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Moyses Suzart
Publicado em 23 de novembro de 2025 às 08:00
Quando se fala em turismo na Bahia, o imaginário coletivo costuma viajar imediatamente para o litoral, pé na areia, água de coco e beira do mar. Tudo bem, o estado tem a maior extensão litorânea do Brasil, com mais de 1.100 km, mas temos muito mais do que isso. E umas das maiores riquezas ainda pouco explorada está debaixo da terra, uma outra Bahia das cavernas, com potencial científico, histórico e turístico que impressiona pesquisadores do mundo inteiro. >
É um potencial inesgotável. O estado abriga o terceiro maior conjunto de cavernas cadastradas no Brasil, atrás apenas de Pará e Minas Gerais, e guarda um título que a maioria dos baianos sequer imagina: temos a maior caverna do Hemisfério Sul, a Toca da Boa Vista, em Campo Formoso, com mais de 120 quilômetros já mapeados.>
“O potencial do nosso estado é muito grande e pouco explorado. A Bahia está em terceiro lugar no universo de cavernas conhecidas no Brasil, atrás do Pará e de Minas Gerais. É muita coisa”, afirma o geólogo Ricardo Fraga, pesquisador e responsável pelo premiado Atlas do Carste e Cavernas da Bahia, publicado pela Unicamp. Segundo ele, a falta de atenção ao tema está relacionada a uma ausência histórica de investimento, formação profissional e divulgação deste mundo subterrâneo no estado. “Com o tanto de licenciamento que a gente tem em terrenos cársticos, faltam pessoas especializadas no próprio estado para atuar nisso. Acaba que vem pessoas de fora pesquisar”, comenta.>
O contraste se torna ainda maior quando se observa o potencial turístico que já existe e que segue subaproveitado. A Chapada Diamantina, um dos destinos mais procurados do Brasil, tem como principais pontos turísticos justamente as cavernas. E o movimento pode crescer ainda mais. >
“Os principais atrativos turísticos da Chapada Diamantina são as cavernas. Veja a oportunidade e o panorama que a gente tem aqui e que ainda estão ociosos”, afirma o pesquisador. Ele explica que a própria Lapa Doce, já famosa nacionalmente, está prestes a ser oficialmente reconhecida como a segunda maior caverna do estado após novas conexões de mapeamento recente. “Conseguiram conectar a Lapa Doce com outro trecho ainda em mapeamento. Ela deve vir a se configurar como a segunda maior caverna do estado”, celebrou.>
“Somos pioneiros no turismo espeleológico na Chapada Diamantina. Hoje somos a segunda maior caverna do Brasil, com mais de 42 quilômetros mapeados. Aqui atua a Associação de Condutores de Iraquara, que são os responsáveis por levar os visitantes à caverna”, explica Mara Lima, administradora da Fazenda Lapa Doce e guardiã da gruta ao lado da irmã, Geovana Lima. Ambas falam que o movimento de turismo em cavernas pode mudar também a rotina das cidades e seus moradores.>
“Seguimos as regras estabelecidas pelos órgãos competentes e somos fiscalizados e orientados por eles. As práticas sustentáveis incluem controle rigoroso do número de visitantes, iluminação mínima e estratégica para preservar o ambiente natural e protocolos específicos para proteção das formações geológicas e pinturas rupestres. Recebemos universidades, escolas e pesquisadores de todo o Brasil e de diversos países, e mantemos parcerias constantes com projetos educativos e iniciativas de inserção da comunidade local”, completa.>
Contudo, não é apenas a Chapada que guarda tesouros subterrâneos. A Bahia também concentra importantes espaços de devoção religiosa, como Bom Jesus da Lapa, descrito por Fraga como “um dos maiores eventos de peregrinação religiosa em cavernas no Brasil”. Na verdade, ela é a maior no país. A Gruta da Mangabeira, em Ituaçu, é outro exemplo de utilização cultural e espiritual que movimenta a região há décadas. Apesar desses potenciais múltiplos, o estado ainda não transformou essas riquezas em estratégia consistente de desenvolvimento turístico e científico. “Falta a Secretaria de Turismo atentar para isso. Parece que a gente só tem praia. Está na hora de explorar outras coisas que a Bahia oferece. Olhar um pouco para o interior”, alerta.>
