Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Thais Borges
Publicado em 9 de agosto de 2025 às 05:00
Por muito tempo, ele foi um símbolo tão forte do estado que chegou a ser conhecido popularmente por um quase gentílico: ‘coco da Bahia'. Mas, agora, o cenário é outro. Em pouco mais de dez anos, a produção estadual de coco, que já foi a maior do Brasil, caiu pela metade e foi ultrapassada pelo Ceará nesse período. >
Sem incentivos e sem uma política específica, o resultado é de um coco mais caro para o consumidor final e que mal consegue atender ao mercado interno em algumas épocas do ano. Em meio a um cenário limitante, a tensão pelos possíveis impactos do tarifaço imposto pelos Estados Unidos a produtos exportados pelo Brasil adiciona uma nova camada a uma situação que já preocupa produtores. Na última semana, o preço do coco - que vinha de quase um ano de alta - caiu R$0,70. >
“A Bahia não tem uma unidade de pesquisa estadual, uma empresa de assistência técnica rural. Quase 80% dos produtores rurais de coco são pequenos e não têm nenhum tipo de tecnologia. Por isso, não combatem praga, não combatem doença. É uma cultura familiar, com exceção de alguns grandes projetos, e o pessoal ficou abandonado", diz o engenheiro-agrônomo Fernando Florence, especialista em cultivo de coco e hoje produtor do segmento. >
Em 2013, a Bahia produzia 566 mil toneladas de coco. Dez anos depois, segundo a pesquisa de Produção Agrícola Municipal do IBGE, era metade - 387 mil toneladas do fruto por ano. Assim, a produção foi reduzida em 31,6% em uma década. No mesmo período, a área plantada diminuiu ainda mais - saiu de 75 mil hectares para 37 mil, o que equivale a uma queda de 50,6%. >
"O consumo do coco seco que produzimos aqui na Bahia é alto. Salvador é um grande consumidor, então boa parte da produção fica aqui. Já o coco verde vai também para o Sudeste e uma fração vai para uma indústria no Conde que exporta para os Estados Unidos", explica o presidente da Associação Nacional dos Produtores de Coco (Aprococo), Reinaldo Nascimento. >
Sem incentivo>
O valor total da produção do coco também caiu de R$ 259 milhões para R$ 233 milhões. A queda no valor movimentado não foi tão grande porque, com a oferta menor, o preço do fruto aumentou 31,5%, de acordo com o IBGE (saiu de R$ 0,45 para R$ 0,60). >
O atual estágio do cultivo do coco na Bahia é resultado de uma combinação de fatores, segundo o presidente da Aprococo. Há cerca de 15 anos, o Brasil começou a importar coco ralado da Ásia - um fruto do qual é retirado previamente tanto o óleo quanto o leite e, assim, chega aqui com preços muito baixos. >
"Os importadores locais viram isso como uma oportunidade de ganhar dinheiro. Houve um desincentivo muito grande ao não pagar o preço que remuneraria os produtores, de forma que manteve os preços baixos durante muito tempo. Além disso, nos últimos oito anos, o Brasil começou a importar também um concentrado de água de coco que entra muito barato", diz, citando que, naquela época, não havia tanta facilidade para identificar o que era uma água de coco integral. >
Esse contexto acelerou o processo de perda de área nos perímetros irrigados, especialmente em municípios como Rodelas e Juazeiro. O primeiro até continua como o principal polo produtor no estado, mas Juazeiro substituiu muitos dos hectares pelo cultivo de frutas como uva e manga. Já nas cidades do Litoral Norte, como Conde e Entre Rios, muitas das terras foram alugadas para o plantio de eucaliptos destinados às indústrias de base florestal - em especial, a celulose. Mais recentemente, algumas das terras na região passaram a servir também para o plantio de laranja. >
"O segundo motivo é a falta de apoio governamental. Nunca viram a cococultura como algo relevante nas cadeias produtivas do estado, então não existe nenhum programa de recuperação de áreas", diz Nascimento. >
Seco e verde>
Não há estatísticas oficiais sobre quantas o das 387 mil toneladas anuais sejam de coco verde e quantas sejam do seco. As estimativas da categoria, porém, são de que 60% sejam para o coco verde. Além do mercado interno, a maior parte desse contingente é exportada para estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Um percentual da água de coco envasada aqui vai para os Estados Unidos (no Ceará, por exemplo, praticamente toda a água vai para lá). >
