De pé-de-pato à Louboutin: saiba onde fica a sapataria que aceita todo tipo de serviço em calçados

Sapataria Sergipana ajusta ainda tamanho de tênis, cano de bota e também dá cursos para quem quer exercer a profissão

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  • Priscila Natividade

Publicado em 11 de agosto de 2024 às 11:00

Osmar é sapateiro há 22 anos
Osmar é sapateiro há 22 anos Crédito: Marina Silva/ CORREIO

Um tênis novo da Asics, uma briga de casal e um humilde sapateiro para contar essa história: “Como todas as profissões, sempre chega aqui uma situação inusitada. Certa vez, uma cliente chegou com um tênis novo, supercaro, na caixa ainda. Quando vi, esse Asics estava cortado ao meio. Ela me disse que o marido havia acabado de comprar para ir a um jogo do Bahia, mas ela não queria que ele fosse e decidiu pegar uma faca e rasgar para impedir ele de sair. O estrago estava feito”, lembra o sapateiro e proprietário da Sapataria Sergipana (@sapatariasergipana_salvador_ba), Osmar Santos.

Como é de se imaginar, a atitude gerou um problemão. “‘Ele está pensando que eu sou brincadeira’? Essa cliente me procurou e perguntou que jeito eu poderia dar, porque o marido disse que iria até de chinelo para o jogo, mas só voltava para casa quando ela consertasse o tênis”. Quem teve que dar um jeito, na verdade, foi Osmar: “Meu Deus do céu. Reformei o tênis, ficou legal o resultado do serviço que eu levei 4 horas para fazer e aí, entreguei o tênis a ela. Não sei se ele voltou para ela ou se voltou para casa, mas espero que sim. Pelo menos, o tênis eu reformei, né? Fiz a minha parte para tentar a reconciliação lá do casal”, afirma.

Se o casal voltou a ficar junto ou não, o sapateiro não sabe no que deu o desfecho da história. Fato é que esse é só um dos diversos serviços que a sapataria - que conserta até pé-de-pato de nadador - consegue dar conta. “Na Sapataria Sergipana oferecemos, aproximadamente, 50 tipos de serviços diferentes. Estamos o tempo todo aprendendo a desenvolver serviços novos e atentos a qualquer novidade, buscando aprender, ver uma forma que a gente possa reformar aquela peça e dar um jeito”.

A sapataria que faz bem mais do que trocar um zíper de bolsa. Osmar garante que dificilmente o cliente chega com uma peça e sai sem uma solução. Até por esse motivo, o preço do trabalho é definido após a análise no momento da entrega onde ele avalia o que vai ser feito, os materiais utilizados, tempo e o grau de dificuldade para resolver aquele problema. O sapateiro se especializou e desenvolveu também suas próprias técnicas para ajustar o tamanho de um tênis, trocar a tela, reformar chuteiras, ajustar cano de bota ou trocar a borracha de uma moleta.

Localizada no bairro de Pernambués, a Sapataria Sergipana faz cerca de 3.120 mil serviços por ano. Os mais demandados são os de colagem de calçados como tênis e chuteiras, reformas, pinturas e troca de capa fixa, inclusive, de sapatos de grife como o famoso Louboutin. Por mês, o negócio chega a faturar, aproximadamente, R$ 6 mil por mês, a depender da demanda. “Estou sempre atento a serviços que precisam ser feitos e as outras sapatarias não fazem, por isso, a minha sapataria é diferente. Aquilo que a gente ainda não faz, conversamos com o cliente e tento fazer. E depois quando vejo que o projeto deu certo, vou e coloco em prática na peça. Um desses projetos é o pé-de-pato de natação. É um serviço que a gente teve que desenvolver pela necessidade do cliente, não porque a sapataria fazia esse serviço antes”. Hoje, para colar e costurar uma chuteira, por exemplo, o serviço custa em média de R$ 40 a R$ 50.

"Estou sempre atento a serviços que precisam ser feitos e as outras sapatarias não fazem, por isso, a minha sapataria é diferente"

Osmar Santos 
sapateiro

Escola de sapateiros

Natural de Sergipe, Osmar chegou em Salvador há 22 anos. Veio para tentar arrumar um trabalho. Começou em uma sapataria do bairro em troca de café e almoço. Lá, mesmo sem dominar a função e ficar só no apoio da loja, foi onde consertou seu primeiro chinelo da Kenner, marca de sandália que fazia o maior sucesso na época. Dali, foi convidado por um dos donos da sapataria para assumir uma banca como sapateiro, inicialmente fazendo serviços simples. Só que a banca ficou pequena para Osmar e ele queria aprender mais sobre ofício. Foi quando deu de cara com uma empresa mesmo, especializada em consertos e reformas mais complexas de calçados.

