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Publicado em 14 de dezembro de 2024 às 02:00
Entre todas as pessoas que você conhece, qual delas será a última a morrer? Quem você acha que tem talento para viver mais tempo, chorar por todos e só lá na frente, bem adiante, chegar à hora extrema? Minha primeira indicação para a lista de tirados a imortais seria o meu amigo Elton Magalhães, que esta semana, com imorais 39 anos, me fez perder a aposta não estabelecida. Mestre e professor de Literatura, escritor / poeta-cordelista, sambista com jeito de surfista fake, motoqueiro-motociclista, artista, colecionador e agregador de amigos, animado e exibido. Pura maldade do destino, sem dó nem piedade de todos. >
E entre todas as pessoas que você conhece, qual delas você considera a mais próxima do auge da vida, da realização completa, da plena felicidade? Se esse estágio existe de verdade, meu amigo Elton, até outro dia, o gabaritava. Na vida amorosa, via nele e em Priscila almas gêmeas em festa de virotes sem ressaca; na profissional-financeira, gabava-se de ganhar o suficiente para manter a cachaça de dar aulas; na religiosa, encontrara seu lugar e tinha dedicação divina. Na artística, ainda ontem, estaria tocando com o Samba de Okán, grupo do qual era o bandleader, num famoso bar da Lapinha; contou a alguns que estava felizaço com a procura por ingressos, um sucesso. Dezembro acaba com tudo: a vida de um, a alegria dos outros. Brutal o seu adeus, sem dó nem piedade de nós.>
A sensação é da morte do protagonista no meio do filme, que faz tudo perder o sentido. Foi como quando sonhei chegando no Carnaval, com tudo arrumadinho na avenida, mas não tinha ninguém além de mim. O inferno é a falta dos outros. E assim serão os próximos carnavais sem o nosso amigo mais carnavalesco. >
Elton Linton Oliveira Magalhães faleceu pilotando a sua Lucille, uma moto bonita e estilosa como ele, quando voltava do trabalho, no IF Baiano de Itaberaba. Ficava o fim de semana em Salvador, chegava para dar aula na segunda-feira, e voltando para seu outro cantinho, na cidade da Chapada, passou por um quebra-molas recém-colocado, na BA-233. De acordo com várias testemunhas, troço instalado em local não justificado e sem a sinalização adequada. Não estava em alta velocidade, mas um quebra-molas para uma moto, na rodovia, é uma arma na mão do acaso: caiu de mal jeito, não teve jeito. >
Há dois anos, enquanto andávamos por Itaberaba, numa noite de São João, talvez tenha surgido o meme “isso não é um professor, é um prefeito!” Toda hora paravam pra falar com ele, que toda hora aparecia no palco como mestre de cerimônias ou declamando algo. >
Os alunos o abordavam com ânimo especial. Os mesmos que faziam surpresa para o mestre, no aniversário dele, e que anteontem se reuniram no pátio da escola para prestar homenagens. Belas e tristes, como não ser?>
Em nota de pesar, o IF Baiano lembrou que perdemos um carinha que “deu voz à cultura popular”. E não foram poucas as lutas que ele travou por isso, especialmente na valorização do cordel, que mereceu a homenagem póstuma de José Walter Pires (leia ao lado).>
Quando o corpo saiu de Itaberaba, a caminho do sepultamento no Jardim da Saudade, em Salvador, o carro funerário foi seguido por uma caravana de despedida. À frente, várias motos buzinando. Comentei a cena comovente com Karine, amiga e sua ex-cunhada: “apesar de gostar de moto, ele não gostava muito desse negócio de motociata”, ao que ela replicou: “mas adorava ser o centro das atenções!” Concordamos e rimos.>
Era um amostrado mesmo, embora quando o conheci há 21 anos, no Cefet, se escondesse debaixo de uma boina. Mas era um cara dos palcos desde ali, tocando com a banda de rock Julia Veota no Nhô Caldos, até aqui, em outubro, quando o vi em plena forma à frente do Samba de Okán, em Cachoeira, na programação da Flica. Um show de catarse que, para todos da banda, foi o melhor que já fizeram.>
Dava show cantando, ensinando, palestrando e escrevendo: autor de diversos folhetos, participou de duas grandes antologias de poesia: “Prêmio Nacional de Poesia Jovem” e “Concurso Nacional Nova Poesia”. Lançou ainda os livros de cordel “O Ano da Copa no País do Futebol” (2014), “O Português na Língua de Cordel” (2015), “Épico Esquadrão: A História do Esporte Clube Bahia em Cordel” (2021) e “Festas Populares na Bahia”, este último o mais fantástico - tive a honra de assinar o prefácio - publicado em 2018, com vários textos que saíram neste CORREIO. >
Nascido em Castro Alves, terra do poeta, era também pura poesia o seu primeiro dia: veio ao mundo no Dia do Cordelista, 19 de novembro. Portanto, um predestinado e um obstinado pela cultura, a arte e a vida. Confessa isso num comentário feito a outro poeta, James Martins, com quem a gente fechava uma trinca literária em sala de aula: “e no final, a vida é a maior obra que alguém pode construir”. Acho que foi a única coisa que a gente aprendeu no Cefet. Vá em paz, meu irmão.>
João Gabriel Galdea é jornalista>