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‘Filmar para não morrer jamais’, diz Bárbara Paz sobre Babenco


 

Representante do Brasil ao Oscar, documentário é o primeiro dirigido pela atriz

  • Laura Fernades

Publicado em 25/11/2020 às 06:00:00
Atualizado em 23/05/2023 às 14:23:22
. Crédito: Foto: Divulgação

Hector Babenco estava no leito de hospital, quando a atriz Bárbara Paz, 46 anos, sua mulher na época, decidiu que queria gravar um filme sobre ele. “Quando a gente começa?”, prontamente respondeu o cineasta argentino que viveu 42 anos no Brasil, até sua morte aos 70 anos. Diagnosticado com câncer aos 38 anos, Babenco vivia em tratamento por conta da doença que ia e vinha.

Brasileiro, como se identificava, Babenco foi o primeiro cineasta do país a ser indicado ao Oscar, em 1986, pelo filme O Beijo da Mulher Aranha. Agora, 34 anos depois, um documentário sobre sua vida e obra é quem disputa uma vaga na maior premiação do cinema. Gravado em seus últimos anos de vida, Babenco –Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou estreia nesta quinta-feira (26) com direção de Bárbara.

Cenas de Babenco nos hospitais se misturam a conversas em sua casa e a trechos de filmes do diretor como Pixote: A Lei do Mais Fraco (1981), Carandiru (2003) e O Beijo da Mulher Aranha (1985). Lançado mundialmente no Festival de Veneza de 2019, onde foi premiado como melhor documentário, Babenco também conquistou o prêmio de melhor documentário no Festival internacional de Cinema de Mumbai, na Índia.

Na tela, uma verdadeira história de amor ao cineasta e ao cinema. Vida e obra se misturam na narrativa guiada pela então aprendiz de direção. Em uma das cenas singelas, Bárbara está captando suas imagens enquanto Hector carinhosamente avisa para ela não gastar 4 horas em uma sequência, para não virar um seriado. “Você tem que ter poder de síntese”, ensina.

Na entrevista que o leitor confere a seguir, a diretora coloca em prática sua objetividade em respostas que versam sobre a emoção de ver um documentário sobre Babenco ser indicado pelo Brasil ao Oscar e sobre sua relação com esse “grande homem”. “É um filme sobre a vida, sobre um homem que saiu de cena fazendo o que mais amava: filmando. Filmar para não morrer jamais”. Confira. Bárbara Paz dirige seu primeiro longa-metragem (Foto: Felipe Hellmeister/Divulgação) É a primeira vez que um documentário é escolhido para representar o Brasil na disputa pelo Oscar. O que acha disso? Me sinto muito honrada de levar o Hector de volta para a academia, o lugar onde ele levou o cinema brasileiro para o mundo. Me sinto honrada que a academia brasileira tenha escolhido um documentário. Me emociona muito lançar esse filme, levar essa história de amor ao cinema, história de um amor absurdo pela vida, e tocar os corações de pessoas de outros lugares, nacionalidades.

Que Brasil é esse que a obra de Babenco representa? Ele sempre mostrava a denúncia, o cinema que mostra o cru. É assim em Pixote, Carandiru... Lá nos anos 80 ele já denunciava as questões da Amazônia.

Conta um pouco sobre essa decisão de fazer Babenco ser protagonista de sua própria morte. Ele sempre me pediu para não fazer um filme de entrevistas, porque estava vivo. Nada mais justo que entregar o filme de volta, com ele como protagonista de sua própria história.

Foi um caminho fácil falar sobre a morte com leveza? Nunca imaginei que estava fazendo filme sobre morte, mas um filme sobre a vida, sobre um homem que saiu de cena fazendo sobre o que mais amava: filmando. Filmar para não morrer jamais. Um filme sobre um homem que sonhava filmes. Era sobre isso, mais do que morte. Algo como ‘nosso tempo está curto, então vamos aproveitar logo’."Nunca imaginei que estava fazendo filme sobre morte, mas um filme sobre a vida, sobre um homem que saiu de cena fazendo sobre o que mais amava: filmando" - Bárbara Paz, sobre Babenco Como foi o momento exato em que vocês decidiram mergulhar nesse filme? Veio de mim, porque eu estava com medo que não houvesse mais tempo. Ele estava no leito de hospital. Aí disse: ‘Quando a gente começa?’. Eu respondi: ‘já comecei’. (risos) Quando voltou o câncer, ele pedia para ser filmado porque queria acompanhar. Ele partiu antes de eu terminar, mas viu o caminho, acompanhou tudo, sempre acreditou muito no meu olhar como diretora.

A morte de Babenco aconteceu em 2016 e o filme está sendo lançado agora. Você precisou desse tempo ou foi o tempo natural? Depois que ele partiu, foi um longo percurso. Arrumar material, pesquisa, começar montagem. Só terminei o filme quando achei o corte. Fazer um filme demora. Tem que lapidar e ver o que fica. Lancei ano passado, em Veneza, há um ano. Estava com estreia marcada para 9 de abril, mas veio a pandemia. Não queria que demorasse tanto, mas foi o possível.

Essa é sua primeira experiência na direção de um longa. Se não fosse Babenco, com esse “passaporte” como você mesma citou em entrevista recente, se arriscaria na missão de dirigir? Desejo antigo, sou cinéfila. Ao longo dos anos fui dirigindo várias coisinhas pequenas. Mas como não era o carro-chefe, as pessoas não viam muito. Mas para fazer o filme, tinha que fazer o primeiro. Calhou de ser sobre meu amor, esse grande homem, esse pensador, esse cineasta. Sou uma eterna aprendiz.

Como foi lidar com o vigor intelectual e a fragilidade física? No filme, vida e obra se misturavam. É algo que caminhava junto. Não foi fácil, mas era um alento para ele saber que estava trabalhando mesmo na dor, nos hospitais, a gente estava ali segurando a mão do outro fazendo filme. Quando estava no hospital, eu sempre brincava: “Você não pode ir embora agora, a gente está fazendo um filme” (risos).

Por que escolheu esse título? Ele mesmo fala dentro do filme: “Quando morrer, tem que ter um médico para dizer que o coração parou”. Eu tinha que ter esse título, porque ele partiu exatamente assim. Ele teve quatro paradas cardíacas, o coração não queria parar. Não podia ser diferente.

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*Quem é Gaúcha de Campo Bom, Bárbara Paz iniciou na carreira artística nos anos 90, no grupo do diretor Antunes Filho. Tem vários trabalhos no teatro, cinema e televisão. Como atriz, seu último filme é Meu Amigo Hindu (2016), de Hector Babenco.