A travessia das lanhas também foi suspensa como media de presensão à Civid-19 (Foto: Arisson Marinho) Rosália era a única ambulante em frente ao terminal. "Os outros decidiram não vir. Mas, eu decidi arriscar porque achei que alguém viria para cá, mesmo que fosse para pegar informações, mas sequer apareceu alguém. Ano passado, a fila estava grande de um jeito que a gente sabia onde começava, mas não sabia o fim", comentou. 

Ilhados Do outro lado, moradores de Itaparica reclamam da situação da suspensão das travessias do sistema ferry-boat e das lanchas. "Muita gente aqui trabalha em Salvador, tem seus problemas para serem resolvidos lá, alguns fazem tratamentos médicos, como hemodiálise, e não tem como atravessar nem por lancha e nem pelo ferry. Não é por que moramos numa ilha que devemos ficar esquecidos", declarou Maria Odete Lima e Silva, 47, moradora de Vera Cruz, que precisava da travessia para trabalhar num posto de combustível em Salvador.

Já Augusto Jorge Farias, 46, optou pela estrada para em Salvador. "Vou pegar a Ponte do Funil e seguir por Nazaré das Farinhas até chegar. Tenho mulher e filhos que moram em Pirajá e não passarei a Semana Santa longe deles", disse ele, que trabalha como caseiro em Vera Cruz.

A prefeitura de Vera Cruz, no entanto, também decidiu fechar o acesso à Ponte do Funil para evitar aglomerações na Semana Santa. Ela só está liberada para moradores, pessoas que estejam se deslocando em serviço, veículos de abastecimento de suprimentos em geral, e casos específicos de saúde, através de ambulâncias ou veículos que realizam tratamento fora do domicílio.