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Como será daqui pra frente: Igreja menos romana, mais pastoral

O legado do Papa Francisco redesenha a face do catolicismo e lança um desafio para o próximo papado

  • M
  • Moyses Suzart

Publicado em 26 de abril de 2025 às 05:00

O papa Francisco morreu na segunda (21), aos 88 anos, após um AVC; ele estava em seu quarto
O papa Francisco morreu na segunda (21), aos 88 anos, após um AVC; ele estava em seu quarto Crédito: MAZUR/Fotos Públicas

Não há dúvida que o papa Francisco remodelou a Igreja Católica, deixando um legado de abertura para assuntos antes intocáveis na liturgia, acolhimento aos menos favorecidos e sensibilidade social. Estes serão seus principais legados, além de um senso de humor primoroso, a paixão por futebol e, não menos importante, preferir Pelé a Maradona. Contudo, até que ponto este legado mudou a cara da maior religião cristã no mundo? E até que ponto o seu substituto vai manter e ampliar este legado ou vai frear seus pensamentos?

O novo papa, caso tenha uma filosofia diferente do seu antecessor, terá como principal dificuldade frear o que o argentino deixou como herança: a abertura da igreja para o novo mundo.

Logo que assumiu seu posto maior na Igreja em 2013, Francisco, na sua primeira publicação, a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, mostrou como seria sua postura em relação à renovação eclesial: “Sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evangelização do mundo atual que à autopreservação”.

O agora saudoso papa pregou uma renovação do papel da Igreja, buscando transformar a maneira como os católicos vivenciam sua fé no mundo moderno. Imagine fazer isto de forma tão intensa em uma religião com mais de 2 mil anos de existência.

Francisco abandonou a postura tradicionalista romana e focou em uma Igreja mais missionária, inclusiva e menos centrada nas estruturas do Vaticano. Adotou, inclusive, o termo ‘saída’, que é justamente a retirada interna da igreja para pastorear pelo mundo, como os pastores fizeram após a partida de Jesus. E mostrou na prática: entre 2023 e 2024, viajou 47 vezes, visitando mais de 60 países com momentos históricos, como no encontro com o Aiatolá Ali Al-Sistani, no Iraque, em solo muçulmano xiita.

A postura de abertura de Francisco, principalmente no aspecto ecumênico e no diálogo inter-religioso, também trouxe várias críticas durante seu pontificado. Ele foi acusado por alguns como “excessivamente progressista” ou de se afastar das tradições da Igreja mais tradicional.

O papa, contudo, nunca abandonou seu perfil missionário, o que provocou, muitas vezes, confusão entre sua filosofia com ideologia política. Ele chegou a ser acusado de ‘politizar’ o evangelho. Este, inclusive, será outro desafio para o novo líder católico num mundo extremo.

“Ele transformou a teologia da libertação, que era uma voz dissidente, num patrimônio comum de toda a igreja. Então, quando Francisco falava ‘nenhuma família sem terra, nenhum trabalhador sem trabalho’, isso tem muito a ver com princípios da tradição cristã da caridade. Porém, em função das políticas recentes, inclusive do crescimento da extrema direita, sua ação pastoral foi confundida com ideologia partidária”, explica o historiador doutor Zózimo Trabuco, professor da Universidade Federal do Oeste da Bahia (Ufob).

Católica praticante, a aposentada Rita de Cássia afirma que o papa trouxe avanços significativos, mas admite que o lado conservador também é importante e foi deixado de lado por Francisco. “Eu sou meio tradicionalista. Tem coisas que o papa fez que não concordo, mas me mantive calada e rezava para que ele obedecesse mais aos ensinamentos deixados na palavra de Deus”, disse Rita, que espera um novo líder mais voltado para a tradição romana.

“O próximo papa, pra mim, tem que ter o coração misericordioso de Francisco, porém mais obediente à palavra de Deus. Que realmente os cardeais ouçam a voz de Deus nesse conclave, que não queiram eleger só o lado humano”, completa.