“Fiz meu currículo cheguei na empresa e entreguei. Trabalhei lá por 5 anos, foi onde virou minha chave e eu vi que alguém pagava R$ 250 por um conserto de um sapato de grife. Não queria ser só um sapateiro, mas um sapateiro preparado. Antes, eu achava que só as pessoas mais simples é que reformavam calçados. Passei a ter uma visão totalmente diferente do que aprendi antes. Eu estava acostumado a reformar calçados simples, básicos. Não imaginava que ia pegar para reformar um calçado feminino Louboutin, que eu não sabia falar nem o nome e custava quase um ano de salário meu. Até então, eu achava que sapato era um só, só mudava a estética”.

Osmar tem mais de 135 mil inscritos no seu canal no Youtube, que dá dicas para quem quer aprender o ofício
Osmar tem mais de 135 mil inscritos no seu canal no Youtube, com dicas para quem quer aprender o ofício Crédito: Marina Silva/ CORREIO

Com R$ 17, Osmar comprou uma lata pequena de cola, dois tubos de linha e um pote de tinta preta e o pincel e foi guardando dinheiro em uma caixa de sapato até ter a sua própria loja. “Um serviço que me desafiou muito, um dos mais difíceis de fazer foi a reforma daquelas botas que os motociclistas usam nas corridas de moto. São botas muito pesadas, com um plástico muito duro. Depois que fiz o trabalho, passei a ter clientes de vários outros lugares do país”.

Osmar tem um Canal no Youtube com mais de 135 mil inscritos e 1,5 mil vídeos publicados onde ele dá dicas para sapateiros e promove cursos para quem quer exercer a profissão. “Quando comecei na profissão, percebi que existia uma deficiência de informação. Quem quisesse aprender, que aprendesse do seu jeito. Não tinha ninguém para ensinar. Por sorte, esse pessoal me deixou a ficar na sapataria, por insistência, eu aprendi, mas era só o básico, o sapateiro de esquina. Nada mais que isso. Se ninguém ensinar a ninguém, o que vai acontecer é que daqui a uns 30 anos essa profissão não vai existir mais. E aí, eu comecei a postar os vídeos no Youtube. Um vídeo do nosso canal ensinando a fazer troca de tela, por exemplo, tem mais de 1 milhão de visualizações. Hoje tenho alunos até na África do Sul, Angola, Equador e México”, destaca.

O sapateiro também ministra cursos presencialmente na própria sapataria. O módulo completo custa R$ 800 e tem duração de 20 aulas. “É curso em que treino as pessoas para aprender a fazer o que eu faço. A sapateira faz um serviço totalmente artesanal. Incentivo muito que outras pessoas também aprendam para que a profissão de sapateiro não deixe de existir”.

Salvador não tem uma escola de sapateiro, sonho que Osmar quer realizar, em no máximo, 2 anos. “Não existe nada assim aqui. Todo mundo usa mochila, tem uma calça jeans que o botão caiu ou precisa fazer um furo a mais em um cinto, um ajuste. Todo mundo tem um bolsa que manchou, precisa pintar ou trocar um zíper, um sapato que está se desmanchando e precisa consertar. O ofício de sapateiro foi o que me fez encontrar o meu caminho e me dar uma segurança. Com R$ 300, essa pessoa já consegue comprar os materiais, começar a trabalhar e te dar condições de ter uma renda bacana, que vai conseguir se sustentar”, ressalta.

AS DICAS DE OSMAR

. Qualificação Aprender, se qualificar, sempre. Tem muito conteúdo gratuito por aí. Esteja atento aos serviços mais demandados, mas também aqueles que possam gerar uma diferenciação, um valor agregado. Assim como um serviço de qualidade atrai muitos clientes, um serviço sem qualidade espanta os você já tem ou poderia ter.

. Clientela Passe todas as informações sobre o serviço para o cliente, tire suas dúvidas. Tudo isso é muito importante para conquistar e se estabelecer com a clientela.

. Se envolva Mostre o seu trabalho para as pessoas, no seu bairro e também nas redes sociais. Faça com que as pessoas vejam o que você faz.

QUEM É

Osmar Santos é sapateiro e o criador da Sapataria Sergipana, localizada no bairro de Pernambués.