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Outro 2 de fevereiro: noite do dia 1º lota ruas, bares e praia do Rio Vermelho


 

Iniciativas de artistas, estabelecimentos e comunidades antecipam início dos festejos e homenagens a Iemanjá

  • Alexandre Lyrio

Publicado em 02/02/2019 às 13:06:00
Atualizado em 19/04/2023 às 10:11:04
. Crédito: Reprodução/Instagram

À meia noite do dia 1º de fevereiro, a dona de casa Hildete Queiróz, 57 anos, segurava uma rosa branca com a mão direita, sussurava uma reza e fitava o horizonte. Para seguir o que manda o mestre Dorival, queria ser a primeira a saudar Iemanjá. “Sempre desço para a praia meia noite. Quero ser a primeira!”, orgulha-se. Bem que alguém poderia avisar a dona Hildete que ela estava longe de inaugurar as homenagens à Rainha do Mar.

É que bem antes do amanhecer do 2 de fevereiro, na tarde do dia anterior, o Rio Vermelho já começava a ser o cenário de outra festa de Iemanjá, só que no dia 1º. Quando a noite chegou as ruas já estavam lotadas, os bares cheios de atrações e clientes, a praia repleta de gente, sem falar nas manifestações religiosas na areia e oferendas sendo lançadas no mar. De uns anos para cá, iniciativas de artistas, estabelecimentos e comunidades têm antecipado cada vez mais as homenagens e festejos. Há quem diga que as festas no dia 1º são na verdade uma tradição que havia se perdido e agora volta com tudo.

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O fato é que a noite e madrugada desta sexta-feira duplicou o 2 de fevereiro. Teve espaço para tudo. Enquanto um grupo de intelectuais reunidos pela produtora cultural Ana Dumas tomava o Largo da Mariquita em direção à Colônia Z1, amigos do Engenho Velho de Brotas passavam pelo Largo de Sant´Ana fazendo um sambão. 

Enquanto o batuque da galera da Vila Matos se aproximava da Avenida Oceânica, um grupo formado pela atriz Regina Casé e outros globais saía do pé do Morro da Paciência puxados pelo Cortejo Afro. Haja festa!

Sem solzão na moleira E todo mundo tinha que atravessar a multidão que se formou em frente ao bar Lalá, perto do campo de futebol, onde DJs se apresentavam. “Tá mais cheio do que o dia 2. E tá ainda melhor porque não tem aquele solzão na moleira”, comparou a estudante Patrícia de Souza Lima, 25 anos. Tinha atrações também na Casa da Mãe, no Sesc Rio Vermelho, no Chupito e no Bar do França. Largos da Mariquita, Sant´Ana e Vila Caramuru estavam lotados.  (Foto: Alexandre Lyrio/CORREIO) Uma das iniciativas que mais reuniu gente foi a da produtora Ana Dumas, 55 anos. Há nove, ela reúne intelectuais, jornalistas e artistas para uma homenagem à Iemanjá. Animados por um carrinho de café que toca clássicos da MPB, eles saem da rua Fonte do Boi e vão cantando e bebendo até a Colônia Z1. "A galera sente a vibe positiva e a cada ano o grupo tem aumentado. Aliás, a noite do dia 1 tá se tornando uma festa bem interessante e nós contribuímos para isso", destaca Ana.

Do pé do Morro da Paciência, onde Caetano Veloso tem uma casa, saiu por volta de 1h o Cortejo Afro puxado por Regina Casé, que ficou responsável pelo balaio de oferendas. Entre os convidados especiais que desceram para o meio do povão, a atriz Camila Pitanga, o ator Dan Ferreira, a promoter Lícia Fábio e o publicitário Nizan Guanaes. “Dia dooooooois de fevereiro, dia de festa no mar”, cantava, pulando empolgadíssimo, Nizan, no meio do povo. Falando em Caetano Veloso, na edição especial de 40 anos do CORREIO, publicamos uma foto do trio Caetanave animando a galera em uma noite do dia 1º de fevereiro, o que mostra que a festa antecipada já foi forte também em outros tempos. (Foto: Hipoclito Pereira/Arquivo CORREIO) O fato é que o fortalecimento do dia 1º reflete no dia 2, que parece se renovar a ponto de atrair artistas de outros estados. "O 2 de fevereiro tá tão forte que tá atraindo mais artistas de fora que o próprio Carnaval", disse um jornalista que preferiu não ter o nome divulgado.

A rua estava tão cheia que grupos aleatórios arrastavam grandes multidões. Só com uma caixa de som e alguns instrumentos, o grupo de samba formato por amigos do Engenho Velho de Brotas não tinha nem nome. Pra que? "Tem nome, não. Somos só amigos mesmo. E olha a quantidade de gente que tá vindo atrás", empolgou-se o militar Henrique Ferreira, 60 anos, um dos organizadores. Os moradores da Vila Matos, da mesma forma, só queriam curtir e tomar uma. Mas se tornaram uma grande atração. “Esse batuque no dia 1 tá virando tradição. Esse ano tá sucesso!”, disse um dos integrantes.  

Banho de bênçãos Grãos de milho e girassol, folhas de amaci e arruda, pemba de Oxalá e alfazema de Iemanjá. Independentemente das atrações do Rio Vermelho boêmio, a manifestações de fé também já ocorrem  desde a noite anterior. Pais, mães e filhos de santo preparam seus tabuleiros e atravessam a madrugada dando banho de bençãos. "A gente chega desde o dia anterior para ocupar nosso espaço. Convocamos todos para receber as bênçãos da Rainha do Mar", disse o filho de santo Robson Pereira, 34 anos. (Foto: Alexandre Lyrio/CORREIO) Grupos religiosos de Umbanda e Candomblé também antecipam a chegada no bairro e entrega de presentes. O grupo Caboclo Eru, do Conjunto Santa Madalena, na Vasco da Gama, chegou às 20h. "É mais tranquilo. Além disso, este ano cumprimos promessa de entregar o presente no dia anterior", explicou Carlos Alberto Moreira, o Carlos de Logum.

Com a noite do dia 1 bombando, todo mundo comemora. Do vendedor de flores aos barqueiros que levam pessoas para o meio do mar para deixar o presente mais perto da rainha. "Tá bom demais. Muito tempo atrás tinha isso e agora tá voltando", disse o pescador Anivaldo Araújo, 25 anos, que nas festas de Iemanjá trabalha de barqueiro.  (Foto: Alexandre Lyrio/CORREIO) Mas a verdade é que o 2 de fevereiro já está mesmo começado em janeiro. É que, já na quinta-feira (31), o Largo da Dinha estava lotado. Centenas de pessoas foram para o trecho entre a Rua da Paciência e o Largo de Santana por conta de uma  apresentação gratuita do grupo Samba Vai Kem Ké, que participou da XI Lavagem da Odoyá entre o final da tarde e a noite do dia.

Com direito a água e produtos de limpeza, a lavagem é realizada há 11 anos às vésperas do dia 1º pelo artista plástico Ray Vianna, autor da Odoyá - dorso de peixe feito em aço e instalado em frente à praia do Rio Vermelho, próxima à Colônia de Pescadores. A festa já virou tradição no bairro e, enquanto a escultura passa por uma faxina, acontecem verdadeiros shows no local. Desse jeito, é capaz do 2 de fevereiro mudar até de mês. 

*Colaborou Naiana Ribeiro