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'A posição de rico não está pautada no que você tem, mas no olhar do outro', diz Michel Alcoforado

Autor de Coisa de Rico estará em Salvador entre os dias 6 e 10 de novembro para eventos de lançamento do livro

  • Foto do(a) author(a) Thais Borges
  • Thais Borges

Publicado em 2 de novembro de 2025 às 05:00

Michel Alcoforado
Michel Alcoforado Crédito: Renato Parada

O antropólogo Michel Alcoforado penou por alguns anos, até ter livre trânsito na alta sociedade brasileira. Chegou a acreditar que não tinha mais chances de desenvolver a pesquisa de doutorado até que a alcunha de ‘antropólogo do luxo’ pegou. Com a experiência acumulada de anos no segmento, lançou, em agosto, Coisa de Rico: a vida dos endinheirados brasileiros (editora Todavia). Em três meses, virou bestseller e já atingiu a marca dos 40 mil exemplares vendidos.

Os ricos, inclusive, estão lendo e adorando. "Ninguém ficou chateado porque o livro é sobre ninguém e, ao mesmo tempo, sobre todos nós". Ele vem a Salvador para três eventos a partir da próxima quinta-feira (6). A maratona começa com um evento para convidados no Palacete Tira-Chapéu e vai até o dia 10, com um lançamento aberto ao público, às 18h, na Livraria LDM do Shopping Vitória Boulevard. Por telefone, ele conversou com o CORREIO na última segunda-feira (27) sobre o livro, a pesquisa e a relação com Salvador.

Michel Alcoforado
Michel Alcoforado Crédito: Divulgação

Um dos aspectos que você aborda no livro é que o dinheiro não é importante para fazer de alguém um rico. Por que os ricos precisam convencer de que são ricos e a quem eles precisam convencer?

Isso é por conta de um reconhecimento de que sua posição de rico não está pautada no que você tem, mas no olhar do outro. O outro precisa achar que alguém é rico para transitar e pertencer às altas classes. Por isso, dinheiro só não basta. Precisa mostrar, através de códigos, de comportamentos, da maneira que se veste e dos amigos que tem o quanto dinheiro tem. Esse reconhecimento da própria riqueza não se dá exclusivamente pelo dinheiro.

Em um dos capítulos, você conta que precisou criar uma secretária falsa para ser levado a sério por quem tem secretárias. Esse é um símbolo, um código. Quais são os principais códigos de pertencimento que você identificou e como eles se tornaram tão relevantes?

Acho que o principal ponto é que eu fui descobrindo que ser ocupado era um atributo importante de distinção. E como a gente percebe que alguém é ocupado? Ou como alguém ocupado se legitima como ocupado? Isso está atrelado à presença das secretárias. Gente ocupada tem secretária para a própria vida e gente mais ocupada tem mais secretárias. Grandes executivos chegam a ter três secretárias. Ser ocupado é um código importante de distinção.

Outro elemento é o conhecimento que chamamos sobre as ‘coisas de rico’ - os objetos que catapultam para a vida de rico. Eles não só vão marcar um papel diferente, mas com eles você consegue acessar (os ambientes) com mais facilidade.

Que coisas de rico são essas que estão permitindo esse lugar? Os desafios estão no que são as coisas de rico, de que forma você usa as coisas de rico e como elas impactam.

Um dos pontos discutidos por você é a questão de que parecer ocupados tem razões históricas no Brasil. Você até divide em três grupos: os criadores de um novo “eu”, os ocupados desocupados e os vencedores bons vivants. Em que esse parecer ocupado é diferente da ocupação na classe trabalhadora?

As pessoas são ocupadas, mas a grande diferença é que quando olhamos para as elites mundo afora, o ócio era a principal distinção. Enquanto eu e você precisamos trabalhar para pagar as contas, o que faz de um rico rico é o tempo livre para fazer o que quer fazer.

Mas, aqui no Brasil, mesmo aqueles que não trabalham continuam sendo muito ocupados a ponto de eu falar de gente que mesmo sem nenhuma ocupação se vende como ocupado. Quando fulano não tem nada a fazer, inventa que tem um trabalho artístico. Um pintor que nunca fez uma mostra, um escritor que nunca escreveu um livro.

Um rico inglês fala que não faz nada, ou que faz jardinagem. Esse cara, não. Esse cara no Brasil vai inventar uma vida ocupadíssima. Quanto mais ocupado, mais importante.

A diferença dos ricos ocupados para a ocupação na classe trabalhadora está atrelada a uma ideia de que minha vida é milimetricamente pensada para dar conta de tudo. Claro que o fulano que pega ônibus, trabalha o dia todo também tem uma vida tomada de afazeres.

