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Da Redação
Publicado em 9 de novembro de 2019 às 05:20
- Atualizado há 2 anos
Em janeiro de 1835, negros escravos e libertos, em resposta aos séculos de escravidão , organizaram a Revolta dos Malês. Após o fracasso do movimento, foram acusados criminalmente. O processo é composto por acusação, defesa e julgamento. Mas, como aquelas pessoas pobres se defenderiam?>
Sem dinheiro para contratar advogados, dependiam de caridade ou de bacharéis contratados pelos escravagistas. Aos libertos, restou a caridade. Aos escravos, a defesa no que importava aos que os viam como posses. Desperdício de sangue era aceitável; de dinheiro nunca.>
O historiador João José Reis, em Rebelião Escrava no Brasil, analisou muitos daqueles processos, dos quais 115 chegaram à sentença. De 80 escravos, 35% foram absolvidos, contra nenhum dos 55 libertos.>
Dos escravos, 11% foram condenados a alguma pena que os inutilizavam enquanto mão de obra para os senhores. Entre os libertos, esse foi o fim de nada menos que 96%. A inexistência de um sistema público de assistência jurídica selava os destinos.>
Mais de 150 anos depois, entre os direitos fundamentais na Constituição de 88, há os que só se concretizam para quem não é rico com a existência de uma instituição estatal apta a fornecer o acesso à justiça de graça. “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. “O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.>
Para materializar a ordem constitucional, há a Defensoria Pública, definida como “expressão do Regime Democrático”. Sua função é realizar a defesa dos necessitados de forma integral e gratuita. Há prazo até 2022, para que cada comarca do país possua defensores públicos em quantidade semelhante aos dos demais integrantes do sistema de justiça.>
Na Bahia, a Defensoria tem crescido mesmo na crise econômica. Em 2015, o serviço era oferecido em 22 comarcas. Hoje, são 45. Os recursos vão até o STF. Aliás, todos os dados demonstram que a chance de êxito em Brasília é maior com a Defensoria.>
O quadro ainda está longe do ideal. Não há defensores em 158 comarcas. O orçamento da Defensoria baiana representa apenas 0,49% da receita corrente líquida do Estado. No tripé do sistema de justiça, de cada 100 reais investidos, apenas seis vão para a instituição que representa os pobres.>
Comunidades sem defensores seguem tão fragilizadas quanto em 1835, sem sequer a proteção interessada dos senhores de engenho. Como os libertos do século XIX, os pobres ficam mais vulneráveis que os antigos escravos. Fere a Democracia a falta de defesa estruturada para eles. Seria razoável que todas as acusações penais de uma cidade ficassem a cargo de trabalhadores voluntários ou em início de carreira? E pra defender é certo?>
Já passou a hora de abolir a injustiça.>
Rafson Ximenes é Defensor Público Geral da Bahia>
Opiniões e conceitos expressos nos artigos são de responsabilidade dos autores>