Mas o coco seco fica basicamente aqui na Bahia, para consumo interno. Salvador, inclusive, é um dos principais mercados, já que a culinária local tem muito uso do produto (veja ao lado). >
No Litoral Norte, alguns produtores estão tentando retomar o protagonismo dos municípios da região - inclusive para voltar a abastecer mais restaurantes e hotéis da área que um dia já foi conhecida como Costa dos Coqueiros. Uma das iniciativas é a recriação da Cooperativa do Vale do Sauípe (Coopervale), que reúne a categoria na região e estava fechada desde a pandemia da covid-19. >
"A gente está tentando recuperar a cadeia do coco", diz o presidente da entidade, Edvaldo Oliveira Filho. "A CAR (Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional) está ajudando, mas estamos querendo mais agilidade. Queremos que o produtor tenha condição de adubar a fazenda, porque ninguém está conseguindo fazer. O preço do coco fica na mão do atravessador. Vendo por R$ 0,30 e, na praia, cobram R$ 10", explica. >
Na pandemia, muitos produtores pararam de cultivar porque o consumo caiu. Assim, ficou mais atrativo alugar as terras para a plantação de eucaliptos. Há relatos de que custava até R$ 1,5 mil mensais por um único hectare - sem precisar investir no plantio ou pagar funcionários, já que nada na colheita é mecanizada. >
Edvaldo é um dos que não parou, mesmo naquele período. Dos 39 hectares plantados em sua fazenda, cerca de 20 são de coco. A maioria é de coco verde. "Se eu disser que temos 30 mil, 40 mil frutos por ano, vai ser muito". O coco seco fica mais tempo no coqueiral - até seis meses a mais. E, por isso, nessa época de baixa estação das praias, muitos produtores da versão acabam esperando mais tempo para colher o coco seco. O contrário, porém, não é tão vantajoso - exigiria mais tempo e recursos para sair do seco e voltar para o verde. >
"Os dois estão iguais, com pouca produção agora", diz Edvaldo. Um coqueiro leva aproximadamente três anos e meio para começar a dar frutos. A adubação ocorre após o primeiro ano. Assim, um coqueiro pode render até 200 frutos por ano. "A gente mal tem coco para vender para a Bahia, porque a produção é mínima, quanto mais para outros estados. Se a Coopervale conseguir levantar isso, vamos voltar a vender como antes para Sauípe, Recôncavo e Salvador", diz. >
Apesar do preço alto que chega para o consumidor final, Edvaldo explica que a maior parte do lucro não vai para os produtores - os primeiros da cadeia. Esse lucro ficaria com os revendedores, que os conectam aos estabelecimentos. "Na Semana Santa, o quilo do coco seco chegou a ser vendido por R$ 12. Hoje, vendo a unidade a R$ 0,30, R$ 0,50. Nosso lucro é pequeno, então não tem como adubar fazenda, pagar funcionário. Por isso, muita gente foi alugar para eucaliptos. É uma renda fixa". >
O engenheiro-agrônomo Fernando Florence produz cerca de 200 mil unidades de coco por ano. "Tem gente que me liga pedindo duas toneladas de coco por semana e eu não consigo, porque sou pequeno", explica. Ele critica também a falta de visão a longo prazo do setor. >
Sem cooperativas, por exemplo, ele acha que há mais dificuldade em lutar por créditos bancários que se adaptem à realidade da cultura: fazer um empréstimo de seis meses, por exemplo, significa começar a pagar bem antes de dar frutos. >
Taxação>
Na última segunda-feira (4), a Aprococo enviou um ofício à Federação das Indústrias da Bahia (Fieb) sobre o impacto da aplicação da tarifa de 50% sobre a água de coco envasada brasileira e o que chamaram de "urgência de inclusão" do produto na lista de exceção. Os Estados Unidos são o principal exportador da água de coco do Brasil e, por ano, chegam a comprar 52,7 milhões de litros (um total de US$ 53 milhões). Desse total, segundo a entidade, 22,6 milhões de litros são exportados pela Bahia - um total de US$ 22,6 milhões. A conclusão da Aprococo no documento é de que a taxação levaria à suspensão de 100% das exportações do produto, visto que os concorrentes asiáticos têm taxas que variam entre 20% e 30%. >