Só que o rico tem uma vida sem brecha. É muito comum, quando encontro com executivos, eles dizendo que não tem tempo nem para ir ao banheiro entre uma ocupação e outra.

Você identificou diferenças entre as elites de cada local. Você comentou que a elite carioca tem uma fixação por Genebra e Paris, enquanto a paulista é pelos EUA. Como é a elite baiana? Ou a elite de Salvador?

Eu fiz poucas incursões entre os ricos baianos, mas o que tenho falado é que, de maneira muito geral, o que vi na elite nordestina - e peço licença para colocar Nordeste como Nordeste, apesar das diferenças entre os estados - foi um certo conforto com as distâncias.

Um conforto em que elas são facilmente defendidas e facilmente reforçadas, naturalizadas no dia a dia. Eu sempre choco os meus amigos em Salvador que têm um pouco mais de grana com o fato de que adoro sentar no Porto da Barra e tomar uma caipirinha e que meu lugar preferido em Salvador é o Centro Histórico. Do ponto de vista de uma certa elite baiana, esses são lugares não frequentados. Se enfiam em condomínios fechados na Praia do Forte e o encontro com o que é diferente é quase impensado.

A elite baiana, mas sobretudo a nordestina, naturaliza mais a distância e está menos permeada. Toda vez que digo que vou ao Porto da Barra, aparece alguém me oferecendo a praia do Yatch Clube. ‘Não se mete nessa praia não, vá no Yatch Clube que é melhor’. Não estou querendo fazer nenhuma crítica à elite baiana, as distâncias são centrais.

Ouvi de algumas fontes que algumas pessoas nesse grupo não visitam espaços culturais em Salvador, como museus.

Isso de não visitar é um traço brasileiro, acontece com outras elites. Mas, em São Paulo, a elite paulistana tem noção e entende que a frequência ao Masp ou à Pinacoteca deveria ser um hábito. Acho que no Nordeste essas coisas estão mais sedimentadas. É uma ideia de que tem coisas diferentes para gente diferente. No calçadão no Rio de Janeiro, encontro gente distinta, mas não vemos encontro de gente assim na Bahia. Me parece uma elite mais encastelada.

No livro, você relata que muitos dos endinheirados brasileiros não se consideram ricos — “o rico é sempre o outro”. Por que esse distanciamento existe? Qual o papel disso na manutenção da distinção social?

É esse fascínio nosso pelas distâncias. Acho que a desigualdade social brasileira vai começar a ser desmontada quando a gente entender que é bom para todo mundo viver com menos muros e mais pontes. É entender que a gente tem que parar de achar que todo encontro com o diferente deve ser marcado por medo.

Toda vez que dois mundos distantes se encostam no Brasil, dá em medo ou inveja. A gente interiorizou tanto que acha que é normal. Mas a gente precisa entender que o fato de alguém ter menos dinheiro que você só faz alguém ter menos dinheiro que você e que acontece em qualquer dinheiro. Na Suécia, o ricaço e não ricaço convivem olhando um para o outro. Aqui, a gente gosta de acreditar que tem coisa para um e coisa para o outro. Salvador faz isso bem. Às vezes, no mesmo shopping, tem andar de pobre e andar de rico.

Você contou uma situação em um restaurante em que uma rica te fez de tolo. Por que os ricos têm essa condescendência? Ou por que fingem que são ‘simples’?

Eles fingem que são simples porque esse é um erro crasso que nós, diante de um ricaço, cometemos. O que eu digo sempre é que ele (o ricaço) não perdeu nem tempo para marcar a diferença para você. Quando o rico nem perde tempo com isso, ele parece simples mas o que está em jogo é a diferença. A gente não pode esquecer disso.

Não tem gente simples porque, nesse modelo de sociedade, estamos todos nós, a todo momento, preocupados em mostrar para o outro quem a gente é. Mesmo quando a gente acha que está diante de alguém simples, há um fosso. A pessoa é educada, te chama pelo nome mas ela fará questão de mostrar o fosso.

Coisa de Rico já vendeu 40 mil exemplares em quatro meses. Você esperava esse sucesso, inclusive entre os ricos? Algum dos ricos que participou da pesquisa leu o livro? Como eles reagiram?

Eu tive o cuidado de botar casos no livro de pessoas que eu não tinha mais tanto contato por isso mesmo. Mas o fato é que os ricos, de maneira geral, estão lendo o livro e se reconhecendo. E ninguém ficou chateado porque o livro é sobre ninguém e, ao mesmo tempo, sobre todos nós. Não é personalizado em ninguém e os personagens estão ali para ajudar uma história que faz parte do Brasil. Essa é a maneira como nós pensamos.