A importância das cavernas vai muito além do turismo. Elas funcionam como verdadeiros cofres naturais de informação. Fraga destaca três dimensões essenciais. A primeira é a do clima. “As cavernas abrigam informações sobre ambientes anteriores da Terra. Atmosferas antigas ficam presas dentro dos espeleotemas e a gente tem acesso a um dado direto para estudar as variações ambientais do planeta e do clima no passado”. A segunda é econômica. “Os reservatórios cársticos abrigam as principais reservas de petróleo do mundo, inclusive o pré-sal. Por isso há muito investimento em pesquisa para entender como esse petróleo está armazenado lá dentro”. A terceira é histórica e antropológica. “A maioria dos registros arqueológicos mais importantes veio das bocas das cavernas. A entrada era abrigo para as populações antigas. Muitas descobertas paleontológicas vieram das cavernas porque os animais caíam lá dentro e os fósseis ficavam protegidos, como se fosse uma armadilha”.>
Mesmo assim, falta interesse social e institucional. “A gente rodou 10.500 km na Bahia e vimos patrimônios geológicos extremamente interessantes, mas faltam pessoas. Aqui na universidade a gente não consegue montar um grupo de espeleologia. A maioria dos meus alunos vêm de fora.” A ausência de profissionais especializados se reflete também na falta de ordenamento do turismo subterrâneo. Para transformar uma caverna em atrativo turístico é obrigatório elaborar um plano de manejo espeleológico, e a Bahia ainda engatinha nesse processo. Outro aspecto é que boa parte dos terrenos estão em propriedades particulares. >
“O proprietário é dono só da superfície. Para tornar uma caverna turística é obrigatório fazer plano de manejo espeleológico. E isso é algo que a Bahia precisa avançar”, explica. Ele revela que o primeiro plano de manejo espeleológico do estado, referente à Caverna dos Brejões, está previsto para ser concluído no próximo ano. “Isso vai ser um passo importante para ordenar o turismo e permitir uso sustentável.”>
Afinal, o que falta para tudo isso se transformar em política pública? “A gente tem aqui a maior caverna do Hemisfério Sul e quantas pessoas sabem disso no nosso estado?”, questiona o pesquisador. Para ele, a democratização do conhecimento é a chave. O Atlas do Carste e Cavernas, publicado recentemente, foi criado exatamente com o objetivo de orientar a gestão ambiental, apoiar licenciamentos e aproximar a sociedade deste patrimônio. “A Bahia agora é o primeiro estado do Brasil a ter uma coleção didática sistemática das rochas carbonáticas. Nossa ideia é levar isso para o digital. É conhecimento que precisa ser difundido”.>
O pesquisador se anima quando fala da experiência sensorial de entrar numa caverna. Para ele, é um contato que muda a percepção do mundo. “O mundo subterrâneo da Bahia é algo fascinante. Tem muita gente de fora que vem estudar e conhecer o nosso patrimônio porque ele é realmente rico e diverso. E a gente aqui ainda não conhece”. Ele conclui com esperança, mas também com alerta. “Falta promover isso, falta divulgar isso. É um universo ainda pouco conhecido perante o potencial que a gente tem. Se o baiano descobrir, vai se orgulhar”, completa. A Bahia subterrânea é um horizonte que ainda precisa ser iluminado. Quem quiser conhecer mais sobre o assunto, basta acessar o Atlas completo aqui>
No Estado da Bahia merecem destaque o trabalho dos grupos de espeleologia que vêm trabalhando pela prospecção e mapeamento de cavernas, quais sejam: Grupo Araras de Espeleologia - Ituaçu/Bahia, Grupo Mundo Subterrâneo de Espeleologia - Paripiranga, Sociedade Baiana de Espeleologia - Iraquara e o Grupo Sul Baiano de Espeleologia - Ilhéus e Itabuna. A cada dois anos, com apoio da Sociedade Brasileira de Espeleologia e da Espeleonordeste esses grupos organizam o Encontro Nordestino de Espeleologia - ENE, congregando os interessados na temática para discussões e visitas técnicas em cavernas. >
Cavernas baianas