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Bahia não faz transplante de medula óssea em crianças pelo SUS


 

Pacientes pediátricos precisam ser encaminhados para outros estados

  • Fernanda Varela

Salvador
Publicado em 25/03/2019 às 05:30:00
Atualizado em 19/04/2023 às 14:31:06
. Crédito: Marina Silva/CORREIO

Na Bahia, a rede pública não realiza transplantes de medula óssea em crianças. No Hospital Universitário Professor Edgard Santos (Hupes), conhecido como Hospital das Clínicas, são aceitos apenas pacientes, que precisam da doação, a partir de 14 anos, enquanto na rede particular, no Hospital São Rafael, crianças a partir de 5 anos podem passar pelo processo.

A informação foi confirmada pela Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), que informou, através de nota, que o transplante pediátrico “deverá ser iniciado brevemente, já estando inclusive em fase final de implantação”. No entanto, não há prazo para quando isso deve acontecer. Hospital das Clínicas só faz transplantes em adolescentes a partir de 14 anos (Foto: Marina Silva/Arquivo CORREIO) Médica assistente do departamento de Oncologia Pediátrica do Hospital Martagão Gesteira e responsável pelos transplantes pediátricos no Hospital São Rafael, a oncologista pediátrica e especialista em Transplante de Medula óssea pediátrica, Natália Borges, explica que as crianças que precisam da doação não podem ser atendidas na Bahia e são, sempre, encaminhadas para outros estados.

“Achando um doador compatível, a gente acha um centro transplantador e, quando a data é marcada, encaminhamos para São Paulo e Curitiba. Eles ficam numa fila de espera por leito”, explica.

Quando uma data é marcada, o paciente vai para o Hospital das Clínicas, em Salvador, passa por tratamento para matar as células doentes e viaja. 

No caso da criança que precisa da doação de medula, segundo explica Natália, é preferível que o transplante ocorra pelo método feito em centro cirúrgico. “Diminui a chance Doença do Enxerto Contra Hospedeiro (Dech) na criança, mas não significa que por aférese seja contraindicação absoluta”, justifica ela, que acrescenta que a doença é quando as células do doador reagem contra o organismo do paciente receptor.

Foi o caso do pernambucano Guilherme Victor Ferreira da Silva, 14, que passou pelo transplante quando tinha 10 anos. A mãe dele, Roseli Ferreira de Morais, 42, explica que o menino descobriu uma doença rara.“Ele brincava muito, corria, e de repente começou a apresentar sonolência e muita palidez. Depois de muito tempo descobrimos que ele tinha síndrome mielodisplásica, que segundo os médicos, é uma doença rara, onde há falência da medula óssea, que para de produzir células que formam o sangue em quantidade suficiente”, explica. Moradores de Recife, mãe e filho se mudaram para Barretos (SP), onde há um centro de estudo da doença, para passar por tratamentos e seguir na busca por um doador compatível. “Foi uma época muito difícil. Quando chegamos na cidade, tinham 36 crianças com essa doença. Todas morreram. Só o meu filho sobreviveu", conta. Guilherme aos 10 anos, quando descobriu a doença, e aos 13, após o transplante (Foto: Reprodução) Foram seis meses de espera, até que o empresário baiano Bruno Almeida Oliveira Ribeiro, 29 anos, apareceu na vida de Guilherme. E foi tudo totalmente por acaso. "Em 2011, o pessoal do Hemoba foi lá no meu trabalho fazer divulgação da doação de medula e eu acabei me cadastrando. Eu até brinquei lá no dia, porque eu sou meio medroso com essas coisas de agulha. Em 2015, o pessoal do Redome (Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea) me ligou e disse que acharam um receptor compatível", conta Bruno.

Apesar da compatibilidade ser motivo de comemoração, Roseli sentiu medo. "Meu filho fez quimioterapia para matar as células dele, para receber a medula nova. Eu tinha medo de dar errado e de acontecer o pior. A médica dele até falou que eu me preparasse, porque provavelmente não ia dar certo, mas eu precisava tentar", conta.

De acordo com o Redome, a partir do momento que a compatibilidade é confirmada, o doador precisa confirmar que fará a doação, sem direito de voltar atrás. Isso porque o paciente começa a passar por um tratamento para matar as próprias células para receber a nova medula. De acordo com Décio Lerner, diretor do Centro de Transplante de Medula Óssea (CEMO) do Instituto Nacional do Câncer, caso ocorra algo com o doador, existe um plano b para que o paciente não seja prejudicado. "Em geral, se parte para um plano b, que é colher do mesmo doador novamente. Mas, neste caso, é necessário adotar o método oposto. Ou seja, se foi a doação por medula, com punção, faz por aférese. Outra alternativa é a busca de um familiar que não seja totalmente compatível. Não é o ideal, mas fazemos em caso de urgência". (crédito: Correio gráficos) Não foi necessário um plano b. O transplante de medula de Bruno para Guilherme aconteceu em janeiro de 2016. O baiano conta que o processo foi bastante tranquilo. "Tive um pouco de medo pelo fato de nunca ter feito nenhuma cirurgia, mas eu sabia que tudo era muito maior que meu medo, sabe?", conta ele, que explica como tudo funcionou.

"Me deram opções de estado e escolhi Recife, porque tenho família lá. É tudo muito organizado. Eles pagam tudo, passagem, hospedagem, deslocamento. Transferiram o dinheiro antes, disseram que se eu precisasse de mais era só pegar o recibo que reembolsariam. Não tive problema nenhum com nada", conta o empresário. 

Apesar da doação ter sido muito tranquila para Bruno, que retomou as atividades normais após 10 dias, o processo não foi tão fácil para Guilherme. A medula pegou, mas ele teve a doença do enxerto, o que era esperado pela gravidade da sua doença. Bruno conversa sempre com Guilherme pelo celular (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) O garoto chegou a ir cinco vezes para a Unidade de Terapia Intensiva, mas, aos poucos, tem conseguido voltar a ter uma vida normal. "Ele já tem três anos de transplantado e os médicos dizem que meu filho é um milagre. Bruno é um anjo na nossa vida, ele salvou a vida do meu filho, porque sem o transplante ele dificilmente estaria vivo".  

Um passo de cada vez. Assim enxerga a mãe, Roseli. A grande comemoração recente é que o garoto, depois de cinco anos, voltou a estudar. "Estou muito feliz porque voltei para a escola. É muito bom. Não estou correndo ainda, mas é porque quebrei o pé mesmo, mas tem sido muito bom. Eu me sinto feliz, porque voltei a ser criança de novo", conta Guilherme, que sonha em tirar o corticoide da sua rotina.

O baiano e o pernambucano não se conhecem pessoalmente, mas, desde 2018, trocam mensagens pelo celular. Segundo Décio Lerner, é uma regra internacional que doador e receptor só possam se conhecer após, pelo menos, um ano. 

"Nesse período podem ocorrer complicações e rejeições, até o óbito do paciente, então evita-se esse contato. Como depois de um ano a chance de o paciente ficar bem é grande, podem se conhecer".