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Conheça a baiana Daniela Pinheiro, primeira do país a ser premiada como destaque das Américas no setor portuário

“O porto precisa das mulheres”. Diretora baiana que lidera os portos de Salvador e Aratu mostra como inovação depende da diversidade

  • M
  • Moyses Suzart

Publicado em 20 de setembro de 2025 às 11:00

Daniela Pinheiro quebrou barreiras masculinas e se tornou referência no setor portuário
Daniela Pinheiro quebrou barreiras masculinas e se tornou referência no setor portuário Crédito: Divulgação

Que a Bahia é primeira em tudo, não é nenhuma novidade. Em tudo mesmo. Pioneiros na capital do país, no porto da América do Sul, primeira missa e primeiro índio abatido também (Ave, Gil!). Vale reforçar que estamos calejados de saber que toda menina baiana tem encantos que Deus dá, mas também tem muita competência. E hoje, estamos falando de Daniela Pinheiro Monteiro Santana, baiana e pioneira no setor portuário, sendo a única do país neste cargo máximo de um porto brasileiro. Um não, dois: Salvador e Aratu. De auxiliar administrativa a diretora executiva do Ogmosa (Órgão de Gestão de Mão de Obra dos Portos de Salvador e Aratu), ela revela como a paixão pelo setor, a perseverança e a luta por inclusão feminina abriram portas não apenas para sua carreira, mas para que outras mulheres também ocupem espaço em um ambiente tradicionalmente dominado por homens. Na próxima segunda (22), ela será a primeira mulher a ser premiada como Destaque das Américas no setor portuário, que reúne 19 países.

Como começou sua história no setor portuário?

Eu sou formada na área de tecnologia e, na verdade, caí de paraquedas no setor portuário. Entrei em 2000, após passar em um processo seletivo para trabalhar na área administrativa da empresa, e estou lá até hoje. No decorrer dessa trajetória, fui me aprofundando e estudando mais sobre o setor, especialmente sobre o trabalho portuário. O pilar do Ogmosa é justamente a gestão da mão de obra portuária: qualificamos, damos treinamento e fornecemos essa mão de obra para as empresas que fazem a movimentação de cargas. Também cuidamos da parte de pagamentos, saúde, segurança do trabalho e capacitação desses profissionais.

Por que você considera o setor tão apaixonante?

Porque é riquíssimo e envolve muitos atores. Dentro de uma comunidade portuária, há inúmeras empresas e órgãos atuando juntos. Para que um navio atraque, por exemplo, existe toda uma cadeia de autorizações: da Anvisa, da Receita Federal, da Polícia Federal, além de questões relacionadas à tripulação e fronteiras. É uma engrenagem enorme que precisa estar em sintonia.

Como é a rotina de quem trabalha com portos?

O porto funciona 24 horas por dia, 365 dias por ano. Não para nunca. Isso cria um ambiente complexo, que exige constante superação. E, no meu caso, entrar como mulher em um setor historicamente masculino torna tudo ainda mais desafiador e estimulante.

Quando você entrou no setor, como era a presença feminina nos portos?

Quando cheguei, praticamente não havia mulheres. No setor administrativo éramos pouquíssimas, no máximo quatro. Na época, eram cerca de mil trabalhadores portuários e todos homens. Não existia nenhuma trabalhadora portuária. Meu início foi justamente no setor de pagamentos, lidando diretamente com o dinheiro desses profissionais masculinos.

Esse cenário mudou?

Sim, mudou um pouco, mas ainda de forma tímida. As mulheres começaram a ocupar cargos dentro das empresas, até nas operações portuárias, que sempre foram espaços muito masculinos. É um avanço pequeno, mas significativo. Em 2022, por exemplo, quando participei novamente do encontro nacional, já encontrei duas diretoras de empresas do setor, além de mim.

Foi aí que surgiu a ideia de criar o grupo Mulheres Portuárias?

Exatamente. Em 2022, eu e essas colegas tivemos a ideia de criar um grupo para nos unirmos, dar visibilidade e voz às mulheres no setor. Esse grupo se tornou, no ano passado, a Associação Mulheres nos Portos, que hoje é uma instituição com CNPJ. Agora temos mais força para propor políticas públicas e movimentos concretos que abram caminho para mais mulheres.

