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Roberto Midlej
Publicado em 3 de maio de 2025 às 05:00
Completaram-se, na sexta-feira (2), cem anos do nascimento de Mãe Stella de Oxóssi, uma das mais importantes líderes do candomblé e ialorixá do Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá por mais de 40 anos. Mas o legado dela não ficou restrito a questões religiosas: Maria Stella de Azevedo Santos - nome de batismo da sacerdotisa - se empenhou por uma sociedade mais justa, em que as mulheres tivessem mais espaço e em que as crianças tivessem acesso pleno à educação. Tanto que criou uma escola que funciona no Terreiro e uma biblioteca itinerante. >
Portanto, é natural que este ano seja marcado por uma série de homenagens à Mãe Stella. No último dia 26, a Sociedade Beneficente Cruz Santa do Axé Opô Afonjá lançou a programação que a instituição preparou e, até dezembro, pelo menos um evento mensal será realizado em memória à sacerdotisa que morreu em 2018, aos 93 anos. >
Emanuel Nascimento, presidente da Sociedade e um dos responsáveis pelas homenagens, fala sobre a importância de Mãe Stella: “Nós somos muito gratos pelas atitudes dela, pela força e pelo legado. Ela é uma guia espiritual que deixou legado para a cultura, seguindo um dito de Mãe Menininha, que dizia que queria ver todos os filhos com um anel de doutor no dedo. E Mãe Stella fez isso: não à toa, se tornou imortal pela Academia de Letras da Bahia [ALB], além de ter deixado um museu, uma biblioteca e uma escola”.>
A ALB também prestará homenagens à sacerdotisa. Na sexta (2), a instituição sediou o lançamento do Instituto Mãe Stella de Oxóssi. Mãe Stella foi eleita por unanimidade para a Academia de Letras da Bahia em 2013 e tomou posse em setembro daquele ano, na cadeira 33, antes ocupada pelo historiador Ubiratan Castro e que tinha Castro Alves como patrono. >
O escritor Aleilton Fonseca, presidente da Academia, destaca o trabalho da religiosa como escritora: “Ela é reconhecida internacionalmente como líder religiosa. Mas é preciso lembrar que é uma grande escritora e publicou livros importantes nesta vertente das tradições da ancestralidade e dos imaginários da cultura de resistência africana no Brasil. Hoje, há uma vertente forte, que está nas tradições de pensamento dos povos de matriz africana e ele, como escritora, é pioneira nisso. Ela escreve sobre isso numa época em que essa vertente ainda não estava em evidência”.>
Aleiton defende que Mãe Stella foi também uma das pioneiras nas questões ambientais, quando escreveu livros como Epé Laiyé - Terra Viva, que conta a história de uma árvore que ganha pernas e vai lutar pela construção de um mundo que respeita o meio ambiente. “Essa preocupação ambiental está em voga hoje, mas ela escreveu sobre isso em 2009, há 16 anos”, argumenta o escritor.>
Como escritora, Mãe Stella tinha ainda outra virtude, segundo Aleilton: “Ela escrevia para todos, afinal o trabalho dela não era para converter pessoas. Ela não estava preocupada em dogmatizar e exprimia suas ideia como uma manifestação de cultura. Como autora, ia além do estritamente religioso, porque escrevia em dogmatismo”.>
Instituto>
Adriano Azevedo, sobrinho de Mãe Stella, é o presidente do Instituto que foi lançado sexta-feira (2) e fala sobre os planos da instituição: “O Instituto vai desenvolver atividades culturais, desportivas, recreativas e de saúde. Também vamos prestar serviços de assistência social para mulheres, jovens e crianças, vítimas de abuso e assédio sexual. Além disso, queremos desenvolver projetos para fortalecer, proteger e melhorar as condições de vida do nosso público alvo, que são crianças, adolescentes, mulheres, idosos e famílias em situação de vulnerabilidade”.>
Embora o Instituto esteja “nascendo” no ano do centenário de Mãe Stella, Adriano diz que a coincidência não foi planejada. Mas, segundo ele, “coincidência” talvez nem seja o termo adequado aqui: “Não sei se é coincidência, porque, na nossa religião, isso não existe. Acho que [a ideia do Instituto] já estava no cosmo, no astral, já estava determinado. Eu que não estava conseguindo enxergar”. >
O sobrinho da sacerdotisa reconhece que presidir uma entidade em nome da tia é uma grande responsabilidade e isso pode tê-lo assustado: “Acho que estava com medo de seguir, mas me dei conta de que estava cercado de pessoas de confiança. O Instituto chega para firmar a memória de Mãe Stella e para dizer que a ancestralidade de nossa religião é presente e não morre”.>
Programação>
Também nesta sexta, foi lançado o livro As Iyalorixás do Ilê Axé Opô Afonjá, escrito por três professores da Ufba: Maria Dulce Paradella de Matos Oliveira, Maria Teresa Navarro de Brito e Sérgio Franklin Ribeiro da Silva. >
“O livro fala da trajetória das ialorixás do Terreiro, desde Mãe Menininha até a atual, Mãe Ana. Mãe Stella, que liderou o Terreiro por 42 anos, tem um capítulo especial. O livro vai desde 1910 até os tempos atuais”, diz Emanuel Nascimento. Ainda em maio, Mãe Stella será homenageada em sessões especiais na Câmara de Vereadores de Salvador, no dia 15, e na Assembleia Legislativa da Bahia, dia 22. >
No dia 5 de junho, o Ilê Axé Opô Afonjá vai ser sede do seminário Meu Tempo é Agora, frase que deu título a um dos livros de Mãe Stella. “Este título é expressivo de que, para além de toda uma história de sofrimento dos povos trazidos para o Brasil em situação de escravizados, é preciso afirmar o ‘agora’. É interessante que toda essa história seja revista numa perspectiva de agora para diante. Não se trata de lamentar o passado, mas de refletir sobre o passado para construir um novo agora”, diz Aleilton Fonseca. No dia 12 de junho, o Congresso Nacional vai realizar uma sessão solene dedicada ao centenário da líder religiosa.>
A programação segue aquecida no segundo semestre, com rodas de conversas e atos simbólicos dedicados à memória da sacerdotisa. Em setembro, o destaque será uma feira de gastronomia africana, no dia 12. “A feira é para rememorar um momento que Mãe Stella criou: todos os anos, a gente tinha essa feira que reunia gastronomia, cultura, música e samba de roda. A comida baiana de hoje é praticamente a comida de terreiro”, diz Emanuel.>
PROGRAMAÇÃO DO CENTENÁRIO DE MÃE STELLA>
Maio>
Dia 15 Sessão especial na Câmara de Vereadores de Salvador>
Dia 22 Sessão especial na Assembleia Legislativa da Bahia>
Dia 29 Homenagem da Academia de Letras da Bahia ao centenário de Mãe Stella>
Junho >
Dia 5 Seminário Meu Tempo É Agora >
Dia 12 Sessão especial no Congresso nacional>
Julho>
Dia 24 Julho das Pretas promove roda de conversa sobre centenário de Mãe Stella>
Agosto>
Dia 21 Agosto da Igualdade. Ato Simbólico Escultura Mãe Stella de Oxóssi>
Setembro>
Dia 12 Feira de Gastronomia Africana e Música: O Caçador Trazendo Alegrias>
Novembro>
Dia 19 Novembro Negro: Tributo a Mãe Stella, na Concha Acústica>
Dezembro >
Dia 3 Lançamento do documentário Memórias Afonjá>