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Gil Vicente Tavares
Publicado em 18 de março de 2020 às 15:00
- Atualizado há 2 anos
No prefácio a uma coletânea de textos críticos do teatro alemão, o pensador Martin Esslin demonstra, brevemente, como a cultura, e o teatro, propriamente dito, foram estratégias de Estado para a criação de uma identidade nacional.>
A Alemanha não se tornou uma referência mundial de arte e cultura por geração espontânea, nem demanda da maioria. Ao contrário, havia um interesse em Educar o cidadão alemão (ponho em maiúsculo pois a palavra alemã Bildung, como aponta Esslin, tem significado mais complexo e profundo).>
No Brasil, segundo a última pesquisa do IBGE, de 2019, 60% da população nunca foram ao teatro, dança ou apresentação musical, e 70% jamais foram ao museu. Só 17% das cidades brasileiras têm livrarias, e, pasmem, apenas 10% têm cinemas. Faltam, ao Brasil, políticas públicas que pensem as artes a partir de diagnósticos, estabelecendo metas. Como a arte pode fazer parte da formação e do imaginário do cidadão? E quais estratégias devem ser feitas para que as artes, em suas diversidades e potências, possam fazer parte do cotidiano do brasileiro?>
Em entrevista a um programa dominical de TV, a secretária especial da Cultura, Regina Duarte, declarou: “Você não vai fazer filme pra agradar a minoria com dinheiro público”. Ela talvez não saiba que mesmo o pum de talco é feito para agradar uma minoria no país. Duarte parece não compreender o papel do Estado, e ao insinuar que sua gestão deve apontar para uma demanda da maioria, ela parece acenar às artes que naturalmente já têm seu espaço consolidado.>
Uma apresentação de um humorista lota anfiteatros país afora, assim como a música sertaneja lota parques e arenas, cobrando preços muito mais caros que a média de ingresso para teatros; e não precisam de editais nem programas de incentivo. Artistas comerciais têm seu sustento advindo de seu comércio, e pelo seu sucesso tem totais e quase exclusivas chances de buscar “seus patrocínios na sociedade civil”, ao contrário do que quer Duarte. Se ela pensa em distribuir o orçamento de sua reduzida pasta para o que agrada a maioria, ela automaticamente vai ignorar museus, teatros, documentários, concertos, etc., cujo valor simbólico não vai interessar à iniciativa privada. Justo as artes que nos grandes centros culturais do mundo são responsabilidade do Estado.>
Uma pessoa que esteja à frente desta pasta deveria, no mínimo, pensar em como democratizar a arte e a cultura, em toda sua diversidade, e potencializar a criação, difusão, produção e memória cultural e artística que o Brasil possui, em todo território nacional. Mas que provavelmente continuará sendo feita para uma minoria; num país que não lê, não vai ao teatro e não frequenta museus.>
Gil Vicente Tavares é diretor, compositor, dramaturgo e professor da UFBA>
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