Ao todo, a perda estimada para a Bahia somente com o coco seria de R$ 116,1 milhões por ano, com a ameaça de mais de 97 mil empregos na cadeia (19,4 mil diretos e 77,7 mil indiretos). "A gente veio recentemente de um ciclo bom do coco seco, devido a problemas nos países asiáticos como Indonésia e Sri Lanka. Isso fez com que o produtor respirasse um pouco, depois de um ciclo de baixa, nos últimos quatro anos. Agora, já sentimos (o impacto do tarifaço). Em uma semana, perdemos R$ 0,70 do coco", avalia o presidente da entidade, Reinaldo Nascimento. >
Para o engenheiro-agrônomo e produtor de coco Fernando Florence, essa possibilidade é "uma bomba" para o setor. "O futuro é ameaçador", decreta. Ele é um dos defensores de uma nova visão para o coco - do uso da fruta em todos os seus aspectos, inclusive o que é descartado como lixo atualmente. Com as casca, por exemplo, é possível fazer fibra de coco. "Infelizmente, parece que as pessoas só pensam que água de coco é para beber na praia e que coco seco é para fazer bolo. Tem algumas coisas que a gente precisa enxergar lá na frente. Isso aqui é uma commodity", reforça.>
A Fieb confirmou que está acompanhando a situação dos produtores de coco. Na última quinta-feira (7), representantes da entidade levaram a pauta para uma reunião no Ministério do Desenvolvimento, em Brasília.>
A Secretaria de Desenvolvimento Regional do Estado não respondeu aos questionamentos até a publicação. O espaço segue aberto para manifestação. >
A gastronomia baiana é uma das que mais recorre ao coco - em especial, na sua versão seca. Nesse universo, o ramo da confeitaria se destaca com bolos e doces. Por isso, nos últimos anos, o setor foi um dos que mais sentiu o impacto da alta de preços do produto. >
Negócios que trabalham com alto volume de coco e priorizam ingredientes frescos são diretamente afetados. Na Brigaderia Belga, doceria tradicional de Feira de Santana que está presente na Casa Cor Bahia 2025, os preços altos tiveram impacto porque a marca consome cerca de 100 quilos de coco por mês, considerando o produto fresco, o coco ralado natural e leite de coco artesanal. >
A nova gestora da marca, Myrthes Lavigne, estima que 30% das receitas usem o ingrediente, a exemplo de clássicos como o beijinho, o tabuleiro de abacaxi com coco, as cocadas e diversos bolos. Em períodos como o São João, que têm cardápios especiais, esse percentual aumenta porque o coco é protagonista dos principais doces típicos. >
Mesmo assim, a Brigaderia evita repassar diretamente o impacto para o consumidor. Para isso, segundo Myrthes, a estratégia é de otimizar processos, ajustar volumes, controlar desperdícios e negociar com fornecedores.“Quando assumi a gestão da Brigaderia, encontrei uma equipe que preza muito pela excelência e pelos ingredientes que fazem parte da história da marca. O coco é um deles. Nosso desafio diário é equilibrar esse aumento de custos com criatividade e eficiência, sem mexer na essência do produto", diz ela. >
Na confeitaria sem lactose, sem glúten e sem açúcar, o coco é ainda mais importante. A chef e proprietária da éDolce, Priscila Santos, explica que cerca de 60% das receitas levam coco ou algum derivado. Substituir por outro ingrediente nem sempre é uma opção porque, na maior parte das vezes, exige mudar toda a receita. "Além disso, muitos dos nossos clientes têm múltiplas restrições, então não podemos simplesmente trocar por leite de castanhas, por exemplo", conta. >
O aumento, para ela, foi mais brusco desde o ao passado. A marca usa, em média, 20 quilos de coco e derivados por mês - a maioria vinda de fornecedores especializados em produtos naturais de São Paulo ou da Bahia. O coco é uma base considerada versátil e segura para quem tem restrições alimentares. >
"Ele substitui ingredientes de origem animal, dá textura, tem funcionalidade, gordura boa, sabor e ainda oferece valor nutricional. Em comparação com a confeitaria tradicional, usamos muito mais coco porque ele entra onde antes havia leite, creme de leite, manteiga ou até mesmo algumas farinhas convencionais. Ele é um ingrediente chave na confeitaria inclusiva", reforça.>