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Empreendedoras transformam tradição e identidade em negócio


 

Conheça as histórias de Lili Almeida, Bárbara Aguiar e Lívia Ribeiro

  • Carmen Vasconcelos

Publicado em 04/11/2019 às 06:00:00
Atualizado em 20/04/2023 às 11:28:06
. Crédito: Divulgação/Gab Brito

Quando Lili Almeida começou a frequentar a Feira de São Joaquim o fez porque a cozinha pedia compras em quantidade e qualidade. A cada visita, postava fotos e impressões sobre o lugar e os amigos começaram a pedir para que ela os levasse. O amor pelas ruelas, cores, texturas, histórias e perfumes da feira ampliou a vontade de dividir o amor pelo lugar com outras pessoas. Surgia assim a ideia de realizar um tour guiado, no qual os visitantes pudessem conhecer o ambiente e um pouco das pessoas que fazem o lugar. 

“As pessoas amam, especialmente quando entram na rua do Acarajé e se deparam com aquele espetáculo de cores laranjas. Depois que batem, boleiam, fritam e comem um acarajé, é visível o encantamento”, conta, ressaltando que a feira com suas tradições, dores e culturas é um lugar de poder.

Toda a força dessa ancestralidade e do passado ganharam força e se transformaram num novo negócio: as ‘aulas tour’ por São Joaquim, que começaram com os projetos Salvador Meu Amor e Virada Sustentável, mas que hoje já começa a caminhar com as próprias pernas, numa perspectiva de agregar valor para o trabalho de Lili e dos comerciantes.  A proposta é orientada pelo Sebrae para que se transforme num projeto social, para que todos possam ganhar e que tenha continuidade com as gerações futuras de feirantes de São Joaquim.

A história de Lili é uma das muitas de homens e mulheres que descobriram que a cultura local e ancestral pode ser uma fonte de inspiração para ideias empreendedoras que gerem boas oportunidades de negócios.   

Soluções De acordo com a Embaixadora Ibero-Americana de Jovens Empresários e consultora do Sebrae, Flávia Paixão, quando se cria um negócio, há uma conexão forte com a ideia e um sentimento. “No entanto, a ideia do empreendedor precisa ir além, resolvendo o seu problema e abrangendo os demais, do contrário, o negócio não vai para frente”, afirma.  

Para ilustrar melhor seu posicionamento, Flávia cita o movimento slow kid, que se pauta na educação infantil incentivando as brincadeiras ao ar livre, com menos acesso aos  eletrônicos e a alimentos industrializados. “A ideia, possivelmente, surgiu de forma individual ou em um pequeno grupo, contudo, a proposta se identifica com a preocupação de muitos pais. Por essa razão, mesmo muitas vezes não fazendo parte do mesmo meio, as pessoas podem ter problemas em comum. Empreender é isso: criar soluções para os clientes”, afirma. 

A própria Flávia é sócia da empresa Óleos da Mi, cuja criação foi pautada numa questão pessoal da sócia Camila Reis, mas com uma perspectiva de ajudar outras tantas mulheres que, como ela, decidiram assumir os cachos. “Lembrei que minha avó hidratava os cabelos com óleo de ricínio e a lembrança afetiva me mostrou o caminho a seguir”, conta Camila.  

Flor do Pensamento Os cabelos também foram a motivação que levaram a cabeleireira e empresária Bárbara Aguiar a criar o salão Yalodê. “Venho de uma família de trançadeiras. Minha mãe tinha um salão e minha tia foi diretora do bloco Ilê Aiyê. Numa das visitas de volta ao Brasil, minha tia me chamou atenção para o fato de que o salão investia em permanentes afros, que exigia alisamento, sem respeitar a estrutura original do fio”, conta. 