Outra fiel, Maria Nêres, pensa diferente. Para ela, Francisco fez tudo que um papa deveria fazer. “O papa Francisco representou o verdadeiro exemplo de Cristo, buscando sempre acolher o mais pobre, o necessitado de amor, aqueles que são excluídos da nossa sociedade. O nome escolhido por ele já representa toda a simplicidade, amor ao próximo, como São Francisco nos ensina”, diz. Sobre o novo papa, Maria resumiu: “Espero que o novo papa, inspirado pelo Espírito Santo, dê continuidade ao legado do papa Francisco e siga o exemplo do amor, que é Jesus Cristo”, conclui.

Francisco assumiu um papel que, assim como Jesus Cristo, não agradou a todos. Neste conclave, muito mais pela escolha do nome, estão em jogo também as características do próximo Santo Padre. Será conservador, moderado ou liberal? É uma batalha silenciosa na igreja que também pode ser colocada na herança do argentino.

Considerado o mais liberal dos papas, Francisco também fez crescer o rebanho, principalmente entre os não religiosos e católicos não praticantes, que foram fisgados pela renovação carismática que vem sendo construída aos pouquinhos a partir da figura de João Paulo II, hoje santo. Apesar de estar em andamento, essa revolução só encontrou um terreno mais sólido com Francisco.

“Não sabemos para que lado vai os ventos da institucionalidade católica agora. Mas o papa Francisco foi muito importante para o crescimento de iniciativas ecumênicas. Isso foi muito celebrado, pois também tem relação com o movimento econômico. Isso impacta em outras religiões, sem dúvida. Temos que lembrar que a Igreja Católica é uma entidade multinacional, uma instituição com capitalidade e relações em todo o mundo. O papa também tem esse papel diplomático e institucional.”, explica Zózimo Trabuco.

Para ele, o novo pontífice terá dificuldade para manter esta imagem aberta da igreja em pleno século 21. “Eu acho que a tendência é o papa ser mais moderado e não aprofundar mudanças apontadas ou já feitas pelo papa Francisco. Mas acredito que, do ponto de vista pastoral, da imagem pública que a Igreja Católica quer passar, acho um pouco difícil retroceder desta face franciscana da Igreja, mais preocupada com o problema ecológico e com a instituição social”, completa.

Maior país católico

O Brasil continua com o maior número de católicos do mundo. Contudo, questões como o avanço das religiões evangélicas deixam a Igreja sem saber como será seu futuro no país. Por isso, o novo papa deve ter uma visão especial do solo brasileiro. Facilitaria muito se o próprio líder fosse o arcebispo de Salvador e primaz do Brasil, cardeal Dom Sérgio da Rocha, que é um dos cotados. Caso seja eleito, deve manter o legado deixado por Francisco, principalmente no aspecto carismático entre os jovens.

“Os ensinamentos, os gestos do papa Francisco repercutiram muito na Igreja e no mundo, não só pelas suas implicações internas na vida da Igreja, mas pelo significado ético, religioso, político dos seus ensinamentos, daquilo que fez, daquilo que realizou e nos ensinou”, disse Dom Sérgio, antes de embarcar para o Vaticano, mas sem entrar no mérito de suas chances reais no papado.

“Em relação às especulações sobre o novo papa, é preciso primeiro respeitar esse momento. As especulações existem, mas sabemos que o Espírito Santo sempre surpreende a Igreja”, completou, um pouco antes de sua viagem para Roma, onde fará parte do conclave.

Francisco marcou seu pontificado com avanços importantes. Deu mais espaço às mulheres dentro da estrutura da Igreja, acolheu com mais empatia os fiéis LGBTQIA+ e trouxe o cuidado com o meio ambiente para o centro do debate religioso, algo inédito. Mostrou que a Igreja pode ser mais próxima, simples, moderna e sensível aos desafios do nosso tempo. Ao novo papa, resta a missão de escolher entre dar continuidade a esse legado transformador ou atender aos setores que pedem um retorno à tradição. O mundo todo, católico ou não, observa.