Quais barreiras vocês estão conseguindo quebrar com a associação?

A primeira é dar visibilidade e voz às mulheres. Num ambiente predominantemente masculino, a fala feminina muitas vezes é interrompida ou ignorada. Com a associação, conseguimos mostrar os problemas e dores que enfrentamos, além de pautar temas importantes. Um exemplo prático: até pouco tempo não havia estrutura adequada para mulheres no setor, como vestiários e banheiros. Acredite, não tinha. Agora, isso começa a ser discutido e implementado.

Eu acredito muito que inovação tem que ter diversidade. Não tem como falar de inovação, de implementar tecnologia, sem incluir as diferentes ideias

Daniela Pinheiro

Executiva portuária

E em relação à desigualdade salarial?

Na atividade portuária em si, o salário não muda entre homens e mulheres. Mas, na parte administrativa, especialmente em cargos de gestão e liderança, a diferença ainda existe. Para uma mulher chegar a um cargo de diretoria, por exemplo, o caminho é mais difícil, cheio de obstáculos. E mesmo quando chegamos ao topo, o salário é menor do que o de um homem no mesmo cargo. Posso dizer isso pela minha própria experiência, mesmo sendo hoje reconhecida internacionalmente.

Quais foram os primeiros desafios que você enfrentou neste cenário tão masculinizado?

Um dos maiores desafios foi a informatização do processo de escalação e pagamentos dos trabalhadores. Tudo era feito manualmente e havia uma resistência enorme por parte deles, porque tinham domínio daquele sistema antigo e analógico. Qualquer mudança gera receio, e nesse caso houve até ameaças. Mas conseguimos implementar a informatização em 2006. Hoje, ninguém mais quer voltar atrás: tudo é feito pelo celular, sem precisar ir ao porto para saber se foi escalado ou não.

Como sua carreira evoluiu a partir daí?

Depois desse processo, assumi a coordenação operacional, que é o coração da empresa, lidando diretamente com os trabalhadores e com a escalação. Cheguei a ser a única mulher no Brasil atuando nessa área operacional dentro do Ogmosa, segundo levantamentos da época. Mais tarde, fui reconhecida e me tornei gerente operacional, em 2016.

Para você, o que representa essa premiação que vai receber?

Muito especial. Para mim, tem um significado ainda maior por tudo que já foi dito aqui. Primeiro que nós fomos quem abriu os portos, o primeiro porto do Brasil foi o de Salvador. A abertura das Nações Unidas foi feita aqui e foi aqui que tudo começou, aqui na Bahia, em Salvador. Então já existe esse simbolismo muito forte, dessa relação histórica, de muita luta, muitas barreiras e enfrentamentos, inclusive como nós fomos usados pelos portugueses para estruturar esse processo.

E qual é a relevância desse reconhecimento no cenário internacional?

Eu já vejo como uma grande importância o fato de estar representando a Bahia e o Brasil internacionalmente, junto com todos os países que fazem parte dessa organização. São todas as Américas: Sul, Central e Norte. Isso dá uma relevância muito grande e, como comentei com vocês, acho que dá ainda mais visibilidade não só às mulheres, mas também aos portos brasileiros. O Brasil tem o maior porto da América Latina, que é o porto de Santos, e a maior costa, com vários portos do Sul ao Norte. Então a gente precisa dar voz a isso, mostrar o que é o setor portuário e, ao mesmo tempo, abrir caminho para que mulheres portuárias também ingressem em qualquer porto do Brasil. Essa premiação dá uma visibilidade enorme e pode ser aproveitada para provocar pautas importantes sobre o setor.

Todas as áreas são importantes e atuam dentro do porto, mas a maioria dos profissionais aprende o que é o setor só depois que já está lá dentro. Academicamente, ninguém chega pronto.

Daniela Pinheiro

Executiva portuária

Além da premiação, você também foi convidada para um painel em Lima. Como será essa participação?