A partir daí, ela começou a pesquisar produtos que respeitasse o cabelo na sua forma natural, dentro de uma estética fundamentalmente negra. “No início, fui muito criticada porque me recusava a trabalhar com alisamento, com o tempo, os clientes começaram a perceber que tratar o cabelo crespo e cacheado era mais que uma questão estética, era um respeito, uma forma de valorizar a identidade negra”, diz a empresária que, hoje, mantém duas unidades: uma no Rio Vermelho e outra na Liberdade. Bárbara Aguiar (vestido verde) sentia falta de um salão que fosse voltado à valorização da estética e da identidade negra em Salvador (Foto: Arquivo pessoal) Flávia Paixão defende que o que torna esse tipo de empreendimento algo espacial é justamente o propósito. “Quando empreendemos é importante sempre lembrar que o negócio só dá retorno quando a motivação não é exclusivamente financeira. O negócio precisa ter relevância para as pessoas”, ensina. 

O propósito norteou o artista plástico Wilton Bernardo a criar o Estúdio Laço Afro, que assume os serviços de criação, os projetos de educação e arte, além das peças de moda, design e artesanato. “Depois de ter concluído o curso de Artes Visuais na Escola de Belas Artes eu comecei a refletir sobre os conteúdos e percebi que havia uma enorme lacuna sobre a cultura africana em mim. Não sabia nada sobre minhas origens, mas desejava produzir ilustrações que tivessem algum valor, que dialogasse com a história, que fizessem algum sentido e tivesse alguma relevância”, conta. 

Wilton diz que a percepção sobre sua identidade e todo o preconceito que isso envolvia ocorreu quando ele tinha 10 anos. “A partir do meu início de estudo e criação da Laço Afro, eu é que não quero esquecer nem um minuto que sou negro, e da forma que eu puder, faço questão de anunciar a todos de onde eu e os meus vieram”. Da primeira camiseta com a imagem de Yemanjá, exposta na loja Pérola Negra, em 2007, para cá, muita coisa mudou e a marca passou a assinar o estúdio criativo do artista. “Até o primeiro semestre de 2020, a vendas de produtos como camisetas, canecas, chaveiros, imãs e estatuetas será exclusivamente online a partir do site www.lacoafro.com”.

Reconexão

Resgatar a ancestralidade e se reconectar com a identidade afro brasileira. Essa é a proposta da educadora Lívia Ribeiro, que montou o projeto Infância Ancestral e uma marca de moda infantil chamada de Yumpi Lumpi, que propõe uma infância múltipla, livre e diversa. Mãe, pedagoga, educadora social e produtora cultural,  ela juntou diversas experiências para construir práticas educativas para o fortalecimento da identidade negra na infância, regaste a cultura popular e sustentabilidade, possibilitando que as crianças possam se socializar, brincar e aprender sem esquecer suas origens. Hoje, além da loja da marca, ela leva o projeto para diversos espaços, como a Virada Sustentável que acontecerá dias 9 e 10 de novembro, no Passeio Público.

DICASRaízes e asas

Propostas Para criar um negócio lembre-se que ele precisa estar conectado com uma ideia e um sentimento que recupere tradições, hábitos, costumes e histórias;

Soluções  Para empreender, o negócio precisa apresentar soluções não apenas para o idealizador, mas para um grupo de pessoas;

Pela primeira vez  Muitas vezes, a  oportunidade de negócio está diante do empreendedor, mas ele desconsidera por achar aquilo muito trivial. Se permita olhar ao redor como quem enxerga pela primeira vez, com olhar de turista;

Estude  Se você já descobriu o objeto da sua ação empreendedora, seja humilde e curioso e busque conhecer o máximo sobre o objeto, buscando avaliar ângulos e  perspectivas

Relevância  O negócio só traz retorno quando a motivação não se limita, exclusivamente, à resolução de uma questão financeira. O negócio precisa ter relevância para as pessoas ou para a comunidade. 

Autoconhecimento  Revisitar a história pessoal pode ser um passo importante para encontrar ideias e possibilidades para o próprio negócio, além de ser uma ferramenta importante de autoconhecimento

Sustentabilidade  Os negócios sociais possuem como proposta básica gerar benefício para uma comunidade, mas eles podem ser lucrativos, gerando dividendos por meio da comercialização de produtos ou serviços que, por sua vez, remuneram os sócios ou geram capacidade de investimento para a própria empresa que o criou. Apoio Os negócios sociais podem ter apoio. Confira no site: sebrae.com.br ou ashoka.org/pt-br ou artemisia.org.br ou yunusnegociossociais.com/