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No enterro de Makota Valdina, amigos destacam sua liderança


 

Religiosa foi sepultada no Jardim da Saudade, em Brotas

  • Roberto Midlej

Publicado em 19/03/2019 às 21:35:40
Atualizado em 19/04/2023 às 14:05:03
. Crédito: Evandro Veiga/Arquivo CORREIO

O corpo de Makota Valdina foi enterrado na tarde desta terça-feira (19), no Cemitério do Jardim da Saudade, em Brotas. Houve presença em grande número da comunidade do candomblé, que entoou os cânticos da religião.

Um dos presentes era Ailton Ferreira, sociólogo e ogã da Casa de Oxumarê de Salvador, que recordou a importância da líder: “Estive com ela na segunda-feira, por volta do meio-dia, mas ela estava inconsciente”, disse. Makota morreu após passar um mês internada no Hospital Teresa de Lisieux.

“Em 2001, fiz parte com ela do comitê contra a intolerância. Ela foi professora, religiosa e militante fervorosa e esteve sempre preocupada em levar a cultura africana às escolas. Uma das lembranças que tenho é de todo 15 de novembro ela estar distribuindo milho branco, que simboliza a paz de Oxalá”, lembrou.

Ailton falou sobre o significado da morte para sua religião: “É a passagem para o outro lado, o reencontro com a ancestralidade. É a passagem para o Orum, que é o mundo transcendental”.

Militantes negros ligados à arte também estiveram no Jardim da Saudade, como João Jorge, presidente do Olodum. “Nos conhecemos no início da militância e quem estava na militância tinha que passar pela líder Makota. Ela e Mãe Stella (de Oxóssi) projetavam luz para a gente. As duas nos mostravam o caminho. É um momento de despedida, mas que nos desperta também alegria por ter convivido com ela”, afirmou.  João Jorge, presidente do Olodum (foto: Robson Mendes/Arquivo CORREIO) João Jorge destacou a importância de Makota: “Viajei com ela para Angola, em 1988, onde abrimos a base para a Casa de Angola em Salvador, que funciona ainda hoje na Praça dos Veteranos. Sem ela, fica um vazio de liderança”, declarou."Makota Valdina e Mãe Stella [de Oxóssi] projetavam luz para a gente. As duas nos mostravam o caminho" (João Jorge, presidente do Olodum)O ex-governador da Bahia e atual senador Jaques Wagner esteve no enterro e observou que Makota foi uma mulher emblemática não apenas para o povo dela, mas para todos: “Foi muito importante na defesa das mulheres, dos negros e do povo de santo. Defendia com firmeza, mas de forma suave. E tinha a capacidade de juntar muita gente. Fisicamente, era miúda, mas gigante no pensamento”, disse.

“Ela me ensinou que o tempo é e a gente passa. Ela passou e deixou florestas, muitas florestas”, declarou o diretor teatral Márcio Meirelles.

Vilma Reis, Iaô de Xangô do Terreiro do Cobre e Ouvidora-Geral da Defensoria Pública do Estado, ressaltou a liderança que Makota tinha: “Ela sempre dizia: ‘não quero ser tolerada; quero ser respeitada’. Defendia que nós, negros, tínhamos que nos afirmar com orgulho a grandiosidade do nosso povo”, recorda. Vilma lembra dos encontros de que Makota participava na Biblioteca dos Barris no anos 1970/80, onde se encontrava com jovens negros e destacava ali a importância da afirmação da cultura negra e, especialmente, do candomblé. Para Vilma, Makota era um griô, uma mulher mais velha que carregava o conhecimento e o transmitia para os outros.

Júnior Pakapym, sobrinho de Makota, disse que a tia lhe ensinava a reagir à intolerância. No entanto, a reação era baseada na paz:  “Quando sabíamos dos ataques a terreiros, promovidos por neopentecostais radicais, ela nos dizia para reagir, mas nunca para revidar na mesma moeda. Nos ensinava a responder à altura em qualquer situação, mas sempre baseado na palavra. Ela dizia: ‘quando atacarem você, diga que não é cão sem dono, que tem família’”, lembra Pakapym."Ela representava a sabedoria e a luta de todo o povo negro contra a intolerância e o racismo" (ACM Neto, prefeito de Salvador) ACM Neto, prefeito de Salvador (foto: Betto Jr/Arquivo CORREIO) Em nota, o prefeito ACM Neto falou sobre a líder: “Uma grande perda para a Bahia. Ela representava a sabedoria e a luta de todo o povo negro contra a intolerância e o racismo. Perdemos também  uma grande liderança das causas sociais”.