Eu acredito muito que inovação tem que ter diversidade. Não tem como falar de inovação, de implementar tecnologia, sem incluir as diferentes ideias. Humanização e tecnologia não se separam, elas se completam. A diversidade é fundamental, seja de gênero, seja de raça, para que todos estejam incluídos.

E como você recebeu a notícia da premiação?

Dei um grito. Olha, eu não esperava. Fui indicada, pediram informações e a equipe foi encaminhando, mas eu nunca imaginei. Quando recebi o e-mail, achei que era só uma confirmação de indicação. Li de novo e, quando percebi que estava escrito que a premiação aconteceria no dia 24 de setembro, em Lima, eu gritei: “Meu Deus, o que é isso?”. Fiquei muito emocionada. Esse prêmio não é só meu, é de todas as mulheres do setor também. Tanto que vamos juntas para Lima, receber a premiação e participar do painel.

Quais são os maiores desafios do setor portuário no país?

O Brasil tem uma extensão portuária enorme, que inclui inclusive portos de águas doces, como os da Amazônia. Isso traz muitos desafios. Mas, no campo da inovação e dos recursos humanos, o maior desafio é abrir as portas para que mais pessoas conheçam a atividade portuária e possam se especializar nela. Ainda falta visibilidade acadêmica para a área — cursos, especializações, mestrados. Precisamos atrair profissionais qualificados e diversos, porque o porto movimenta tudo o que sustenta o país, tudo o que usamos no nosso dia a dia.

Você aconselharia jovens a investirem em uma carreira no setor portuário?

Com certeza. Eu não digo que cheguei ao topo, porque ainda tenho muito a conquistar, mas esse reconhecimento mostra que é uma área promissora. O setor portuário precisa de mão de obra qualificada e ainda existe um déficit de profissionais. Muitas vezes as pessoas procuram carreiras mais óbvias e esquecem de uma área tão importante, que garante a entrada e saída de tudo que movimenta a economia do país. É uma oportunidade concreta de carreira e desenvolvimento.

Quais oportunidades profissionais o setor oferece?

É enorme, grandioso. Envolve muitas áreas e muitas profissões: desde humanas até técnicas, passando por tecnologia, engenharias, meio ambiente e saúde. O setor portuário permite a atuação de diversos profissionais. Mas precisamos atrair pessoas realmente interessadas, pensantes, e abrir espaço para que instituições técnicas e universidades possam conhecer o porto e contribuir com seu desenvolvimento. Hoje, por exemplo, não temos um “SENAI do Porto”. Existe até uma lei específica sobre trabalho portuário, mas quase nenhuma faculdade de Direito trata do tema. Temos normas de saúde e segurança próprias para o setor, como a NR-29, mas elas não são ensinadas nos cursos de segurança do trabalho. É um campo riquíssimo, mas ainda pouco explorado academicamente.

Eu diria que o porto precisa das mulheres.

Daniela Pinheiro

Executiva portuária

Então a formação acadêmica ainda não acompanha as necessidades do setor?

Exato. Todas as áreas são importantes e atuam dentro do porto, mas a maioria dos profissionais aprende o que é o setor só depois que já está lá dentro. Academicamente, ninguém chega pronto. As pessoas entram, vão estudando, criando suas próprias linhas de pesquisa e aplicando dentro da realidade portuária. O que falta mesmo é investimento em formação direcionada, para que possamos profissionalizar ainda mais o setor e abrir novas frentes de conhecimento.

E para as mulheres que pensam em ingressar no setor portuário, que conselho você daria?

Eu diria que o porto precisa das mulheres. Não se trata de tomar espaço dos homens, mas de atuar junto em um setor essencial para a economia do país. A mulher traz competências e habilidades próprias. Essa diversidade é fundamental. Inovação só existe se houver diversidade. Meu conselho é: conheçam o porto. Tenho certeza de que, quando conhecerem, vão se apaixonar. E os portos precisam dessa contribuição feminina, de forma efetiva e transformadora.

Conheça a baiana Daniela Pinheiro, primeira do país a ser premiada como destaque das Américas no setor portuário por Divulgação