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Malu Fontes
Publicado em 11 de março de 2014 às 07:29
- Atualizado há 2 anos
O sucesso da música Lepo Lepo, gravada pelo Psirico de Márcio Victor e composta pela dupla Felipe Escandurras e Magno Santana, foi estratosférico no Carnaval de Salvador. A música estava em todos os corpos, em todas as bocas e todas as telas de TV e manchetes relacionadas locais e até nacionais relacionadas à festa. >
Entretanto, o fato é que em todos os carnavais de Salvador sempre há uma música que marca a festa. Ou algumas, no plural, que disputam entre si o trono da que mais gruda no ouvido de quem está na rua e a que mais faz a galera tirar o pé do chão, botar a mão pra cima ou descer até o chão, como já foi o caso, literalmente. >
Sim, quem conhece o Carnaval de Salvador sabe que essas são palavras de ordem incorporadas a qualquer refrão de qualquer música entoada em cima de um trio elétrico, embora todas elas tenham, para além da obediência a esses gritos de guerra, uma coreografia própria, esquecida na quinta-feira após o arrastão das Cinzas. >
Essas músicas também têm em comum o fato de os mesmos súditos que as alçam ao posto de rainha de execuções em um ano dificilmente lembrarem no ano seguinte qual foi a vencedora do Carnaval anterior. Ganha um doce quem lembrar, sem ajuda do Google, claro, qual foi a música dona do pedaço em 2012. E poucos ainda lembrarão das de 2013. >
Assim, o que chama a atenção em Lepo Lepo, mais do que o sucesso que fez, foi a avalanche de teses sociológicas, econômicas, antropológicas e o diabo a quatro que vieram à tona na imprensa e nas redes sociais para explicar as razões pelas quais o público do Carnaval de Salvador teria se identificado tanto com ela. >
A própria expressão lepo lepo foi traduzida, aliás, por alguns veículos de imprensa, não como o que de fato é, sexo ou relação sexual prazerosa, mas como amor romântico. Que tal? Misturou-se sexo com amor romântico desinteressado de bens materiais – embora a coreografia da música desenhasse com maestria para os inocentes a coisa a que se referia -, inventou-se uma oposição entre o funk ostentação paulistano com o que seria um inaugural e novíssimo pagode miséria da Bahia, contradisseram isso tudo com uma pitada das máximas de Joãosinho Trinta sobre intelectuais versus luxo e pobreza, adicionaram um outro quê de teorias anticapitalistas para explicar o que seria a filosofia de vida de quem vive nas favelas e pronto: o Lepo Lepo recebeu no colo uma galinha pulando cheia de ovos fertilizados por um sociologiquês de meia tigela mais non sense que o texto de Morango do Nordeste. Ou alguém vai dizer que não se lembra das “batatas da terra” de Lairton & seus teclados ou que sabia o que se estava dizendo com aquilo?>
Desde quando as músicas que mais estouraram no Carnaval da Bahia precisam de tanta explicação para justificar seus índices de venda ou execução? Como já disseram por aí, a nova MPB, a Música pra Pular Brasileira, vai sempre muito bem sim senhor no seu nicho, ou seja, o Carnaval e seus filhotes, os carnavais fora de época país adentro e afora.>
E este foi o ano do Lepo Lepo, não porque a música é anticapitalista ou deixa de ser, porque representa ou não a filosofia de vida das pessoas que vivem na periferia. Se fosse assim, o próprio Psirico teria ido pro Faustão cantar Favela ou Firme e Forte ou ainda Sou Periferia há muito tempo. E chamar os compositores e o próprio Márcio Victor de hipócritas por cantarem o desinteresse financeiro e uma supremacia do Lepo Lepo (leia-se sexo) para fazer sucesso e dinheiro só pode ser ruindade da cabeça ou doença do pé. >
Melhor deixar os mortos, como Marx e Joãosinho Trinta, fora desse sociologiquês que inventa teses para explicar uma música feita apenas para divertir.>