É engraçado porque quando rola de tentarem descobrir quem são os personagens do livro, as pessoas dizem que sabem quem foi. Eles dizem quem é e eu não conheço, nunca encontrei. Porque são fenômenos sociais compartilhados por todos. A cultura está sobre todos nós, mas ao mesmo tempo ela não está presente em ninguém. Acho que é por isso que tem sido bem recebido. Mário Jorge e Claudete são essas duas figuras, mas todo mundo já encontrou Mário Jorge e Claudete, já encontrou Olívia. Isso dá um certo alívio. E acho que o livro entrega um certo olhar empático com o rico, porque você entende o sofrimento que é ser rico e a complexidade isso.

Durante a pesquisa, você mergulhou nos códigos de comportamento das elites brasileiras — como falam, se vestem, o que valorizam. Você usa esse aprendizado no seu dia a dia? Em algum momento já precisou performar como rico para ser ouvido ou aceito em certos ambientes?

Eu performo como todo mundo performa. A gente tem um certo fascínio pelas coisas. Os processos de transformação que vivi para fazer a pesquisa, claro que algumas coisas estão dentro de mim. Brinco sempre que o espumante que gosto de beber não cabe no meu bolso, mas outros colegas antropólogos vivenciam a mesma coisa.

Seu trabalho também evidencia o quanto as estruturas de classe no Brasil são atravessadas pelo racismo. Como o racismo estrutural influencia as relações de poder e a forma como o sucesso é percebido entre pessoas negras e brancas no país?

Isso é central. O que eu tenho dito é que não quis abrir o debate racial porque ele ia engolir o debate demarcador de classe, que é tão sensível no Brasil. E outro ponto importante, que acho que foi um acerto no livro, é que se eu tivesse o debate racial no livro, a sociedade brasileira estaria dormindo em paz.O racismo brasileiro que sofri é o mesmo entre os ricos e os outros. Eu continuei preto e os ricos são racistas como qualquer outro grupo. Não há nada que os faça diferentes.

Depois de tanto tempo convivendo nesses ciclos, como não se revoltar diante dessa desigualdade social toda?

Entrei nesses campos sempre como pesquisador e meu objetivo não é fazer juízo de valor, se estão certos ou errados. Essa talvez seja a principal graça da antropologia: é entender que o problema da riqueza é da sociedade brasileira como um todo. Quando olhamos para um ricaço, a gente está naturalizando a posição dessa pessoa. Um rico só está na posição que está porque a sociedade brasileira inteira está trabalhando para que ele esteja lá. Se não fosse, a gente tinha aprovado no Brasil o imposto de herança, a taxação de riqueza que passou na Câmara mas não no Senado. Olha a dificuldade. Então, não fiquei revoltado, porque estava na posição de pesquisador e porque a sociedade brasileira trabalha fortemente para que essas pessoas continuem onde estão.

Você terá alguns eventos de lançamento do livro em Salvador nos próximos dias. Como é sua relação com a cidade?

Eu adoro Salvador. Todas as vezes que me perguntavam e eu dizia que estava no Centro Histórico, nos tempos áureos do Pestana (do Carmo), ficavam chocados que eu me hospedava lá. Agora menos, porque a revitalização do Centro Histórico tem mudado isso. Mas ficavam chocados, como se não fosse um lugar para uma certa elite frequentar. E eu sempre fui apaixonado por essa Bahia. Toda vez que chego aí, chamo um corretor de imóveis e digo que vou comprar um apartamento.

Para mim, o melhor de Salvador é a possibilidade de trânsito em vários mundos. Adoro ir à Pedra Furada comer moqueca. É um lugar que as elites baianas não frequentam. Eu durmo no Fasano, entro no Uber e vou no Boteco do Piri, que as elites baianas não vão. Salvador, sobretudo para alguém que é um homem negro, é um retorno para uma ideia de cidade onde você não é o único diferente. Adoro Buracão, adoro os lugares dos nativos. Não nasci para viver em castelo - o que não me afasta de lugares que são mais sofisticados. Adoro jantar no Amado, no Soho. Gosto desses lugares também, acho o bar do Fasano maravilhoso. Vou à Ilha dos Frades comer moqueca de Preta. Já fiz tudo isso.

Essa ideia de várias Bahias é a grande riqueza. Uma coisa não exclui a outra. Tem que ter mais pontes, não ter tantos muros. E a Bahia pode proporcionar isso.